sábado, 14 de maio de 2022

Domingo na Usina: Biografias: Elena Poniatowska Amor:



Elena Poniatowska Amor (Paris 19 de maio de 1932) é uma escritoraactivista e jornalista mexicana cuja obra literária tem sido distinguida com numerosos prémios, entre eles o Prémio Cervantes 2013.

Biografia:

Origens:

Elena Poniatowska, filha de mãe mexicana María das Dores (Paula) Amor Escandón e do aristocrata Jean Joseph Evremond Sperry Poniatowski, nasceu em França com o nome Hélène Elizabeth Louise Amélie Paula Dores Poniatowska Amor.

A mãe de Poniatowska nasceu em 1913 em Paris. Pertencia à família de Porfirio Díaz exilada em França depois da Revolução Mexicana, A mãe de Jean Joseph Evremond Sperry Poniatowski era norte-americana[nota 1] e seu pai era de origem franco-polaco[1]. Ele, por sua vez, era descendente do general Poniatowski, que fez parte da Grande Armée que acompanhou a Napoleão até Moscovo e também era sobrinho do último rei de Polónia (nação na qual a monarquia não era hereditária, mas sim selectiva), Estanislau II da Polónia e de Maria das Dores (Paula) Amor de Yturbe, cuja avó materna era russa.[nota 1]

É sobrinha da poetisa mexicana Pita Amor (1918-2000); a sua família conta entre os seus antepassados ilustres, um arcebispo, um músico e a alguns escritores.

Poniatowska recebeu como herança, o título de princesa de Polónia, ainda que afirme que isso não lhe interessa. Devido às suas ideias, também é conhecida pelo o pseudónimo de[2] "A Princesa Vermelha".

Infância e estudos[editar | editar código-fonte]

A família de Elena Poniatowska emigrou da França para o México em consequência da Segunda Guerra Mundial. Elena aos dez anos de idade, chegou com sua mãe e sua irmã Sofía (Kitzya) à Cidade do México. Entretanto, seu pai continuava a tudo fazer para se poder reunir com elas assim que acabasse a contenda[3]

No México, cerca de 1943, ambas meninas aprenderam a pronunciar correctamente o castelhano com a sua ama Magdalena Castillo. Estudou um ano no Liceo de México, e manteve o seu nível da língua francesa pelas aulas dadas pela professora da universidade Betie Sauve. Estudou também, juntamente com sua irmã, piano e dança. Jan, o pequeno irmão de Elena e Sofía, nasceu em 1947.

Em 1949, foi enviada para os Estados Unidos para estudar. Primeiro internada num colégio católico de Filadelfia, o Convento do Sagrado Coração de Eden Hall (Torresdale, Pensilvânia), e depois no Manhattanville College de Nova Iorque.[4]

Primeiros trabalhos[editar | editar código-fonte]

Embora estivesse destinada a casar-se com um príncipe europeu, Elena decidiu dedicar-se ao o jornalismo [2]. Depois de voltar para o México, começou sua carreira de jornalista em 1953: trabalhou pela primeira vez no jornal Excelsior , assinando as seus crónicas como Hélène. Na sua primeira entrevista, visitou a cantora Amália Rodrigues, esposa de Alfonso Reyes Manuela Reyes, o pintor María Izquierdo, Juan Rulfo escritor, a atriz Dolores del Río e Gertrude Duby. Durante um ano, publicou uma entrevista diariamente. Naquela época, já se começava a interessar-se por questões sociais e pelo papel das mulheres mexicanas [5]

Em 1955, iniciou sua colaboração no jornal "Novedades de México", colaboração essa que continuaria praticamente ao longo de toda a sua vida . Actualmente escreve para o jornal "La Jornada". As suas entrevistas com autores mexicanos e estrangeiros alcançaram grande sucesso, e mais tarde algumas delas foram reunidas em 'Palavras cruzadas' ' (1961) e ' 'Todos México' '(1990). Poniatowska escreveu inúmeras publicações, tanto nacionais como internacionais.

Em 1955, nasceu em Roma o seu primeiro filho, Emmanuel. Em 1957 Elena recebeu uma bolsa de estudos do Centro Mexicano de jovens artistas e escritores e em 1959 entrevista o astrofísico mexicano Guillermo Haro, com quem se viria a casar em 1968.

Um emprego que viria a marcar sua carreira literária foi a trabalho que começou em 1962 como assistente do antropólogo Oscar Lewis, um dos fundadores do romance não-ficção. Essa experiência inspirou-a na criação dum dos seus mais famosos projectos literários: Hasta não verte Jesus mio [6]


O primeiro livro de ficção publicado naquele mesmo ano, foi Lilus Kikus , uma colecção de contos, seguido em 1963 por Tudo começou no domingo. Em 1965, viajou para a Polónia com o seu filho Emmanuel, e de lá enviou uma série de crónicas intituladas Novedades que "questionavam o sentido da moral estabelecida, a justiça e, em geral, o absurdo da vida ". [3]

Em 1964, ouve uma mulher gritar a partir do telhado de um edifício na Cidade do México. Tratava-se da lavadeira Josefina Borquez, que a levou a descobrir o submundo da capital. Elena começou a reunir-se com ela todas as quarta-feiras para a entrevistar. A partir das notas tomadas durante essas reuniões escreveu Hasta não verte Jesus mio , publicado em 1969.

