II - Nasce Joffre, seu primeiro filho. O
autor, por ordens médicas, não podia ficar perto do filho. Descobre que
foi premiado com uma úlcera do duodeno. O médico lhe prescreve regime alimentar
e manda que ele pare de tomar café e de fumar, coisa que nunca fez. Depois
de muita luta, em 09 de dezembro de 1942, A mulher sem pecado foi levada à cena
pela "Comédia Brasileira", com direção de Rodolfo Mayer, no Teatro
Carlos Gomes, no Rio de Janeiro. Lá ficou por duas semanas e não teve
repercussão nenhuma perante o público. Alguns críticos e amigos elogiaram, e
isso bastava ao autor.
Em janeiro de 1943 Nelson escreve sua
segunda peça teatral: Vestido de Noiva. Elza, sua mulher, fez mais de
vinte cópias datilografadas para serem entregues a jornalistas, críticos e
amigos. O primeiro a receber foi Manuel Bandeira. Ele gostou. Como outros,
escreveu sobre ela e elogiou. Os jornais e suplementos falavam sobre
Vestido de Noiva mas o autor não conseguia encená-la. Todos diziam que era uma
peça que exigia cenário complexo e teria custo muito alto. Só Thomaz Santa
Rosa, um pernambucano ex-funcionário do Banco do Brasil, cantor lírico, desenhista,
músico e poeta, achou que era possível. Falou então com um polonês
recém-chegado ao Brasil: Zbigniew Ziembinski.
O grande ator e diretor leu a peça e
disse: "Não conheço nada no teatro mundial que se pareça com isso". O
autor conhece o diretor e tem início a epopéia do grupo "Os
Comediantes": oito meses de ensaios, oito horas por dia. Às 20h30 do
dia 28 de dezembro de 1943, os portões foram abertos e 2.205 espectadores viram
a peça. Duas horas depois a peça chegou ao fim. O silêncio foi total na
platéia. Nos bastidores ninguém sabia o que fazer. Ziembinski, entre
palavrões em polonês, manda subir o pano. Os artistas surgem e o aplauso é
ensurdecedor. O diretor aparece e o teatro delira. Alguém grita na
platéia: "O autor, o autor". Nelson estava escondido em um
camarote, lutando contra a dor de sua úlcera, e não foi visto por
ninguém. Disse, depois, que sofreu naquele momento, sentindo-se "um
marginal da própria glória". Quando o autor, após as comemorações com
a família na leiteria "Palmira", pegou o bonde de volta para casa já
eram quase duas da manhã de 29 de dezembro de 1943. Naquele momento
completavam-se catorze anos da morte de seu irmão Roberto.
Apesar da fama que a peça lhe deu — o
ano de 1944 foi cheio de acontecimentos — ele continuava sendo mal pago pelo O
Globo Juvenil. Em fevereiro de 1945 é convidado por David Nasser, de O
Cruzeiro, para uma conversa com Freddy Chateaubriand. Foram almoçar, além
do autor, Freddy Chateaubriand, Millôr Fernandes e David Nasser. A oferta era
inacreditável: cinco contos de réis (já nessa época cinco mil cruzeiros) — mais
de sete vezes o que lhe pagava Roberto Marinho.
Para ele estava fechado, mas pediu para
falar com o dr. Roberto, a quem devia favores. Esse não só não se opôs
como desejou-lhe boa sorte e deu-lhe dez mil cruzeiros. Nelson foi para seu
novo emprego: diretor de redação das revistas Detetive e de O Guri. Como a
função lhe tomava pouco tempo, o autor ficava perambulando pela redação da
revista O Cruzeiro, que era no mesmo andar. Sempre procurando fazer
"bicos" que permitissem um ganho extra — continuava a ajudar sua mãe
financeiramente — soube que Freddy Chateaubriand estava querendo comprar um
folhetim francês ou americano para O Jornal, que estava com uma tiragem de
apenas 3.000 exemplares por dia e sem anúncios. Nelson ofereceu-se para
escrever o folhetim. Daí nasceu Suzana Flag e Meu destino é pecar.
