“Homem! por mais que a Idéia deintegres, Nessas perquisições que não têm pausa,
Jamais, magro homem, saberás a causa De todos os fenômenos alegres!
Em vão, com a bronca enxada árdega, sondas
A estéril terra, e a hialina lâmpada oca, Trazes, por perscrutar (oh! ciência louca!)
O conteúdo das lágrimas hediondas.
Negro e sem fim é esse em que te mergulhas lugar do Cosmos, onde a dor infrene
É feita como é feito o querosene Nos recôncavos úmidos das hulhas!
Porque, para que a Dor perscrutes, fora Mister que, não como és, em síntese, antes Fosses,
a refletir teus semelhantes,
A própria humanidade sofredora!
A universal complexidade é que Ela Compreende. E se, por vezes, se divide, Mesmo ainda assim,
seu todo não RESIDENCIA No quociente isolado da parcela!
Ah! Como o ar imortal a Dor não finda! Das papilas nervosas que há nos tatos Veio e vai desde os tempos mais transatos Para outros tempos que hão de vir ainda!
Como o machucamento das insônias Te estraga, quando toda a estuada Idéia Dás ao sôfrego estudo da ninféia
E de outras plantas dicotiledôneas!
A diáfana água alvíssima e a hórrida áscua Que da ígnea flama bruta, estriada, espirra; A formação molecular da mirra, o cordeiro simbólico da Páscoa;
As rebeladas cóleras que rugem
No homem civilizado, e a ele se prendem Como às pulseiras que os mascates vendem A aderência teimosa da ferrugem;
O orbe feraz que bastos jojos acres Produz’a rebelião que na batalha,
Deixa os homens deitados, sem mortalha, Na sangueira concreta dos massacres;
Os sanguinolentíssimos chicotes
Da hemorragia; as nódoas mais espessas, O achatamento ignóbil das cabeças, Que ainda degrada os povos hotentotes;
O Amor e a Fome, a fera ultriz que o fojo Entra, à espera que a mansa vítima o entre,
-- Tudo que gera no materno ventre A causa fisiológica do nojo;
As pálpebras inchadas na vigília, As aves moças que perderam a asa, O fogão apagado de uma casa, Onde morreu o chefe da família;
O trem particular que um corpo arrasta Sinistramente pela via férrea,
A cristalização da massa térrea, O tecido da roupa que se gasta;
A água arbitrária que hiulcos caules grossos Carrega e come; as negras formas feias Dos aracnídeos e das centopéias,
O fogo-fátuo que ilumina os ossos;
As projeções flamívomas que ofuscam, Como uma pincelada rembrandtesca, A sensação que uma coalhada fresca
Transmite às mãos nervosas dos que a buscam;
O antagonismo de Tífon e Osíris,
O homem grande oprimindo o homem pequeno A lua falsa de um parasseleno,
A mentira meteórica do arco-íris;
Os terremotos que, abalando os solos, Lembram paióis de pólvora explodindo, A rotação dos fluidos produzindo A depressão geológica dos pólos;
O instinto de procriar, a ânsia legítima Da alma, afrontando ovante aziagos riscos,
O juramento dos guerreiros priscos Metendo as mãos nas glândulas da vítima;
As diferenciações que o psicoplasma Humano sofre da mania mística, A pesada opressão característica
Dos dez minutos de um acesso de asma;
E, (conquanto contra isto ódios regougues) A utilidade fúnebre da corda
Que arrasta a rês, depois que a rês engorda, À morte desgraçada dos açougues...
Tudo isto que o terráqueo abismo encerra Forma a complicação desse barulho Travado entre o dragão do humano orgulho E as forças inorgânicas da terra!
Por descobrir tudo isso, embalde cansas! Ignoto é o gérmem dessa força ativa Que engendra, em cada célula passiva, A heterogeneidade das mudanças!
Poeta, feito malsão, criado com os sucos De um leite mau, carnívoro asqueroso, Gerado no atavismo monstruoso
Da alma desordenada dos malucos;
Última das criaturasinferiores Governada por átomos mesquinhos, Teu pé mata a uberdade dos caminhos E esteriliza os ventres geradores!
O áspero mal que a tudo, em torno, trazes, Amálogo é ao que, negro e a seu turno, Traz o ávido filóstomo noturno
Ao sangue dos mamíferos vorazes!
Ah! Por mais que, com o espírito, trabalhes A perfeição dos seres existentes,
Hás de mostrar a cárie dos teus dentes Na anatomia horrenda dos detalhes!
O Espaço -- esta abstração spencereana Que abrange as relações de coexistência E só! Não tem nenhuma dependência
Com as vértebras mortais da espécie humana!
As radiantes elipses que as estrelas Traçam, e ao espectador falsas se antolham São verdades de luz que os homens olham Sem poder, no entretanto, compreendê-las.
Em vão, com a mão corrupta, outro éter pedes Que essa mão, de esqueléticas falanges, Dentro dessa água que com a vista abranges, Também prova o princípio de Arquimedes!
A fadiga feroz que te esbordoa
Há de deixar-te essa medonha marca, Que, nos corpos inchados de anasarca, Deixam os dedos de qualquer pessoa!
Nem terás no trabalho que tiveste A misericordiosa toalha amiga,
Que afaga os homens doentes de bexiga E enxuga, à noite, as pústulas da peste!
Quando chegar depois a hora tranqüila, Tu serás arrastado, na carreira,
Como um cepo inconsciente de madeira Na evolução orgânica da argila!
Um dia comparado com um milênio Seja, pois, o teu último Evangelho...
É a evolução do novo para o velho E do homogêneo para o heterogêneo!
Adeus! Fica-te aí, com o abdômen largo A apodrecer!... És poeira e embalde vibras! O corvo que comer as tuas fibras
Há de achar nelas um sabor amargo!”