Reconhecimento internacional[editar | editar código-fonte]

O reconhecimento internacional veio com seus livros de modo narrativo testemunhal. Hasta não verte Jesus mio (1969), baseado numa longa entrevista com a lavadeira Josefina Borquez (1900-1988) (romance), e especialmente com La noche de Tlatelolco (1971), sobre a massacre, principalmente estudantes que aconteceu no dia 2 de Outubro de 1968 na Praça das Três Culturas.

Foi no ano daquela tragédia nacional que Poniatowska se casou com o astrofísico mexicano Guillermo Haro (1913-1988), com quem teve dois filhos: Felipe e Paula respectivamente em 1968 e 1970. Poucos meses depois o seu irmão morreu num acidente de automóvel (nascido em 1947, no México). O pai da escritora, morreu logo depois motivado pelo desgosto [3] e em 1988 morre o seu marido Guillermo Haro.

Em 19 de Setembro de 1985, um terremoto devasta a capital mexicana. Elena Poniatowska escreve artigos sobre estes dias, o que em 1988 formaram uma crónica colectiva sob o título de "Nada, nadie, las voces del temblor".

Além de suas obras, Poniatowska tem realizado diversas actividades como visitar várias universidades dos Estados Unidos e da Europa, colaborando com diversas publicações, escrevendo prefácios, participando do lançamentos de livros, fazendo curtos filmes, fazer parte do conselho editorial da revista feminista "Fem" , além de co-fundadora do Editorial Siglo XXI e da Cinemateca Nacional.

Apesar de suas origens aristocráticas, Poniatowska foi politicamente da esquerda política e um defensora dos direitos humanos, o que tem influenciado a sua opinião sobre os mais importantes sectores intelectuais do México. Como diz o editorial Alfaguara é uma "jornalista e escritora comprometida", que "muitas vezes colocou sua pena ao serviço das causa mais justas".

Nas eleições gerais do México em 2006, apoiou Andrés Manuel López Obrador, candidato da Coligação para o Bem de Todos, que tinha sido presidente da Partido da Revolução Democrática (PRD). Perante as críticas de alguns sectores, 24 autores estrangeiros de renome, entre os quais se pode destacar José Saramago (Prémio Nobel de Literatura 1998), assinaram uma carta de apoio. Nesse mesmo ano em Julho, participou juntamente com outros intelectuais, na assinatura de uma petição condenando os ataques israelitas ao Líbano. O embaixador de Israel no México acusou os signatários de apoiarem o terrorismo.

Em 2007, o governo da Cidade do México, através do Ministério da Cultura, criou o Prémio Ibero-americano de novela "Elena Poniatowska", dotado de 500 mil pesos. O vencedor da primeira edição do evento foi o novelista e filósofo mexicano Álvaro Uribe, pelo seu romance "Expediente del atentado".

Em 2011, foi criada a Fundação Elena Poniatowska com o objectivo de organizar, divulgar e preservar o arquivo histórico da escritora e da sua família e apoiar grupos sociais que a escritora retratou em sua obra e promover o debate público sobre a cultura mexicana.

Em 2013 foi premiada com o Prémio Cervantes. Foi a primeira escritora mexicana a ganhar o prémio e a quarta mulher nos 38 anos de existência desse prémio. Além disso, foi o quinto Prémio Cervantes recebido por um autor ou autora do México.

Prémios e distinções[editar | editar código-fonte]

Domingo na Usina: Biografias: Francis Scott Key Fitzgerald:


Francis Scott Key Fitzgerald, mais conhecido como F. Scott Fitzgerald (Saint Paul, 24 de setembro de 1896 - Hollywood, 21 de dezembro de 1940), foi um escritor, romancista, contista, roteirista e poeta norte-americano. 
Fitzgerald é considerado um dos maiores escritores americanos do século XX. Suas histórias, reunidas sob o título Contos da Era do Jazz, refletiam o estado de espírito da época. Foi um dos escritores da chamada "geração perdida" da literatura americana. 
Biografia 
Oriundo de família católica irlandesa, Francis ingressou na Universidade de Princeton, mas não chegou a se formar. Durante a primeira guerra mundial, alistou-se como voluntário. Começou a carreira literária em 1920, com This Side of Paradise (Este Lado do Paraíso), romance que lhe deu grande popularidade e lhe abriu espaço em publicações de grande prestígio, como a Scribner's e o The Saturday Evening Post. Seu segundo romance, The Beautiful and Damned (Belos e Malditos), foi publicado em 1922. 
Com a esposa, Zelda Sayre, que introduziria um componente trágico na vida do escritor (em 1930 foi internada num hospício), Fitzgerald mudou-se para a França, onde concluiu o terceiro e o mais célebre de seus romances, The Great Gatsby (1925; O Grande Gatsby). Essa obra, uma das mais representativas do romance americano, descreve a vida em alta sociedade com uma aguda reflexão crítica. Em 1934 publicou Tender is the Night (Brasil: Suave é a noite /Portugal: Terna é a noite), romance pungente que o autor considerava sua melhor obra. 
Com a saúde já abalada pelo alcoolismo, Fitzgerald mudou-se então para Hollywood, onde trabalhou como roteirista cinematográfico. Em 1939 começou a escrever seu último romance, The Love of the Last Tycoon (O Último Magnate), publicado postumamente em 1941. A obra era sua última tentativa de retratar a personalidade de um grande artífice do sonho americano. 
Doença e Morte 
Fitzgerald tinha sido um alcoólatra desde os tempos de faculdade, e tornou-se famoso na década de 1920 pela a bebedeira extraordinariamente pesada, deixando-o em problemas de saúde no final dos anos 1930. De acordo com o biógrafo de Zelda, Nancy Milford, Fitzgerald afirmou que ele havia contraído tuberculose, mas Milford descarta-lo como pretexto para encobrir seus problemas com a bebida. No entanto, o estudioso Matthew J. Bruccoli afirma que Fitzgerald tinha, de fato, a tuberculose recorrente e o biógrafo Arthur Mizener disse que Fitzgerald sofreu um ataque leve de tuberculose em 1919, e em 1929 ele tinha "o que provou ser um hemorragia tuberculosa". Tem-se dito que a hemorragia foi causada por hemorragias a partir de varizes esofágicas. Fitzgerald sofreu dois ataques cardíacos no final de 1930. Após a primeira, em Drug Store da Schwab, ele foi ordenado pelo seu médico para evitar esforço extenuante. Ele foi morar com Sheilah Graham, que morava em Hollywood na Norte Hayworth Avenue, um bloco leste do apartamento de Fitzgerald na Norte Laurel Avenue. Fitzgerald teve dois lances de escadas para subir ao seu apartamento; Graham estava no piso térreo. Na noite de 20 de dezembro de 1940, Fitzgerald e Sheilah Graham participaram da estreia de This Thing Called Love, estrelado por Rosalind Russell e Melvyn Douglas. Como os dois estavam saindo do Teatro Pantages, Fitzgerald sofreu um desmaio e teve dificuldade de sair do teatro, chateado, disse a Graham: "Eles acham que eu estou bêbado, não é?" No dia seguinte, 21 de dezembro de 1940, como Fitzgerald comeu uma barra de chocolate e fez anotações em seu recém-chegado Princeton Alumni Weekly, Graham o viu saltar da poltrona, perto da lareira, suspirar e cair no chão. Ela correu para o gerente do prédio, Harry Culver, fundador da Culver City. Ao entrar no apartamento para ajudar Fitzgerald, ele declarou: "Tenho medo que ele esteja morto." Fitzgerald tinha morrido de um ataque cardíaco aos 44 anos de idade. Seu corpo foi levado para o necrotério Pierce Brothers. 
Encontra-se sepultado em Old Saint Mary's Catholic Church Cemetery, Rockville, Maryland no Estados Unidos.[1] 
Túmulo de Fitzgerald e sua mulher, Zelda. Em baixo a frase final de The Great Gatsby. 

Obras 

Romances 

Este Lado do Paraíso (1920) - no original This Side of Paradise 

Belos e Malditos (1922) - no original The Beautiful and Damned 

O Grande Gatsby - no original The Great Gatsby (1925) 

Brasil: Suave é a noite /Portugal: Terna é a noite - no original Tender Is the Night (1934) 

O Último Magnate (1940) - no original The Love of the Last Tycoon 

Coletâneas de contos 

Flappers and Philosophers (1920) 

Tales of the Jazz Age (1922) (inclui o conto The Curious Case of Benjamin Button, publicado anteriormente na revista Collier's Weekly) 

All the Sad Young Men (1926) 

Taps at Reveille (1935) 

Babylon Revisited and Other Stories (New York: Scribners, 1960) 

The Pat Hobby Stories (Esquire Magazine, 1940–41) 

The Basil and Josephine Stories (New York: Scribners, 1973) 

The Short Stories of F. Scott Fitzgerald (New York: Scribners, 1989) 

The Price Was High: Fifty Uncollected Stories (New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1995) 

Contos notáveis 

Bernice Bobs Her Hair (1920) (em Flappers and Philosophers) 

Head and Shoulders (1920) (em Flappers and Philosophers) 

The Ice Palace (1920) (em Flappers and Philosophers e Babylon Revisited and Other Stories) 

The Offshore Pirate (1920) (em Flappers and Philosophers) 

The Curious Case of Benjamin Button (1921) (em Tales of the Jazz Age) 

Sonhos de Inverno - no original Winter Dreams (1922) (em All the Sad Young Men) 

The Baby Party (1925) (em All the Sad Young Men) 

The Freshest Boy (1928) (em Taps at Reveille) 

The Bridal Party (1930) 

A New Leaf (1931) 

Babylon Revisited (1931) (em Babylon Revisited and Other Stories) 

Crazy Sunday (1932) (em Babylon Revisited and Other Stories) 