Cada episódio tomava uma página inteira
de O Jornal e tinha uma ilustração de Enrico Bianco. Foram 38 capítulos
que elevaram a tiragem do jornal para quase trinta mil exemplares. Apesar
de estar ganhando um extra por capítulo, o autor não gostava que soubessem que
escrevia com pseudônimo feminino. Quando a história terminou, o sucesso
foi tão grande que foi lançado um livro pelas Edições O Cruzeiro. Calcula-se
que a venda tenha ultrapassado a trezentos mil livros. Isso provocou o começo
de outro folhetim, Escravas do amor, cujo sucesso foi também retumbante.
Em março de 1945 é atacado, novamente,
pela tuberculose. O ano anterior havia sido ótimo: além do lançamento em livro
do Vestido de noiva, ele via seu filho crescer com saúde e Elza esperava um
novo filho. Resolveram ir todos para Campos de Jordão, inclusive a sogra,
d. Concetta. Depois de uma semana viram que aquilo não fazia sentido e a família
retornou. Em junho teve alta e, face à proximidade do parto de sua mulher,
voltou correndo para o Rio. Nasceu, então, Nelsinho. Vale dizer que os
Associados arcaram com todas as despesas de seu empregado no Sanatórinho.
Nos dois últimos meses de 1945 e nos dois
primeiros meses de 1946 o grupo "Os Comediantes" encenou Vestido de
noiva e A mulher sem pecado no Teatro Phoenix, com lotação esgotada. Começa a
escrever, então, Álbum de família. Em fevereiro de 1946 o texto é submetido à
censura federal e os censores ficam de cabelos em pé. A peça foi proibida de
ser encenada. As opiniões se dividiam entre os intelectuais, os críticos e
os jornalistas da época, uns a favor da liberação outros contra. Venceram
os contra, pois a peça só foi liberada em 1965 e levada pela primeira vez em
julho de 1967.
Outro sucesso de 1946 foi a publicação
de Minha Vida, uma "autobiografia" de Suzana Flag. Como das vezes
anteriores, além de publicada em O Jornal, virou livro e vendeu horrores.
Anjo negro, estréia em abril de
1948. Como sempre, gerou comentários polêmicos. Os ganhos com a peça
permitiram que o autor comprasse uma casa no Andaraí, que teve parte financiada
no IAPC (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários). Nelson tinha
36 anos e ficara livre do aluguel. Senhora dos afogados é proibida em
janeiro de 1948. Com duas peças interditadas, o autor luta como um mouro
para tentar liberá-las. Não conseguindo, escreve Dorotéia, em 1949, que
muitos consideram seu melhor trabalho teatral.
Ainda em 1948 é publicado mais um folhetim,
Núpcias de fogo, ainda como Suzana Flag.
Uma mulher chama a atenção do autor nas
coxias do Teatro Phoenix, quando da encenação de Anjo negro: era Eleonor Bruno,
conhecida como Nonoca, linda "mingnonne", tímida, recatada e soprano
lírico, que estava ali para tomar conta de sua filha de apenas 13 anos, Nicete,
que estreava como atriz. Embora nunca reclamasse, seu casamento não ia bem, e
ele foi aceito por Nonoca e por toda sua família. Alugou um apartamento
pequeno em Copacabana, em sociedade com o amigo Pompeu de Souza, para
servir-lhes de "garçonnière", até que num dia de 1950 sua esposa Elza
bateu na porta, fez um escândalo e ele voltou com o rabo entre as pernas para
casa. Seu romance com Nonoca terminou ali.
Em 1949 Freddy Chateaubriand vai comandar
o jornal "Diário da Noite" e leva Nelson consigo. Para trás fica
Suzana Flag, que o autor não agüentava mais. Em seu lugar surgiu Myrna, a nova
máscara feminina do biografado. A diferença é que Myrna respondia a cartas
de leitoras.
Nelson escreveu a comédia Dorotéia para
Nonoca. Foram duas as estréias como atrizes: de Nonoca e da irmã do autor,
Dulcinha, aos 21 anos, no papel de Das Dores. Com medo de que a censura o
atingisse novamente, o autor submeteu-lhe o texto como sendo um "original
de Walter Paíno" — cunhado de Nonoca. A peça foi aprovada e estreou
no dia 07 de março de 1950. Ao fim da apresentação, metade da platéia (onde
estavam os convidados) aplaudiu e a outra saiu calada. Ficou 13 dias
em cartaz.
