quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Poesia De Quinta Na Usina: D'Araújo: Amazônia:




 Enfileirados em busca de harmonia e equilíbrio
Ouvimos os inevitáveis gritos
Que ecoam da nossa imensa floresta
Tentando salvar o que lhe resta de esperança
Da eterna dança da alma do mundo.

Sendo consumida pelas chamas
Da hipocrisia nossa de cada dia.
Onde a cultura do destruir é mais valiosa
Do que o plantar de um novo sonho.

E entre lágrimas e sussurros de dor
Da incapacidade de renascer a cada dia
Só lhe resta a imensa agonia
Do ronco dos motores
A alastrar as dores da devastação.

Ao som das canções dos ventos,
Esperamos novamente um momento
Em que nos traga a paz de nascer, crescer e morrer
Apenas com a ação do inevitável tempo.



Conteúdo do livro "O Grito"


Poesia De Quinta Na Usina :Machado de Assis: NOIVADO:




Vês, querida, o horizonte ardendo em chamas?
Além desses outeiros
Vai descambando o sol, e à terra envia
Os raios derradeiros;
A tarde, como noiva que enrubesce,
Traz no rosto um véu mole e transparente;
No fundo azul a estrela do poente
Já tímida aparece.
Como um bafo suavíssimo da noite,
Vem sussurrando o vento,
As árvores agita e imprime às folhas
O beijo sonolento.
A flor ajeita o cálix: cedo espera
O orvalho, e entanto exala o doce aroma;
Do leito do oriente a noite assoma;
Como uma sombra austera.
Vem tu, agora, ó filha de meus sonhos,
Vem, minha flor querida;
Vem contemplar o céu, página santa
Que amor a ler convida;
Da tua solidão rompe as cadeias;
Desce do teu sombrio e mudo asilo;
Encontrarás aqui o amor tranqüilo...
Que esperas? que receias?
Olha o templo de Deus, pomposo e grande;
Lá do horizonte oposto
A lua, como lâmpada, já surge
A alumiar teu rosto;
Os círios vão arder no altar sagrado,
Estrelinhas do céu que um anjo acende;
Olha como de bálsamos rescende
A c'roa do noivado.
Irão buscar-te em meio do caminho
As minhas esperanças;
E voltarão contigo, entrelaçadas
Nas tuas longas tranças;
No entanto eu preparei teu leito à sombra
Do limoeiro em flor; colhi contente
Folhas com que alastrei o solo ardente
De verde e mole alfombra.
Pelas ondas do tempo arrebatados,
Até à morte iremos,
Soltos ao longo do baixel da vida
Os esquecidos remos.
Firmes, entre o fragor da tempestade,
Gozaremos o bem que amor encerra,
Passaremos assim do sol da terra

Ao sol da eternidade.




Texto-fonte: Falenas:
Obra Completa, Machado de Assis, vol. II,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Publicado originalmente no Rio de Janeiro, por B.-L. Garnier, em 1870.

Poesia De Quinta Na Usina: Fernando Pessoa: Melhor Destino.




Melhor destino que o de conhecer-se
Não frui quem mente frui. Antes, sabendo,
Ser nada, que ignorando:
Nada dentro de nada.
Se não houver em mim poder que vença
As Parcas três e as moles do futuro,
Já me dêem os deuses o poder de sabê-lo;
E a beleza, incriável por meu sestro,
Eu goze externa e dada, repetida
Em meus passivos olhos,

Lagos que a morte seca.

Poesia De Quinta Na Usina: Machado de Assis: MUNDO INTERIOR:



Ouço que a Natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.
Ouço que a natureza, — a natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.
E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,
Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,

Um segredo que atrai, que desafia — e dorme.

Poesia De Quinta Na Usina:D'Araújo: Não mais...:


Estando eu vivo meus olhos veem,
Então paro, penso, reflito e sinto.

Ando, corro, canso, sento,
Vejo, paro, penso, reflito e sinto.

Deito, durmo sonho, acordo,
Vejo, paro, penso, reflito e sinto.

E com o tempo se esvaindo por entre os dedos da insensatez.
Envelheço, esmoreço morro,
Não mais vejo,
Não mais paro,
Não mais penso,
Não mais reflito,
Não mais sinto,

Não mais...

Conteúdo do Livro: Covas Rasas.
Editora: www.perse.com.br

Poesia De Quinta Na Usina: Augusto dos Anjos: O DEUS-VERME:



Fator universal do transformismo. Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria, Verme -- é o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo Em sua diária ocupação funérea,
E vive em contubérnio com a bactéria, Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras, Janta hidrópicos, rói vísceras magras E dos defuntos novos incha a mão...

Ah! Para ele é que a carne podre fica, E no inventário da matéria rica

Cabe aos seus filhos a maior porção!

Poesia De Quinta Na Usina: D'Araujo: Ser só:


Curando a solidão do amar eterno,
neste inferno dos meus pensamento não lúcidos,
entre o absurdo e a gloria do ser só.