O comendador
Ferreira esteve quase a agarrá-lo pelas orelhas e atirá-lo pela escada abaixo
com um pontapé bem aplicado. Pois não! um biltre, um farroupilha, um pobre
diabo sem eira nem beira, nem ramo de figueira, atrever-se a pedir-lhe a menina
em casamento! Era o que faltava! que ele tivesse durante tantos anos a ajuntar
dinheiro para encher os bolsos a um valdevinos daquela espécie, dando-lhe a
filha ainda por cima, a filha, que era a rapariga mais bonita e mais bem
educada de toda a rua de S. Clemente! Boas!
O comendador Ferreira limitou-se a dar-lhe
uma resposta seca e decisiva, um “Não, meu caro senhor”, capaz de desanimar o
namorado mais decidido ao emprego de todas as astúcias do coração.
O pobre rapaz
saiu atordoado, como se realmente houvesse apanhado o puxão de orelhas e o
pontapé, que felizmente não passaram de tímido projeto.
Na rua,
sentindo-se ao ar livre, cobrou ânimo e disse aos seus botões: — Pois há de ser
minha, custe o que custar! - Voltou-se, e viu numa janela Adosinda, a filha do
comendador, que desesperadamente lhe fazia com a cabeça sinais interrogativos.
Ele estalou nos dentes a unha do polegar, que muito claramente queria dizer :
—
Babau! - e, como eram apenas onze horas, foi dali
direitinho espairecer no Derby-Club. Era domingo e havia corridas.
O comendador
Ferreira, mal o rapaz desceu a escada, foi para o quarto da filha, e surpreendeu-a
a fazer os tais sinais interrogativos. Dizer que ela não apanhou o puxão de
orelhas destinado ao moço, seria faltar à verdade que devo aos pacientes
leitores, apanhou-a, coitadinha e naturalmente, a julgar pelo grito estrídulo
que deu, exagerou a dor física produzida por aquela grosseira manifestação de
cólera paterna.
Seguiu-se um diálogo
terrível:
— Quem é aquele pelintra?
— Chama-se Borges.
— De onde o conhece
você?
— Do Clube
Guanabarense... daquela noite em que papai me
levou...
— Ele em que se emprega?
que faz ele?...
— Faz versos.
— E você não tem
vergonha de gostar de um homem que faz versos?
— Não tenho culpa;
culpado é o meu coração.
—
Este vagabundo algum dia lhe escreveu?
— Escreveu-me uma carta.
— Quem lha trouxe?
—
Ninguém. Ele mesmo atirou-a com uma pedra, por esta janela.
— Que lhe dizia ele
nesta carta?
— Nada que me
ofendesse; queria a minha autorização para pedir-me em casamento.
— Onde está ela?
— Ela quem?
— A carta.
Adosinda, sem dizer uma palavra, tirou a
carta do seio. O comendador abriu-a, leu-a, e guardou-a no bolso. Depois
continuou:
— Você respondeu a isso? A moça gaguejou.
— Não minta!
— Respondi, sim senhor.
— Em que termos?
— Respondi que sim,
que me pedisse.
— Pois olhe:
proíbo-lhe, percebe? pro-í-bo-lhe que de hoje em diante dê trela a esse
peralvilho! Se me constar que ele anda a rondar-me a casa, ou que se
corresponde com você, mando desancar-lhe os ossos pelo Benvindo (Benvindo era o
cozinheiro do comendador Ferreira), e a você, minha sirigaita... a você... Não
lhe diga nada!...