Em 1950 o autor dá adeus a Freddy
Chateaubriand e aos "Diários Associados" e fica esperando convites de
outros jornais. Ficou um ano esperando... Nesse período, salvam a família
as economias de Elza e um "bico" no Jornal dos Sportes de seu irmão
Mário Filho. No ano seguinte sai do buraco e vai para a Última Hora e "A
vida como ela é...". Começou com um salário de dez mil cruzeiros,
considerado não tão ruim, tendo em vista seu baixíssimo prestígio naquela
época.
Em junho Nelson estréia uma nova peça,
"Valsa nº. 6", um monólogo estrelado por sua irmã Dulcinha. Ficou
quatro meses em cartaz e foi outra desilusão para seu autor.
Samuel Wainer, dono do jornal Última
Hora tinha algo em comum com o biografado: a tuberculose. Propõe ao autor
que escreva, com pagamento extra, uma coluna diária sobre um fato real. Poderia
se chamar "Atire a primeira pedra". Nelson sugeriu "A vida
como ela é..." e, sugestão aceita, foi para a máquina escrever a primeira
coluna. O sucesso foi estrondoso. Em 1951 relançou Suzana Flag em "O homem
proibido".
Um dia, na rua Agostinho Menezes, onde
então Nelson morava, um marido banana que era chutado como um cão pela esposa e
ainda a bajulava, cansou-se do tratamento que vinha recebendo e, no meio da
rua, deu uma sova de cinto na cara-metade. É claro que a vizinhança correu para
ver o fato, sendo que as mulheres gritavam: "Bate mais, bate
mais". O marido bateu até se cansar, parou, e então o inesperado
aconteceu: a mulher atirou-se aos seus pés, aos beijos. E, desde aquele
dia, passou a desfilar com o ex-banana, de braço dado e nariz empinado, toda
orgulhosa. Ao ouvir os comentários das vizinhas que tinham apoiado
maciçamente a surra, Nelson concluiu: "Toda mulher gosta de apanhar".
Em 08 de junho de 1953 estréia no Teatro
Municipal do Rio a peça "A falecida". Chamada de "tragédia
carioca" era, na verdade, uma comédia. Foi escrita em 26 dias. Nessa época
Nelson mantinha um romance com Yolanda, secretária de um radialista da rádio
Mayrink Veiga. Esse caso durou cinco anos e rendeu três filhos: Maria Lúcia,
Sônia e Paulo César, que ele não reconheceu como seus. Com tudo isso
acontecendo, o autor produziu o último folhetim de "Suzana Flag", que
chamou-se "A mentira" e foi publicado no semanário "Flan",
lançado por S. Wainer.
Carlos Lacerda queria derrubar o
presidente Getúlio e, para tanto, batia firme em Samuel Wainer e no jornal
Última Hora. Nelson não escapava da pancadaria e era chamado de
"tarado" por ele. Outro que também o atacava era o católico Gustavo
Corção, da Tribuna da Imprensa.
"Senhora dos Afogados" é
encenada no Rio, em 1954, com direção de Bibi Ferreira. A platéia, ao final,
dividiu-se e uma parte gritava "GÊNIO" e a outra "TARADO".
O autor não agüentou e reagiu à platéia, gritando do palco: "BURROS!
BURROS!".
Em março de 1955 a família Rodrigues
ganha uma ação contra o governo de indenização pela destruição do jornal
"Crítica". Em 1956 recebem o equivalente a
US$1.800.000,00. A parte que coube ao autor foi utilizada na compra de um
apartamento em Teresópolis em nome dos filhos e de um carro para Elza. O
que sobrou, investiu no teatro.
"Perdoa-me por me traíres"
teve, também, problemas de liberação com a censura, em 1957 — sofreu cortes.
Outra surpresa ocorreu na estréia: Nelson interpretava o personagem Raul. Mais
uma vez as vaias e os que aplaudiam pediam para o autor falar. Ele não se
fez de rogado: "BURROS! ZEBUS!". Ninguém esperava, mas
aconteceu: um tiro! Na discussão entre prós e contras, o vereador Wilson Leite
Passos sacou de seu revolver e deu um tiro para amedrontar alguém que o havia
chamado de "palhaço". Tumulto geral. No dia seguinte a
censura proibiria a peça.