Outras obras 

The Vegetable (peça de teatro, 1923) 

The Crack-Up (ensaios e histórias, 1945)

fonte de origem:

A Divina Comédia: Dante Alighieri:



32. Alexandre, alusão a uma aventura de Alexandre Magno. —
55. Cíclopes, gigantes com um só olho no meio da testa, 
que fabricavam armas para Júpiter. 
— 56. Mongibello, o vulcão Etna, na Sicília. 
— 63. Capaneu, um dos sete reis que sitiaram Tebas.
 — 79. Bulicame, fonte de água quente perto de Roma. —
101. Réia, mulher de Saturno e mãe de Júpiter. 
 — 103-105. Velho de Creta, símbolo da humanidade e, 
segundo outros, da monarquia, que, em princípio boa e reta, 
vai depois degenerando.

CANTO XV
Prosseguindo os Poetas, encontram um grupo de violentos contra a natureza. Entre estes está Brunetto Latini, que reconhece o discípulo e lhe pede para aproximar-se dele, a fim de conversarem. Falam de Florença e das desventuras reservadas a Dante. Brunetto dá ao Poeta ligeiras notícias a respeito das almas que estão danadas com ele e foge para reunir-se a elas.


POR uma dessas margens empedradas Imos: vapor do rio resguardava
3 Das chamas o álveo e as bordas elevadas.
Como do mar temendo a força brava De Bruge a Cadsand, Flamengos fazem
6 Os diques, com que o mal se desagrava;

Contos do Sábado na Usina: Camilo Castelo Branco:

 


II

 

