Sobre uma
ilha isolada,
Por
negros mares banhada,
Vive uma
sombra exilada,
De
prantos lavando o chão;
E esta
sombra dolorida,
No frio
manto envolvida,
Repete
com voz sumida:
- Eu inda
sou Napoleão.
Tremem
convulsas as plagas
Bravias
lutam as vagas,
Solta o
vento horríveis pragas
Nos
cendais da escuridão;
Mas nas
torvas penedias
2
Entre
fundas agonias,
Ela diz
às ventanias:
- Eu inda
sou Napoleão.
-
E serei! do céu da glória, Nem
dos bronzes da memória, Nem das páginas da história Meus feitos se apagarão;
Passe a noite e as tempestades, Venham remotas idades, Caiam povos e cidades,
- Sempre
serei Napoleão.
Da coluna
de Vendôme,
O bronze,
o tempo consome,
Porém não
apaga o nome
Que tem
por bronze a amplidão.
Apesar de
infausto dia,
Da
infâmia que tripudia,
Dos
bretões a cobardia,
- Sempre
serei Napoleão.
Nos
vastos plainos do Egito,
Sobre
Titães de granito,
Eu tenho
um poema escrito
Que
deslumbra a solidão.
Das Ísis
rasguei os véus,
Entre os
altares fui deus,
Fiz povos
escravos meus,
- Ah!
inda sou Napoleão.
Desde
onde o crescente brilha
Até onde
o Sena trilha,
Tive o
mundo por partilha
Tive
imensa adoração;
E de um
trono de fulgores
Fiz dos
grandes - servidores,
Fiz dos
pequenos - senhores,
- E
sempre fui Napoleão.
Quando eu
cortava os desertos,
Vinham-me
os ventos incertos
De
incenso e mirra cobertos
Lamber-me
as plantas no chão;
As
caravanas paravam,
E os
romeiros que passavam
Às
solidões perguntavam:
- É este
o deus Napoleão?
E lá nas
plagas fagueiras,
Onde as
brisas forasteiras,
3
Entre
selvas de palmeiras
Corre o
sagrado Jordão,
O lago
dizia ao prado,
O prado
ao monte elevado,
O monte
ao céu estrelado:
- Vistes
passar Napoleão!
Dizei,
auras do Ocidente,
Dizei,
tufão inda quente
Do bafejo
incandescente
Do não
vencido esquadrão,
Como é
ele? é belo, ousado?
Tem o
rosto iluminado?
Tem o
braço denodado?
- Sempre
é grande Napoleão?
E as
águias no céu corriam,
E os
areais se volviam,
E
horrendas feras bramiam
No imenso
da solidão;
Mas as
vozes do deserto
Se
erguiam como um concerto
E vinham
saudar-me perto:
- Tu és,
senhor, Napoleão!
-
Se sou! que Marengo o conte, De
Austerlitz o horizonte,
E aquela soberba ponte Que transpus como o tufão! E a minha vida de
Ajácio, E o meu sublime palácio, E os pescadores do Lácio Que só dizem -
Napoleão!
Se o sou!
que digam as plagas,
Onde do
sangue nas vagas,
Coberta
de enormes chagas
Dorme vil
população;
Digam da
Ásia as bandeiras,
Digam
longas cordilheiras,
Que se
abatiam, rasteiras,
Ao corcel
de Napoleão!
Se o sou!
diga Santa Helena
Onde a
mais sublime cena
Fechou
tranqüila e serena
Minha
história de Titão,
Digam as
ondas bravias,
Digam
torvas penedias,
Onde as
rijas ventanias
Vêm
murmurar: - Napoleão.
4
E serei!
do céu, da glória,
Nem dos
bronzes da memória
Nem das
páginas da história
Meus
feitos se apagarão!
Assim na
rocha isolada
Pelas
espumas banhada,
Disse a
sombra desterrada,
De
prantos lavando o chão.
As névoas
rolam nos céus,
Da noite
escura nos véus
Soltam
negros escarcéus
Rugidos
de imprecação;
Mas das
sombras a espessura
A face da
onda escura,
O
salgueiro que murmura
Tudo fala
- Napoleão!