"Viúva, porém honesta" estreou
em 13 de setembro do mesmo ano. Dizem que nela o autor procurava atingir aos
críticos que atacaram "Perdoa-me por me traíres". Um dos atores era
Jece Valadão, cunhado do autor.
Dercy Gonçalves estréia
"Dorotéia" em São Paulo. Ficou um mês em cartaz. Nelson não gostava
dos "cacos" que a atriz introduzia no texto.
Em 1958 estréia "Os sete
gatinhos", também com Jece Valadão no elenco. Apesar de malhar o
presidente da República da época, Juscelino Kubitschek, Nelson vai até ele
pedir um emprego. Consegue um cargo de tesoureiro em um instituto de
aposentadoria e pensões (IAPETEC), mas é reprovado no exame de
vista. Pede, então, a vaga para Elza. Juscelino queria agradar Mário
Filho e a nomeia.
O autor teve sério problema de vesícula
e, após a operação de alto risco, ficou três meses sem publicar sua coluna no
jornal de Wainer. Sua coluna em "A Manchete Esportiva" deixa de ser
publicada de novembro de 1958 a março de 1959.
De agosto de 1959 a fevereiro de 1960,
centenas de milhares de leitores acompanharam a história de Engraçadinha e sua
família em "Asfalto Selvagem". Foram publicados dois livros,
intitulados "Engraçadinha — seus amores e seus pecados dos doze aos dezoito"
e "Engraçadinha — depois dos trinta".
O autor almoçava com sua mãe quase todo
dia. Tomava o ônibus na Central do Brasil e ia até o Parque Guinle. Um dos
motoristas gostava de exibir-se: tinha vinte e sete dentes na boca, mas eram
todos de ouro. Nelson juntou esse fato ao bicheiro do submundo carioca,
Arlindo Pimenta, e dai surgiu o "Boca de Ouro"
A peça, como todas as demais, teve
problemas com a censura. Foi levada para estrear em São Paulo e foi um
retumbante fracasso. Ziembinski insistiu em viver o papel principal e não
deu certo. Em janeiro de 1961, com Milton Morais no papel do "Boca de
Ouro", estréia no Rio com grande sucesso.
Ainda no final de 1960 o autor entrega a
Fernanda Montenegro e a seu marido Fernando Tôrres a peça "Beijo no
asfalto". O espetáculo estava a um mês e meio em cartaz quando Jânio
Quadros renunciou à presidência da República. Ficou sete meses em cartaz,
pelo Brasil. Ela provocou a saída de Nelson da "Ultima Hora", pois
nela fazia referências pouco positivas à imagem do jornal. Voltou ao
"Diário da Noite" com "A vida como ela é" e, após dez
meses, em julho de 1962, foi para "O Globo", com a coluna de futebol,
"À sombra das chuteiras imortais".
Apresentado por sua irmã Helena, Nelson
conhece Lúcia Cruz Lima, que logo passa a ser sua namorada. Só que desta
vez a coisa era séria. Casada e bem casada, mãe de três filhos, ela logo se
apaixona, deixa o marido e volta a viver com os pais. Ele demora dois anos
para se separar de Elza. Seus amigos Otto Lara Resende, Fernando Sabino e
Cláudio Mello e Souza ficam chocados. Nos primeiros meses de 1963 nada
impedia a separação do autor. Já havia alugado um pequeno apartamento e Lúcia
estava grávida. Após um almoço de despedida, após o qual Elza tentou
suicidar-se, ele partiu de malas e bagagens para o apartamento de sua
mãe. Ia ficar lá uns tempos até acertar tudo.
Na marquise do Teatro Maison de France,
no Rio, piscava o título da nova peça de Nelson: "Otto Lara Resende ou
Bonitinha, mas ordinária". Otto quase morreu de susto e ficou
profundamente irritado. Ela ficou por cinco meses em cartaz. O autor só não se
conformou de Otto não ter ido assistir ao espetáculo. Ele adorava essas
brincadeiras e fez o mesmo com Fernando Sabino e com Cláudio Mello e Souza.