Por esses dias chegou carta de Pernambuco, incluindo ordem, primeira via, 48$000 réis, dez moedas de ouro. Feliciano mandava 12$000 réis para as arrecadas da sobrinha, e o resto ao irmão. Dizia-lhe que estava a liquidar para vir, enfim, descansar‚ de vez, que já tinha para os feijões. Recomendava-lhe que fosse deitando o olho a uma ou duas quintas que se vendessem até trinta ou quarenta mil cruzados; que se ainda houvesse conventos è venda, os fosse apalavrando até ele chegar.
– Quarenta mil cruzados, com um raio de diabos! – exclamou o Simeão, e foi mostrar a carta ao padre- mestre Roque, ao Trepa de Santo Tirso e ao ex-capitão-mor de Landim; e, como encontrasse na feira o dono do mosteiro dos beneditinos, o Pinto Soares, um deputado gordo – a retórica viva do silêncio mais facundo que a língua, de uma grande pacificação sonolenta –, perguntou-lhe se queria vender as quintas dos frades, que tinha comprador. O Pinto Soares, como um homem que acorda com espírito e um pouco de ateísmo, respondeu-lhe que não vendia para não transmitir ao comprador a excomunhão que arranjara comprando bens das ordens religiosas. Mas o Simeão, em matéria e raios do Vaticano, tinha na sua estupidez a invenção de Franclim. Continuava a perguntar a toda a gente se sabiam de conventos à venda, ou quintas ai para quarenta mil cruzados.
O Zeferino das Lamelas, o pedreiro que se julgava noivo por ter o negócio fechado num conto quinhentos e pico, procurou o lavrador para se cuidar dos banhos. O velhaco, depois de o ouvir com ares de abstracção palerma, disse-lhe a mastigar as palavras:
– Home, o caso mudou muito de figura. Então você pelos modos ainda não sabe que vem aí o meu irmão de Pernambuco comprar quintas e conventos?
E começou a desenrolar o nastro gorduroso de uma carteira de couro em que tinha recibos da décima, um aviso da junta da paróquia para pagar a côngrua, uma conta de azeviche contra maus-olhados, uma oração manuscrita contra as maleitas, um oficio antigo que o nomeava regedor, de que fora demitido pelos Cabrais, uma velha ressalva de recrutamento, uns versos que ele recitara no Natal, num Auto do Nascimento do Menino, onde ele fazia de rei mago, e finalmente o livrinho de Santa Bárbara, muito sebáceo, com um lustre azulado de graxa e a carta do Feliciano tão suja que parecia ter estado em infusão de pingue.
– Você ainda não ouviu falar desta carta!? – perguntou com sobrançaria impertinente, dando saliva aos dedos para a desdobrar. – Não se fala noutra coisa. Toda a gente sabe que vem aí do Brasil o meu Feliciano para comprar quintas.
– Já me constou – disse o pedreiro –, mas você rói a corda à conta disso, acho eu. – E como o lavrador hesitasse: – O negócio da rapariga está feito ou não está feito? Os homens conhecem-se pela palavra e os bois pelos cornos. Ponha para aí o que tem no interior.
O Simeão mascava, torcia-se, metia com dois dedos a carta estafada na carteira e resmungava:
– Você, enfim, isto é um modo de falar, como o outro que diz; você bem entende que... sim...
– O que eu entendo fisicamente falando é que você não me dá a rapariga.
– Deixe ver, deixe ver o que diz o meu irmão – tartamudeava.
– Sabe você que mais? – volveu iracundo o arquitecto, dando com o olho do machado num canhoto. – Você é de má casta. Não tem palavra nem vergonha nessa cara estanhada. Você é da geração dos Travessas da Serra Negra, e basta... Não lhe digo mais nada... – Alusão pungente a um tio do Simeão, o Barnabé, capitão das maltas de salteadores que infestaram em 1835 aquela serra.
– Veja lá como fala... – interrompeu o lavrador ferido na sua linhagem. – Você não me deite a perder... E o outro, num ímpeto de consciência robusta:
– Você é um safado. É o que lhe eu digo. Não guarda palavra em contrato que faça. Eu já devia conhecê-lo. Faz para as matanças seis anos que você ajustou comigo uma porca por quatro moedas e foi depois vendê-la ao António do Eido por mais um quartinho. Lembra-se, seu alma de cântaro? – E numa irritação crescente: – Se você não fosse um velho, dava-lhe com este machado na caveira. – E muito esbandalhado nos gestos, com sarcasmo: – Guarde a filha que eu hei-de achar mulher muito melhor que ela pelo preço, ouviu você? que leve o Diabo a burra e mais quem a tange, como o outro que diz. Livrei-me de boa espiga. De você não pode sair coisa boa; e mais da mãe que ela teve, que já lá está a dar contas...
E o lavrador com extremada prudência e na pacatez de um grande espírito de ordem e paz:
– Você não tem que desfazer na minha filha, ouviu?
– Ouvi, que não sou mouco. Ainda ontem a topei na bouça do Reguengo de palestra com o estudante de Vilalva. Espere-lhe a volta. A songuinha, que não olha direito p'ra um home, que anda ali esmadrigada de cabeça ao lado, lá estava de mão na ilharga a dar treta ao estudante, aquele pau de encher tripas, que há-de ser mesmo um padre daquela casta! Olhe se ele lha quer para casar... Pois não quiseste? – e arregaçava a pálpebra do olho esquerdo, mostrando o interior inflamado com uns pontos amarelos, purulentos, indicativos de insuficiente lavagem, um trejeito de garotice. E continuava: – Quem lhe dera dois pontapés, nele e mais nela! – e muito rubro de cólera dava pancadaria nas pedras, nas raízes nodosas dos castanheiros, e metia grande terror no ânimo do Simeão quando faiscava lume nos calhaus com a percussão do machado.
Esta situação prometia acabar pela fuga prudente do pai de Marta, se o estudante de Vilalva não assomasse ao fundo do castanhal com uma matilha de coelheiros que ladravam a um porco muito eriçado, que os esperava com o focinho de esguelha, bufando e grunhindo. O caçador chamava os cães, assobiava, fazia uma bulha convencional para que a Marta o ouvisse.
Ele não tinha visto o pedreiro; os cães é que o viram e deixaram o porco destemido para atacarem o homem, com uma velha birra que lhe tinham. O Zeferino, noutra ocasião, segundo o seu costume, desprezaria a arremetida da matilha; mas, naquela conjuntura de ódio ao caçador, esperou a canzoada com o machado em riste, empunhava o cabo com as mãos cabeludas, e fazia, com o corpo inclinado, avanços provocadores. José Dias chamava os cães obedientes; mas o Zeferino, muito azedo, engelhando na cara uns trejeitos de bazófia, dizia sarcástico:
– Deixe-os vir, deixe-os vir, que o primeiro que chegar faço-lhe saltar os miolos à cara de você.
Que se acomodasse, conciliava pacificamente o estudante – que os cães não tinham outra fala. E o pedreiro insistente, muito arrogante: – Que venham para cá, e mais o dono, o caçador de borra! – e dizia palavradas canalhas, muito danado porque vira aparecer a Marta na varanda, a fazer meia com a cesta do novelo no braço.
– Ó Sr. Zeferino, fale bem, ponha cobro na língua advertiu o José Dias, com uma serenidade de mau agoiro
– quando eu lhe ladrar então se fará com o machado para mim. Os cães ladraram-lhe; eu chamei-os, que mais quer você, homem? Siga o seu caminho.
– O meu caminho? o meu caminho é este – disse batendo com o machado na terra. – Quer você mandar-me embora daqui? Ora não seja tolo.
A presença da moça enfurecia-o; contra o seu costume, sentia-se valente. O amor, como um vinho indigesto, dava-lhe a coragem interina dos bêbedos, e berrava:
– Se é homem, venha para cá! Você manda-me sair daqui, seu pedaço-de-asno? E o estudante, já amarelo:
– Eu não o mando sair daí, nem lhe consinto que me chame asno. Olhe que eu largo a espingarda, tiro-lhe das unhas o machado e dou-lhe com ele.
– Ó alma do Diabo! – exclamou o pedreiro crescendo para o caçador.
Nisto, um dos cães, atravessado de cão de gado e cadela coelheira, que aprendera a morder nas ocasiões razoáveis, atirou-se-lhe ao assento das calças de estopa e puxou até lhe descobrir a epiderme da nádega esquerda.
O pedreiro floreava debalde o machado; os golpes cortavam o ar, e nem de leve apanhavam o cão, que dava pulos de esconso, atacando-o pela nádega direita. A restante matilha fraternizara com o outro e juntavam os focinhos num complexo de dentuças minacíssimas com os olhos sanguíneos cravados nos movimentos do machado. José Dias, no entanto, espancava a cainçada, e Marta não sabia se havia de descer para ajudar o pai a acomodar a bulha, ou se havia de cair na varanda a rir-se. Ela sentia-se envergonhada do espectáculo que exibia a calça esfarrapada; mas não havia pudor que resistisse àquilo. O pedreiro sabia que o cão lhe chegara um pouco à calça; mas, no calor da luta, não sentira esfriar-se-lhe a pele descoberta, nem se lembrou que andava sem ceroulas. Depois, como sentisse uma frescura extraordinária na cútis, exposta ao contacto da atmosfera, levou a mão conscienciosamente ao sítio, e achou em si aquele espécime obsoleto do Adão primitivamente inocente. No entanto, Marta, não podendo já consigo, entalada de riso, fugira da varanda e atirara-se de bruços sobre a cama, a rebolar-se, a espernear como se tivesse uma cólica. O estudante retirou-se assobiando à matilha ainda refilada às nádegas do homem. O Simeão coçava-se com as dez unhas e dizia velhacamente comovido:
– Meta-se aí na corte da égua que eu vou-lhe buscar umas calças, seu Zeferino, ou dá-se-lhe aí quatro pontos p'ra remediar. Dê cá as calças, e não se aflija...
O pedreiro respondeu-lhe porcamente e de modo tão trivial, que o outro lhe replicou:
–Vá você!
E meteu-se em casa como quem receava contra-réplica menos suja e mais dura.

