14 DE JANEIRO DE 1862.
DIÓGENES E O CRONISTA – FALTA DE NOTÍCIAS -
PUBLICISTA CASAMENTEIRO – AINDA O SR. CANDIDO
BORGES
Os
atenienses riram-se muito um dia ao ver Diógenes, um doido que
vivia
em um tonel, saíra com uma lanterna na mão, à cata de um
homem.
Era para rir. E aquele povo não deu o cavaco, porque via no
ato do
velho filósofo com visos de desdém pelos contemporâneos.
Rir-se-ão
os Fluminenses se me virem atravessar (perdoa-me, ó
Diógenes!),
não as ruas da cidade, mas os dias da semana, com uma
lanterna
na mão à cata de notícia?
Aqui a
coisa é inteiramente diversa.
Acreditando
que o leitor me procura por desfastio, não ousando
pensar
que inspiro avidez ou curiosidade, acho-me sinceramente
vexado
quando apareço de alforge vazio, e mais vazia a alma, de
com que
entreter os ócios do leitor.
Creio
que faço o meu efeito de um touriste ao voltar do Oriente, sem
uma
nota,sem um desenho, na sua caderneta de viagem. Tão
impossível
parece voltar das regiões do berço do sol, sem uma
impressão,
com o atravessar sete dias sem haver colhido uma notícia
para
comentar.
Pois a
última hipótese não é nenhuma coisa de admitir.
Um
elegante folhetinista dos nossos, achando-se nas mesmas
circunstâncias
que eu, encabeçou o seu escrito hebdomadário com
esta
expressão do gordo Sancho: “Diz-me o que semeaste, dir-te-ei
o que
colherás”. Aproveito a lembrança , e pergunto se alguma coisa
se pode
colher deste terreno que se chamou – a semana passada, -
onde
nada foi semeado?
Eu
podia , é verdade, entreter o leitor com o imortal Romano da mão
queimada,
que jurou aos deuses fundir as repúblicas confinantes ao
sul do
império em uma monarquia e dá-la em presente a um príncipe
da
família imperial, não esquecendo de casá-lo com a Sra. D.
Leopoldina.
O
publicista casamenteiro não é das coisas que menos riso excitam;
pelo
contrário, é divertido a mais não poder.
Já
declarou que não quer ser mordomo do novo rei, nem aspira a ser
senador
no Estado criado por ele próprio; mas já me parece
generosidade
de mais, isto de fazer monarquias pelo simples e
honestíssimo
prazer de ver a realeza aliada à liberdade.
Sou um
pouco audaz nas minhas investigações , e não poucas vezes
tenho
visto que a audácia acaba muitas vezes por dar na cabeça,
bem que
em alguns casos seja uma virtude preciosa.
Assim,
cheguei a pensar que Scoevola queria tirar desta solicitude
pelas
augustas princesas e pelos Estados do Prata as vantagens a
que
visam todos aqueles que só vêem este mundo pelo ponto de
vista
das armarias heráldicas.
A
declaração em contrário de Scoevola em seu último escrito avulta
tanto
como um caracol. Scoevola, pelos modos, pertence a certo
partido
político que não tem sacrificado muito à sinceridade, e tem
como
regra de diplomata que a palavra foi dada ao homem para
esconder
os conceitos e as convicções.
Terá
ele lido no futuro que a forma monárquica há de vir a
estabelecer-se
no Rio da Prata, e quererá desde já mostrar-se o
propugnador
extremoso dessa idéia, que considera a única salvadora
daquelas
repúblicas? A sua vaidade far-lhe-á ver-se desde já vazado
em
bronze a figurar no meio de uma praça do novo reino?
Este
meio de perpetuidade alcança longe e alto demais para supô-lo
no
espírito de Scoevola.
Opto
pela primeira impressão.
Já o
governo fez ver, em comunicado, ao publicista oficioso quanto
têm de
inconvenientes os seus escritos a respeito das repúblicas do
sul.