Lúcia deu um trato na aparência do
escritor, já que ele participava desde 1960 do programa esportivo "Grande
resenha Facit" na TV Rio, por obra e graça de Walter Clark, e era,
portanto, um artista! Ela teve uma gravidez nada normal e um parto
difícil. Daniela, a filha, nasceu com 1,5 quilo, e não conseguia respirar.
Perdeu minutos de oxigenação no cérebro até que conseguissem fazer seus pulmões
funcionarem. Daniela passaria o primeiro ano de sua vida numa tenda de
oxigênio, tinha má circulação nas pernas, chorava sem parar em virtude das
dores que sentia. Devido à paralisia cerebral nunca conseguiu andar ou
articular um movimento e era irreversivelmente cega.
Nelson escreveu para Walter Clark a
primeira novela brasileira de todos os tempos: "A morte sem
espelho". Apesar do grande elenco — Fernanda Montenegro, Fernando
Tôrres, Sérgio Brito (que também respondida pela direção), Ítalo Rossi, Paulo
Gracindo (que estreava na TV), música de Vinícius de Moraes — não foi
autorizada a sua apresentação às oito e meia da noite. Foi empurrada para
o horário das vinte e três e trinta. Walter Clark apelou, sem sucesso, até para
D. Helder Câmara. Conseguiu, finalmente, autorização para o horário das
dez horas, que não compensava financeiramente. Nelson foi convidado a
encerrá-la rapidamente.
Ficou claro nesse episódio que o
problema era o nome do autor. Na sua novela seguinte, "Sonho de
Amor", em 1964, seu nome apareceu mas ela foi anunciada como 'uma
adaptação de "O Tronco do Ipê"', de José de Alencar". Sua última
novela para a TV foi "O Desconhecido", com direção de Fernando Tôrres
e Jece Valadão, Nathalia Timberg, Carlos Alberto, Joana Fomm e outros mais, que
só foi liberada graças ao poder de convencimento de Walter Clark.
Depois de ser renegada por muitas
atrizes, "Toda nudez será castigada" estréia no dia 21 de junho de
1965 e é um sucesso. Os artistas são aplaudidos em cena aberta, os
ingressos são avidamente disputados e fica em cartaz por seis meses no
Teatro Serrador e em excursão pelo Brasil. Após três anos de apresentações no
Rio, São Paulo, Porto Alegre e Salvador, a peça é proibida em Natal - RN.
Em 1966 o autor muda-se, a convite de
Walter Clark, para a TV Globo. Em situação financeira apertada — como sempre —
aceitou até aparecer como "tradutor" dos romances de Harold Robins,
publicados pela Editora Guanabara. Foi uma forma de receber mais algum
dinheiro. A TV Globo era a "lanterna" na preferência dos
telespectadores naquela época. No programa "Noite de gala" o
autor apresentava o quadro "A cabra vadia", onde entrevistava pessoas.
O primeiro foi João Havelange, presidente da CBD - Confederação Brasileira de
Desportos.
Nessa época é chamado por Carlos
Lacerda, ocasião em que é informado da criação da Editora Nova
Fronteira. Lacerda, que o malhou por tanto tempo, pediu-lhe um romance e
deu-lhe um cheque de dois milhões de cruzeiros. Era algo em torno de
novecentos dólares, mas para quem estava pendurado, foi ótimo. Ele
escreveu "O Casamento". Quando Lacerda leu o livro, ficou
assustadíssimo Era um carnaval de incestos e perversões às vésperas de um
casamento. Vendeu-o para Alfredo Machado, da Editora Eldorado. O
livro vendeu 8.000 exemplares nas primeiras duas semanas de setembro de 1966,
empatando com as vendas do novo romance de Jorge Amado, "Dona Flor e seus
dois maridos". A morte de seu irmão, Mário Filho, impediu por algum tempo
que ele fizesse a divulgação da obra. Quando reanimou, o livro teve sua
venda proibida pelo ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva. Sua venda foi
liberada novamente em fevereiro de 1967.