Contos do sábado na Usina: Machado de Assis: A mulher de Preto V:

 



Quando saíram, o deputado disse ao médico: 
- Meu amigo, você é desleal comigo... 
- Por quê? perguntou Estêvão meio sério e meio risonho, não compreendendo a observação do deputado. 
- Sim, continuou Menezes; você esconde-me um segredo... 
- Eu? 
- É verdade: e um segredo de amor. 
- Ah!... disse Estêvão; por que diz isso? 
- Reparei há pouco que, ao passo que os mais conversavam em política, você pensava em uma mulher, e mulher... lindíssima... 
Estêvão compreendeu que estava descoberto; não negou. 
- É verdade, pensava em uma mulher. 
- E eu serei o último a saber? 
- Mas saber o quê? Não há amor, não há nada. Encontrei uma mulher que me impressionou e ainda agora me preocupa; mas é bem possível que não passe disto. Aí está. É um capítulo interrompido; um romance que fica na primeira página. Eu lhe digo: há de me ser difícil amar. 
- Por quê? 
- Eu sei? custa-me a crer no amor. 
Menezes olhou fixamente para Estêvão, sorriu, abanou a cabeça e disse: 
- Olhe, deixe a descrença para os que já sofreram as decepções; o senhor está moço, não conhece ainda nada desse sentimento. Na sua idade ninguém é céptico... Demais, se a mulher é bonita, eu aposto que daqui a pouco há de dizer-me o contrário. 
- Pode ser... respondeu Estêvão. 
E ao mesmo tempo entrou a pensar nas palavras de Menezes, palavras que ele comparava ao episódio do teatro Lírico. 
Entretanto, Estêvão foi ao convite de Magdalena. Preparou-se e perfumou-se como se fosse falar a uma noiva. Que sairia daquele encontro? Viria de lá livre ou cativo? Já seria amado? Estêvão não deixou de pensá-lo; aquele convite parecia-lhe uma prova irrecusável. O médico entrando num tílburi começou a formar vários castelos no ar. 
Enfim chegou à casa.

Contos do Sábado na Usina: Artur Azevedo:


Cena cinco 
DONA MARIA, depois ANDRADE 
Dona Maria fica perplexa, de olhos baixos, na atitude de Fedra, quando diz: Juste ciel! qu’ ai je faite aujourd’hui? 
É despertada bruscamente pelo comendador Andrade, que entra com espalhafato. O COMENDADOR (gritando) - Onde está o senhor Jorge? 
DONA MARIA ( consigo) - Um homem zangado! É ele, é o pai da menina! O COMENDADOR - Senhora, pergunto-lhe pelo senhor Jorge! 
DONA MARIA - Está doente... naquela alcova... dorme... 
O COMENDADOR - Já me contaram as façanhas que ele praticou esta noite! (Apanhando o nariz postiço.) Cá está uma prova! 
Atira-o longe. 
DONA MARIA - Desculpe-me essa rapaziada, e não lhe negue a mão da menina. O COMENDADOR - A mão da menina! Que menina? 
DONA MARIA - Sua filha. 
O COMENDADOR - Minha filha? Qual delas? Pois este mariola ainda por cima se atreve a erguer os olhos para uma das filhas do seu patrão! 
DONA MARIA - Do seu patrão? Ah! então não é o senhor Raposo? 
O COMENDADOR - Que Raposo, nem meio Raposo! Eu sou o comendador Andrade, sócio principal da firma Andrade, Gomes & Companhia! - O senhor Jorge está dormindo, disse a senhora. 
DONA MARIA - Sim, senhor. 
O COMENDADOR - Pois bem; quando acordar, diga-lhe que eu aqui estive, e o ponho no olho da rua! 
Que apareça para fazermos as contas! 
DONA MARIA - Atenda, senhor comendador! 
O COMENDADOR - A nada atendo! A casa Andrade, Gomes & Companhia não pode ter empregados que se embriagam e passam a noite no xadrez! Era o que faltava! 
Sai arrebatadamente.
JORGE, DONA MARIA 
Na alcova, Dona Maria sai.
JORGE (Abre um olho, depois o outro, olha em volta de si, certifica-se que está em sua casa, dirige à Dona Maria um sorriso de agradecimento, solta um longo suspiro, e exclama com voz rouca e sumida) - Como eu me diverti!
Cai o pano