Realmente não me parece patriotismo de boa índole a
enunciação
de projetos que significam apenas desejos muito
individuais,
e que não respondem à opinião feita do país.
Por não
poucas vezes, o império tem encontrado da parte daqueles
povos
agressões relativamente à política usada com eles, e é
verdade
inconcussa nos Estados do Sul que o império tem pretensão
de
conquistá-los;
Ora a
conquista digna deste século de mútuo respeito entre os povos
é
aquela que resulta de certas identidades e afinidades tão flagrantes
que a
divisão se torna uma anomalia e a união uma necessidade de
vida.
Em tal caso não é conquista, é reparação.
Se
fosse este o caso do império e das repúblicas do sul, ao tempo
caberia
o trabalho da realização.
Não é
de um patriota sincero, como se apregoa aquele, caluniar as
intenções
de seu país como estrangeiro, deixando entrever, ou
antes,
falando resolutamente em uma fundação dinástica que a
ninguém
passou ainda pela cabeça, suponho eu.
Por
outro lado, não me parece muito bonito tomar por pretexto de
invasões
pela terra alheia as augustas princesas, cujos cuidados
versam
ainda entre os estudos próprios de sua educação e as
distrações
próprias da sua idade.
Scoevola tem a boca doce. Pertence a um partido que não
cochila
quando
quer fazer triunfar (sabe o país por que meios) uma
conveniência;
mas ilude-se quando supõe que a opinião argentina há
de
fazer sacrifício da sua independência. Os Vera-Cruzes são raros.
O Sr.
Candido Borges reclama agora a minha atenção.
Veio o
governo em respostas ao dizer do boato, que eu denunciei nos
últimos
Comentários, e declarou o Diário em completa ignorância dos
fatos a
que aludi.
Devo
observar que apenas fui eco de um boato, e que foi com uma
franqueza
e uma singeleza talvez proverbiais que transferi para letra
redonda
o que andava na praça pública, pedindo ao governo uma
explicação
que restabelecesse a verdade.
O comunicante
oficial declarou desconhecer a importância da censura
que
corria pela boca pequena em detrimento do crédito do governo.
Sem
dúvida que não é problema social ou político, não se trata da
questão
da escravidão ou de qualquer outra de máximo alcance; mas
presumo
que a acusação surda ao governo de uma infração da lei
não é
lá tão ínfima assim que mereça escárnio e o pouco caso da
imprensa.
Dizia-se
isto; a imprensa pergunta ao governo se isto é verdade.
Creio
que é a coisa mais curial do mundo.
Explicou-se
o governo, ainda bem. Da explicação se conclui que o
boato
não era tão inteiramente infundado como se quis fazer supor;
houve
de fato uma pequena acumulação, ou antes, pretendeu-se
realizá-la.
O ato
do Sr. Ministro do Império não merece louvor, como bem diz o
comunicante, porquanto, proporcionar a gratificação aos dois
anos e
meio
que servira o lente além dos vinte e cinco da jubilação com
ordenado
somente, quando a lei diz que o que se jubilar aos trinta
anos é
que tem direito à metade da gratificação, seria um sofisma
flagrante
e de fazer arrepiar ao mais desiludido deste mundo.
Felizmente,
segundo diz o comunicante, a decisão do governo, sendo
contrária
ao Sr. Candido Borges, não fez com que este senhor
conselheiro
lhe retirasse a sua amizade.
Suponho
que há nisto motivo para alegrarem-se os ânimos e
expandirem-se
os corações. Este fato não perturbou o remanso e a
paz da
igreja d’Elvas. Ambos conformes, o bispo e o deão,
continuarão a dar e a receber o santo hyssope.
Para
alguma coisa há de servir a amizade política, e ninguém se
lembraria
de pensar que, por uma questão de vinténs, o partido
conservador
sofresse amputação em um de seus membros; e que
membro!
Eloqüente quando fala, e eloqüente quando não fala!