Indignado com o apoio dado pelo jornal
"O Globo" à proibição da venda de seu romance, Nelson começa a
estudar sua mudança para o "Correio da Manhã". Avisa que
não pode deixar a TV Globo e, para sua alegria, é informado que não precisaria
deixar nem o jornal "O Globo". O que o "Correio"
queria dele eram as suas "Memórias". A estréia ocorreu em 18 de
fevereiro de 1967 em grande estilo. Fez um sucesso enorme.
Paulinho Rodrigues, irmão do autor,
morava com a família num prédio em Laranjeiras. Chovia a cântaros, dias
antes, e Nelson disse a Cláudio Mello e Souza no Maracanã, assistindo o
time do Santos ganhar do Milan: "Esse é um mau tempo de quinto ato do
"Rigoletto'". Cláudio sabia que o "Rigoletto" não tinha
quinto ato e que acabava no terceiro ato, como a maioria das óperas. Mas entendeu
o que o autor queria dizer. No dia 21 de fevereiro de 1967 o prédio onde
seu irmão morava desabou devido às chuvas. Morreram Paulinho, a esposa,
filhos e mais alguns parentes que lá se encontravam para festejar o aniversário
da cunhada do escritor. Em dezembro desse mesmo ano a viúva de seu irmão
Mário se suicida.
Raphael de Almeida Magalhães, que já
atuara como advogado de Nelson, é eleito governador do Estado da
Guanabara. A pedido de Otto, e por insistência do biografado, finalmente
libera "Álbum de Família", que estava interditada desde 1946. Só em
julho de 1967 foi levada à cena e, apesar do carrossel de incestos, foi
aplaudida no final. Já não tinha o impacto de tempos atrás.
Ele volta ao jornal "O Globo"
passa a publicar "À sombra das chuteiras imortais" e "As
confissões" (já que não podia usar "Memórias"), cada uma
patrocinada por um banco. Como recebia uma comissão por esses patrocínios (mais
que o dobro de seu salário), estabilizou sua situação financeira. A primeira
"Confissão" foi publicada em 04 de dezembro de 1967.
Uma de suas manias era implicar com os
pessoas conhecidas e com amigos. Era do seu estilo alimentar-se
periodicamente de certas obsessões. Como dizia Cláudio Mello e Souza,
Nelson era a "flor de obsessão". Ora Otto, ora Alceu de Amoroso
Lima, ora D. Helder, ora Hélio Pellegrino, ora Cláudio Mello e Souza e quem
mais estivesse por perto.
1970 marca o início dos anos duros da
ditadura militar no Brasil. Nelson, conhecido e admirado pelos militares, luta
para tirar da prisão Hélio Pellegrino e Zuenir Ventura. Com mais de 57
anos, ele se sentia desgastado, sem espaço — seu apartamento vivia lotado de
enfermeiras por causa de sua filha, enfim, era chegada a hora de se separar de
Lúcia, o que ocorreu sem traumas.
Logo em seguida vai morar com Helena
Maria, que era 35 anos mais nova que ele, e que trabalhava com ele no
jornal. Em 1972 começa nova luta: seu filho, Nelsinho é um dos terroristas
mais procurados pelas forças armadas. "Prancha" (seu codinome)
foi apanhado em 30 de março de 1972. Dois anos antes, quando seu filho já
vivia na clandestinidade, Nelson consegue com o presidente da República, Gal.
Medici, que ele saísse do país. Nelsinho não aceita o privilégio. O
drama de Nelsinho se desenrolava longe dos olhos do autor. Apesar disso,
face a seu prestígio e contatos com os militares, era muito procurado para
ajudar pessoas em apuros com o regime militar. De 1969 a 1973 ele teve
participação ativa na localização, libertação ou fuga de diversos suspeitos de
crimes políticos. Após a prisão de Nelsinho, começa a luta para localizá-lo e
procurar mantê-lo vivo, pois a tortura corria solta.
Nelson escreve "Anti-Nelson
Rodrigues" no final de 1973. Em 1974, a peça fazia bela carreira no
teatro do Serviço Nacional do Teatro. O autor faz alguns exames e é levado
de imediato para São Paulo para ser operado de um aneurisma da
aorta. Passou por duas operações, quase morreu, retornou ao Rio e, apesar
de terminantemente proibido pelo médico, voltou a fumar. Em abril de 1977 é
internado com uma arritmia ventricular grave e nova insuficiência
respiratória. Elza volta para casa e voltam a viver juntos. Na
verdade, já se encontravam há tempos quase todas as noites no restaurante
"O bigode do meu tio", em Vila Isabel, de propriedade de Joffre.