Contos do Sábado na Usina: Humberto de Campos: O SERINGUEIRO I:



À semelhança de um inseto minúsculo e amedrontado que se refugiasse na base um penedo, fugindo a inimigos invisíveis mas certos, a povoação de Graça, com a sua capela, e a sua dúzia de casas, repousa, há mais de um século, no sopé da Ibiapaba. Às três horas da tarde, quando o sertão imenso, para os lados da Meruoca, ainda fulgura iluminado, já está ela mergulhada no seu manto cinzento, preparando-se para o descanso da noite. É que o sol, descendo por trás da serra cortada a pique, projeta sobre aquela parte do sertão a sombra larga da montanha, como se Deus a quisesse esconder, antes das outras povoações cearenses, contra os incontáveis perigos da terra e do céu. 
Foi nesse pequeno recanto sertanejo que o Joaquim Lucrécio, partindo das margens do Acaraú, onde era lavrador, se deteve em 1878. O seu objetivo, de quem fugia ao flagelo que tudo devastava, era alcançar a Serra Grande por uma das ladeiras de Leste. Ao chegar, porém, às proximidades da encosta, caiu a primeira chuva. O Jaibara encheu, arrastando na descida detritos de árvores e ossadas de animais. E como a esperança de fartura voltasse ao coração dos homens, o retirante recebeu um convite para o serviço e levantou, à margem do rio, a pequenina casa de palha para abrigo da mulher e dois filhos, o João e a Carolina, que a morte poupara no êxodo. 
Foi aí, sob a proteção da serra enorme e verde, que os dois irmãos se criaram, apurando a coragem nas lições da natureza e na áspera vida de privações. Enquanto a velha mãe gemia, entrevada, sobre a esteira de carnaúba estendida no chão de barro batido, e o pai, tostado pela soalheira e curtido pela miséria, procurava trabalho nas fazendas vizinhas, ia a menina à cacimba, no leito seco do rio, com o pote à cabeça, buscar a água para os serviços domésticos, ao mesmo tempo que o irmão, mais velho que ela dois anos, cortava, em companhia de outros da sua idade, as folhas tenras das carnaubeiras para extração de cera e aproveitamento das palhas na confecção de chapéus. 
Assim cresceu a Carolina. Assim cresceu o João.

Contos do sábado na Usina: Machado de Assis: A Mulher de Preto IV:


