quarta-feira, 8 de julho de 2020

Poesia de Quinta na Usina: TROVAS BURLESCAS: SAUDADES DO ESCRAVO:


Escravo—não, não morri

Nos ferros da escravidão;

Lá nos palmares vivi,

Tenho livre o coração!

Nas minhas carnes rasgadas,

Nas faces ensangüentadas

Sinto as torturas de cá;

Deste corpo desgraçado

Meu espirito soltado

Não partiu—ficou-me lá!...




Poesia de Quinta na Usina: PRIMEIRAS TROVAS BURLESCAS DE GETULINO:


Se de hum quadrado

Fizer hum ôvo

N'isso dou provas

De escriptor novo.

Sobre as abas sentado do Parnaso,

Pois que subir não pude ao alto cume,

Qual pobre, de hum Mosteiro á Portaria,

De trovas fabriquei este volume.

Vasias de saber, e de prosapia,

Não tractam de-Ariosto ou Lamartine

Nem recendem as ternas ambrosias

De Marsyas, Lamiras e Aritine.

Sam rithmas de tarello, atropeladas,

Sem metro, sem cadência e sem bitola,

Que formam no papel um ziguezague,

Como os passos de rengo manquitóla.

Grosseiras producções d'inculta mente,

Em horas de pachorra construídas;

Mas filhas de hum bestunto que não rende

Torpe lisonja ás almas fementidas.


Poesia de Quinta na Usina: Augusto dos Anjos: VÊNUS MORTA:





A Via-Sacra Azul do amor primeiro Veste hoje o luto que a desgraça veste No miserere do meu desespero... 
-- Lotus diluído n’alma dum cipreste! Como um lilás eternizando abrolhos Tinge de roxo o arminho da grinalda, Rola a violeta santa dos teus olhos 
-- Tufos de goivo em conchas de esmeralda. 
No vácuo imenso das desesperanças E dos passados viços, 
Recordo o beijo que te dei nas tranças Emolduradas num florão de riços. 
E como um nume de pesar, plangente, Guarda a saudade que levou do Marne, Eu guardo o travo deste beijo ardente E a Nostalgia desta Pátria -- a Carne. 
Sonho abraçar-te, pálida camélia, Mas neste sonho, langue e seminua, Pareces reviver a antiga Ofélia, Opalescência trágica da lua! 
Tu, oh Quimera, de reverberantes E rubras asas de beliantos pulcros, Crava-lhe n’alma o tirso das bacantes, 
Brande-lhe n’alma o frio dos sepulcros. 
Reza-lhe todo o cantochão memento Dessa Missa de amor da Extrema Agrura, Abençoada pelo meu tormento 
E consagrada pela sepultura. 
E que ela suba na serena gaza 
Dos mistérios dourados e serenos 
À terra Ideal das púrpuras em brasa E ao Céu doirado e auroreal de Vênus!

Poesia de quinta na Usina: Augusto dos Anjos: ODE AO AMOR:


Enches o peito de cada homem, medras Nalma de cada virgem, e toda a alma Enches de beijos de infinita calma...
E o aroma dos teus beijos infinitos Entra na terra, bate nos granitos
E quebra as rochas e arrebenta as pedras!
És soberano! Sangras e torturas! Ora, tangendo tiorbas em volatas, Cantas a Vida que sangrando matas, Ora, clavas brandindo em seva e insana Fúria, lembras, Amor, a soberana Imagem pétrea das montanhas duras.
Beijam -te o passo multidões escravas Dos Desgraçados! -- Estas multidões Sonham pátrias doiradas de ilusões Entre os tórculos negros da Desgraça
-- Flores que tombam quando a neve passa No turblhão das avalanches bravas!
Tudo dominas! -- Dos vergéis tranqüilos Aos Capitólios, e dos Capitólios 
Aos claros pulcros e brilhantes sólios De esplendor pulcro e de fulgências claras,
Rendilhados de fulvas gemas raras E pontilhados de crisoberilos.
Sobes ao monte ondeo edelweiss pompeia Nalma do que subiu àquele monte!
Mas, vezes, desces ao segredo insonte Do mar profundo onde a sereia canta
E onde a Alcíone trêmula se espanta Ouvindo a gusla crebra da sereia!
Rompe a manhã. Sinos além bimbalham . Troa o conúbio dos amores velhos
-- As borboletas e os escaravelhos Beijam -se no ar...Retroa o sino. E, quietos Beijam -se além os silfos e os insetos
Sob a esteira dos campos que se orvalham .
E em tudo estruge a tua dúlia -- dúlia Que na fibra mais forte e até na fibra Mais tênue, chora e se lamenta e vibra...
E em cada peito onde um Ocaso chora Levanta a cruz da redenção da Aurora Como a Judite a redimir Betúlia!
Bem haja, pois, esse poder terrível,
-- Essa dominação aterradora
-- Enorme força regeneradora Que faz dos homens um leão que dorme
E do Amor faz uma potência enorme Que vela sobre os homens, impassível!
Esta de amor onde queixosa, Irene, Quedo, sonhei-a, aos astros, ontem, quando Entre estrias de estrelas, fosforeando, Egrégia estavas no teu plaustro egrégio Mais bela do que a Virgem de Corrégio
E os quadros divinais de Guido Reni!
Qual um crente em asiático pagode, Entre timbales e anafis estrídulos, Cativo, beija os áureos pés dos ídolos, Assim, Irene, eis-me de ti cativo! Cativaste-me, Irene, e eis o motivo, Eis o motivo porque fiz esta ode.

Poesia de Quinta na Usina; D'Araújo: Teu tuas e teus:



O desejo de velar teu sono

Embalar teus sonhos

Aquecer teu corpo

Acalentar tua alma

 Alimentar teus desejos

Ser teu ensejo de existência

Ter a paciência de te esperar.

 Acordar para alimentar minha alma

Com o resplandecer dos teus olhos

A alegria dos teus sorrisos

 E o inigualável sabor dos teus beijos

Que é o néctar do meu viver.


Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Vestígios:


Há coisas que entram em sua vida

Feito tempestade em fúria.

Abala toda a sua estrutura.

E termina feita brisa leve

Sem deixar vestígios.