O autor escreveu sua grande e última
peça — "A Serpente" — em meados de 1979, pouco antes de seu filho
Nelsinho iniciar greve de fome com treze companheiros, os últimos presos
políticos cariocas, com a finalidade de transformar a anistia ampla em anistia
total e irrestrita. Finalmente, no dia 23 de agosto, dia do aniversário do
autor, Nelsinho é autorizado a deixar a prisão e assistir ao nascimento da
filha Cristiana. No dia 16 de outubro Nelsinho recebeu a liberdade condicional
mas não pode ver seu pai: estava inconsciente no hospital Pró-Cardiaco.
Nelson Rodrigues faleceu na manhã do dia
21 de dezembro de 1980, um domingo. No fim da tarde daquele dia ele faria treze
pontos na loteria esportiva, num "bolo" com seu irmão Augusto e
alguns amigos de "O Globo". Dois meses depois, Elza cumpriu o
seu pedido — de, ainda em vida, gravar o seu nome ao lado do dele na lápide,
sob a inscrição: "Unidos para além da vida e da morte. É só".
Livros:
Romances:
- Meu destino é pecar,"O
Jornal" - 1944 / "Edições O Cruzeiro" - 1944 (como "Suzana
Flag")
- Escravas do amor, "O Jornal"
- 1944 / "Edições O Cruzeiro" - 1946 (como "Suzana Flag")
- Minha vida, "O Jornal" -
1946 / "Edições O Cruzeiro" - 1946 (como "Suzana Flag")
- Núpcias de fogo, "O Jornal"
- 1948. Inédito em livro. (como "Suzana Flag")
- A mulher que amou demais, "Diário
da Noite" - 1949. Inédito em livro. (Como Myrna)
- O homem proibido, "Última
Hora" - 1951. "Editora Nova Fronteira", Rio, 1981 (como
Suzana Flag).
- A mentira, "Flan" - 1953.
Inédito em livro. (Como Suzana Flag).
- Asfalto selvagem, "Ultima
Hora" - 1959-60. J.Ozon Editor, Rio, 1960. Dois volumes. (Como Nelson
Rodrigues)
- O casamento, Editora Guanabara, Rio,
1966 (como Nelson Rodrigues).
- Asfalto selvagem - Engraçadinha: seus
amores e pecados, "Companhia das Letras", São Paulo.
- Núpcias de fogo, "Companhia das
Letras", São Paulo. (como Suzana Flag).
Contos:
- Cem contos escolhidos - A vida como
ela é..., J. Ozon Editor, Rio, 1961. Dois volumes.
- Elas gostam de apanhar, "Bloch
Editores", Rio, 1974.
- A vida como ela é — O homem fiel e
outros contos, "Companhia das Letras", São Paulo, 1992. Seleção: Ruy
Castro.
- A dama do lotação e outros contos e
crônicas, "Companhia das Letras", São Paulo.
- A coroa de orquídeas, "Companhia
das Letras", São Paulo.
Crônicas:
- Memórias de Nelson Rodrigues,
"Correio da Manhã" / "Edições Correio da Manhã", Rio, 1967.
- O óbvio ululante, "O Globo"
/ "Editora Eldorado", Rio, 1968.
- A cabra vadia, "O Globo" /
"Editora Eldorado", Rio, 1970.
- O reacionário, "Correio da
Manhã" e "O Globo" / "Editora Record", Rio, 1977.
- O óbvio ululante — Primeiras
confissões, "Companhia das Letras", São Paulo, 1993. Seleção: Ruy
Castro.
- O remador de Ben-Hur - Confissões
culturais, "Companhia das Letras", São Paulo.
- A cabra vadia - Novas confissões,
"Companhia das Letras", São Paulo.
- O reacionário - Memórias e Confissões,
"Companhia das Letras", São Paulo.
- A pátria sem chuteiras - Novas
crônicas de futebol, "Companhia das Letras", São Paulo.