Um dia Estêvão Soares foi convidado para um baile em casa de um velho amigo de seu pai. 
A sociedade era luzida e numerosa; Estêvão, embora vivesse muito arredado, achou ali grande número de conhecidos e conhecidas. Não dançou; viu, conversou, riu um pouco e saiu. 
Mas ao entrar levava o coração livre; ao sair trouxe nele uma flecha, para falar a linguagem dos poetas da Arcádia; era a flecha do amor. 
Do amor? A falar a verdade não se pode dar este nome ao sentimento experimentado por Estêvão; não era ainda o amor, mas bem pode ser que viesse a sê-lo. Por enquanto era um sentimento de fascinação doce e branda; uma mulher que lá estava produzira nele a impressão que as fadas produziam nos príncipes errantes ou nas princesas perseguidas, segundo nos rezam os contos das velhas. 
A mulher em questão não era uma virgem; era uma viúva de trinta e quatro anos, bela como o dia, graciosa e terna. Estêvão via-a pela primeira vez; pelo menos não se lembrava daquelas feições. 
Conversou com ela durante meia hora, e tão encantado ficou com as maneiras, a voz, a beleza de Madalena, que ao chegar a casa não pôde dormir. 
Como verdadeiro médico que era, sentia em si os sintomas dessa hipertrofia do coração que se chama amor e procurou combater a enfermidade nascente. Leu algumas páginas de matemática, 
isto é, percorreu-as com os olhos; porque apenas começava a ler o espírito alheava do livro onde apenas ficavam os olhos: o espírito ia ter com a viúva. 
O cansaço foi mais feliz que Euclides: sobre a madrugada Estêvão Soares adormeceu. Mas sonhou com a viúva. 
Sonhou que a apertava em seus braços, que a cobria de beijos, que era seu esposo perante a Igreja e perante a sociedade. 
Quando acordou e lembrou-se do sonho, Estêvão sorriu. 
- Casar-me! disse ele. Era o que me faltava. Como poderia eu ser feliz com o espírito receoso e ambicioso que a natureza me deu? Acabemos com isto; nunca mais verei aquela mulher... e boa noite. 
Começou a vestir-se. 
Trouxeram-lhe o almoço; Estêvão comeu rapidamente, porque era tarde, e saiu para ir ver alguns doentes. 
Mas ao passar pela rua do Conde lembrou-se que Madalena lhe dissera morar ali; mas aonde? A viúva disse-lhe o número; o médico porém estava tão embebido em ouvi-la falar que não o decorou. 
Queria e não queria; protestava esquecê-la, e contudo daria o que se lhe pedisse para saber o número da casa naquele momento. 
Como ninguém podia dizer-lhe, o rapaz tomou o partido de ir-se embora. 
No dia seguinte, porém, teve o cuidado de passar duas vezes pela rua do Conde a ver se descobria a encantadora viúva. Não descobriu nada; mas quando ia tomar um tílburi e voltar para casa encontrou o amigo de seu pai em cuja casa encontrara Madalena. 
Estêvão já tinha pensado nele; mas imediatamente tirou dali o pensamento, porque ir perguntar-lhe onde morava a viúva era uma coisa que podia traí-lo. 
Estêvão já empregava o verbo trair. 
O homem em questão, depois de cumprimentar ao médico, e trocar com ele algumas palavras, disse-lhe que ia à casa de Magdalena, e despediu-se. 
Estêvão estremeceu de satisfação. 
Acompanhou de longe o amigo e viu-o entrar em uma casa. 
- É ali, pensou ele. 
E afastou-se rapidamente. 
Quando entrou em casa achou uma carta para ele; a letra, que lhe era desconhecida, estava traçada com elegância e cuidado: a carta recendia a sândalo. 
O médico rompeu o lacre. A carta dizia assim: 
"Amanhã toma-se chá em minha casa. Se quiser vir passar algumas horas conosco dar-nos-á sumo prazer. - Magdalena C..." 
Estêvão leu e releu o bilhete; teve idéia de levá-lo aos lábios, mas envergonhado diante de si próprio por uma idéia que lhe parecia de fraqueza, cheirou simplesmente o bilhete e meteu-o no bolso. 
Estêvão era um pouco fatalista. 
- Se eu não fosse àquele baile não conhecia esta mulher, não andava agora com estes cuidados, e tinha conjurado uma desgraça ou uma felicidade, porque ambas as coisas podem nascer deste encontro fortuito. Que será? Eis-me na dúvida de Hamleto. Devo ir à casa dela? A cortesia pede que vá. Devo ir; mas irei encouraçado contra tudo. É preciso romper com estas idéias, e continuar a vida tranqüila que tenho tido. 
Estava nisto quando Meneses lhe entrou por casa. Vinha buscá-lo para jantar. Estêvão saiu com o deputado. Em caminho fez-lhe perguntas curiosas. 
Por exemplo: 
- Acredita no destino, meu amigo? Pensa que há um deus do bem e um deus do mal, em conflito travado sobre a vida do homem? 
- O destino é a vontade, respondia Menezes; cada homem faz o seu destino. 
- Mas enfim nós temos pressentimentos... Às vezes adivinhamos acontecimentos em que não tomamos parte; não lhe parece que é um deus benfazejo que no-los segreda? 
- Fala como um pagão; eu não creio em nada disso. Creio que tenho o estômago vazio, e o que melhor podemos fazer é jantar aqui mesmo no hotel de Europa em vez de ir à rua do Lavradio. Subiram ao hotel de Europa. 
Ali havia vários deputados que conversavam de política, e os quais se reuniram a Menezes. Estêvão ouvia e respondia, sem esquecer nunca a viúva, a carta e o sândalo. 
Assim, pois, davam-se contrastes singulares entre a conversa geral e o pensamento de Estêvão. Dizia por exemplo um deputado: 
- O governo é reator; as províncias não podem mais suportá-lo. Os princípios estão todos preteridos; na minha província foram demitidos alguns subdelegados pela circunstância única de serem meus parentes; meu cunhado, que era diretor das rendas, foi posto fora do lugar, e este deu- se a um peralta contraparente dos Valadares. Eu confesso que vou romper amanhã a oposição. 
Estêvão olhava para o deputado; mas no interior estava dizendo isto: 
- Com efeito, Magdalena é bela, é admiravelmente bela. Tem uns olhos de matar. Os cabelos são lindíssimos: tudo nela é fascinador. Se pudesse ser minha mulher, eu seria feliz; mas quem sabe?... Contudo sinto que vou amá-la. Já é irresistível; é preciso amá-la; e ela? que quer dizer aquele convite? Amar-me-á? 
Estêvão embebera-se tanto nesta contemplação ideal, que, acontecendo perguntar-lhe um deputado se não achava a situação negra e carrancuda, Estêvão entregue ao seu pensamento respondeu: 
- É lindíssima! 
- Ah! disse o deputado, vejo que o senhor é ministerialista. Estêvão sorriu; mas Menezes franziu o sobrolho. 
Compreendera tudo.