sexta-feira, 3 de março de 2023

Contos do Sábado na Usina: Artur Azevedo: A FILHA DO PATRÃO A Arthur de Mendonça I:

 


O comendador Ferreira esteve quase a agarrá-lo pelas orelhas e atirá-lo pela escada abaixo com um pontapé bem aplicado. Pois não! um biltre, um farroupilha, um pobre diabo sem eira nem beira, nem ramo de figueira, atrever-se a pedir-lhe a menina em casamento! Era o que faltava! que ele tivesse durante tantos anos a ajuntar dinheiro para encher os bolsos a um valdevinos daquela espécie, dando-lhe a filha ainda por cima, a filha, que era a rapariga mais bonita e mais bem educada de toda a rua de S. Clemente! Boas!

O comendador Ferreira limitou-se a dar-lhe uma resposta seca e decisiva, um “Não, meu caro senhor”, capaz de desanimar o namorado mais decidido ao emprego de todas as astúcias do coração.

O pobre rapaz saiu atordoado, como se realmente houvesse apanhado o puxão de orelhas e o pontapé, que felizmente não passaram de tímido projeto.

Na rua, sentindo-se ao ar livre, cobrou ânimo e disse aos seus botões: — Pois há de ser minha, custe o que custar! - Voltou-se, e viu numa janela Adosinda, a filha do comendador, que desesperadamente lhe fazia com a cabeça sinais interrogativos. Ele estalou nos dentes a unha do polegar, que muito claramente queria dizer :

  Babau! - e, como eram apenas onze horas, foi dali direitinho espairecer no Derby-Club. Era domingo e havia corridas.

O comendador Ferreira, mal o rapaz desceu a escada, foi para o quarto da filha, e surpreendeu-a a fazer os tais sinais interrogativos. Dizer que ela não apanhou o puxão de orelhas destinado ao moço, seria faltar à verdade que devo aos pacientes leitores, apanhou-a, coitadinha e naturalmente, a julgar pelo grito estrídulo que deu, exagerou a dor física produzida por aquela grosseira manifestação de cólera paterna.

Seguiu-se um diálogo terrível:

  Quem é aquele pelintra?

  Chama-se Borges.

  De onde o conhece você?

  Do Clube Guanabarense... daquela noite em que papai me levou...

  Ele em que se emprega? que faz ele?...

  Faz versos.

  E você não tem vergonha de gostar de um homem que faz versos?

  Não tenho culpa; culpado é o meu coração.

  Este vagabundo algum dia lhe escreveu?

  Escreveu-me uma carta.

  Quem lha trouxe?

  Ninguém. Ele mesmo atirou-a com uma pedra, por esta janela.

  Que lhe dizia ele nesta carta?

  Nada que me ofendesse; queria a minha autorização para pedir-me em casamento.

  Onde está ela?

  Ela quem?

  A carta.

Adosinda, sem dizer uma palavra, tirou a carta do seio. O comendador abriu-a, leu-a, e guardou-a no bolso. Depois continuou:

  Você respondeu a isso? A moça gaguejou.

  Não minta!

  Respondi, sim senhor.

  Em que termos?

  Respondi que sim, que me pedisse.

  Pois olhe: proíbo-lhe, percebe? pro-í-bo-lhe que de hoje em diante dê trela a esse peralvilho! Se me constar que ele anda a rondar-me a casa, ou que se corresponde com você, mando desancar-lhe os ossos pelo Benvindo (Benvindo era o cozinheiro do comendador Ferreira), e a você, minha sirigaita... a você... Não lhe diga nada!...