- A menina sem estrela - Memórias,
"Companhia das Letras", São Paulo.
- À sombra das chuteiras imortais -
Crônicas de Futebol, "Companhia das Letras", São Paulo.
- A mulher do próximo, "Companhia
das Letras", São Paulo.
FRASES:
- Flor de obsessão: as 1000 melhores
frases de Nelson Rodrigues, "Companhia das Letras", São Paulo, 1997,
seleção e organização: Ruy Castro.
Teatro:
- Teatro completo, "Editora Nova
Fronteira", Rio, 1981-89. Quatro volumes. Organização e prefácios de
Sábato Magaldi.
Peças:
- A mulher sem pecado, 1941 - Direção
Rodolfo Mayer
- Vestido de noiva, 1943 - Direção:
Ziembinski
- Álbum de família, 1946 - Direção:
Kleber Santos
- Anjo negro, 1947 - Direção:
Ziembinski
- Senhora dos afogados, 1947 - Direção:
Bibi Ferreira
- Dorotéia, 1949 - Direção: Ziembinski
- Valsa nº.6, 1951 - Direção: Henriette
Morineau
- A falecida, 1953 - Direção: José Maria
Monteiro
- Perdoa-me por me traíres, 1957 -
Direção: Léo Júsi.
- Viúva, porém honesta, 1957 - Direção:
Willy Keller
- Os sete gatinhos, 1958 - Direção:
Willy Keller
- Boca de Ouro, 1959 - Direção: José
Renato.
- Beijo no asfalto, 1960 - Direção:
Fernando Tôrres.
- Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas
ordinária, 1962 - Direção Martim Gonçalves.
- Toda nudez será castigada, 1965 -
Direção: Ziembinski
- Anti-Nelson Rodrigues, 1973 - Direção:
Paulo César Pereio
- A serpente, 1978 - Direção: Marcos
Flaksman
Obs.- as peças de Nelson Rodrigues vêm
sendo encenadas por diversas companhias teatrais em todo o Brasil até esta
data.
Novelas de TV:
- A morta no espelho, TV Rio, 1963
- Sonho de amor, TV Rio, 1964
- O desconhecido, TV Rio, 1964
FILMES:
- Somos dois, 1950
- Meu destino é pecar, 1952
- Mulheres e milhões, 1961
- Boca de Ouro, 1962
- Meu nome é Pelé, 1963
- Bonitinha, mas ordinária, 1963
- Asfalto selvagem, 1964
- A falecida, 1965
- O beijo, 1966
- Engraçadinha depois dos trinta, 1966
- Toda nudez será castigada, 1973
- O casamento, 1975
- A dama do lotação, 1978
- Os sete gatinhos, 1980
- O beijo no asfalto, 1980
- Bonitinha, mas ordinária, 1980
- Álbum de família, 1981
- Engraçadinha, 1981
- Perdoa-me por me traíres, 1983
- Boca de Ouro, 1990.
Sobre o Autor:
- O teatro de Nelson Rodrigues: uma
realidade em agonia, Ronaldo Lima Lins, Editora Francisco Alves/MEC, Rio, 1979.
- O teatro brasileiro moderno, Décio de
Almeida Prado, Editora Perspectiva/USP, São Paulo, 1988.
- Nelson Rodrigues - Dramaturgia e
Encenações, Sabato Magaldi, Editora Perspectiva/USP, São Paulo, 1987.
- Nelson Rodrigues - Expressionista,
Eudinir Fraga, Ed. Atelier, S.Paulo.
- Nelson Rodrigues, meu irmão, Stella
Rodrigues, José Olympio Editora, Rio, 1986.
- Nelson Rodrigues: Flor de Obsessão,
Carlos Vogt e Berta Waldman, Editora Brasiliense, São Paulo, 1985.
- Amor em segredo - As histórias infiéis
que vivi com meu pai, Nelson Rodrigues, Sônia Rodrigues, Editora Agir, Rio de Janeiro,
2005.
Os dados acima foram extraídos de sites
na internet, livros do autor e, em especial, do livro "Anjo
Pornográfico", escrito por Ruy Castro para a Companhia das Letras, São
Paulo, 1992, cuja leitura recomendamos.