domingo, 4 de setembro de 2022

Crônicas De Segunda Na Usina: Machado de Assis: FALTA DE NOTÍCIAS:


14 DE JANEIRO DE 1862.
DIÓGENES E O CRONISTA – FALTA DE NOTÍCIAS -
PUBLICISTA CASAMENTEIRO – AINDA O SR. CANDIDO
BORGES
Os atenienses riram-se muito um dia ao ver Diógenes, um doido que
vivia em um tonel, saíra com uma lanterna na mão, à cata de um
homem. Era para rir. E aquele povo não deu o cavaco, porque via no
ato do velho filósofo com visos de desdém pelos contemporâneos.
Rir-se-ão os Fluminenses se me virem atravessar (perdoa-me, ó
Diógenes!), não as ruas da cidade, mas os dias da semana, com uma
lanterna na mão à cata de notícia?
Aqui a coisa é inteiramente diversa.
Acreditando que o leitor me procura por desfastio, não ousando
pensar que inspiro avidez ou curiosidade, acho-me sinceramente
vexado quando apareço de alforge vazio, e mais vazia a alma, de
com que entreter os ócios do leitor.
Creio que faço o meu efeito de um touriste ao voltar do Oriente, sem
uma nota,sem um desenho, na sua caderneta de viagem. Tão
impossível parece voltar das regiões do berço do sol, sem uma
impressão, com o atravessar sete dias sem haver colhido uma notícia
para comentar.
Pois a última hipótese não é nenhuma coisa de admitir.
Um elegante folhetinista dos nossos, achando-se nas mesmas
circunstâncias que eu, encabeçou o seu escrito hebdomadário com
esta expressão do gordo Sancho: “Diz-me o que semeaste, dir-te-ei
o que colherás”. Aproveito a lembrança , e pergunto se alguma coisa
se pode colher deste terreno que se chamou – a semana passada, -
onde nada foi semeado?
Eu podia , é verdade, entreter o leitor com o imortal Romano da mão
queimada, que jurou aos deuses fundir as repúblicas confinantes ao
sul do império em uma monarquia e dá-la em presente a um príncipe
da família imperial, não esquecendo de casá-lo com a Sra. D.
Leopoldina.
O publicista casamenteiro não é das coisas que menos riso excitam;
pelo contrário, é divertido a mais não poder.
Já declarou que não quer ser mordomo do novo rei, nem aspira a ser
senador no Estado criado por ele próprio; mas já me parece
generosidade de mais, isto de fazer monarquias pelo simples e
honestíssimo prazer de ver a realeza aliada à liberdade.
Sou um pouco audaz nas minhas investigações , e não poucas vezes
tenho visto que a audácia acaba muitas vezes por dar na cabeça,
bem que em alguns casos seja uma virtude preciosa.
Assim, cheguei a pensar que Scoevola queria tirar desta solicitude
pelas augustas princesas e pelos Estados do Prata as vantagens a
que visam todos aqueles que só vêem este mundo pelo ponto de
vista das armarias heráldicas.
A declaração em contrário de Scoevola em seu último escrito avulta
tanto como um caracol. Scoevola, pelos modos, pertence a certo
partido político que não tem sacrificado muito à sinceridade, e tem
como regra de diplomata que a palavra foi dada ao homem para
esconder os conceitos e as convicções.
Terá ele lido no futuro que a forma monárquica há de vir a
estabelecer-se no Rio da Prata, e quererá desde já mostrar-se o
propugnador extremoso dessa idéia, que considera a única salvadora
daquelas repúblicas? A sua vaidade far-lhe-á ver-se desde já vazado
em bronze a figurar no meio de uma praça do novo reino?
Este meio de perpetuidade alcança longe e alto demais para supô-lo
no espírito de Scoevola.
Opto pela primeira impressão.
Já o governo fez ver, em comunicado, ao publicista oficioso quanto
têm de inconvenientes os seus escritos a respeito das repúblicas do
sul. Realmente não me parece patriotismo de boa índole a
enunciação de projetos que significam apenas desejos muito
individuais, e que não respondem à opinião feita do país.
Por não poucas vezes, o império tem encontrado da parte daqueles
povos agressões relativamente à política usada com eles, e é
verdade inconcussa nos Estados do Sul que o império tem pretensão
de conquistá-los;
Ora a conquista digna deste século de mútuo respeito entre os povos
é aquela que resulta de certas identidades e afinidades tão flagrantes
que a divisão se torna uma anomalia e a união uma necessidade de
vida. Em tal caso não é conquista, é reparação.
Se fosse este o caso do império e das repúblicas do sul, ao tempo
caberia o trabalho da realização.
Não é de um patriota sincero, como se apregoa aquele, caluniar as
intenções de seu país como estrangeiro, deixando entrever, ou
antes, falando resolutamente em uma fundação dinástica que a
ninguém passou ainda pela cabeça, suponho eu.
Por outro lado, não me parece muito bonito tomar por pretexto de
invasões pela terra alheia as augustas princesas, cujos cuidados
versam ainda entre os estudos próprios de sua educação e as
distrações próprias da sua idade.
Scoevola tem a boca doce. Pertence a um partido que não cochila
quando quer fazer triunfar (sabe o país por que meios) uma
conveniência; mas ilude-se quando supõe que a opinião argentina há
de fazer sacrifício da sua independência. Os Vera-Cruzes são raros.
O Sr. Candido Borges reclama agora a minha atenção.
Veio o governo em respostas ao dizer do boato, que eu denunciei nos
últimos Comentários, e declarou o Diário em completa ignorância dos
fatos a que aludi.
Devo observar que apenas fui eco de um boato, e que foi com uma
franqueza e uma singeleza talvez proverbiais que transferi para letra
redonda o que andava na praça pública, pedindo ao governo uma
explicação que restabelecesse a verdade.
O comunicante oficial declarou desconhecer a importância da censura
que corria pela boca pequena em detrimento do crédito do governo.
Sem dúvida que não é problema social ou político, não se trata da
questão da escravidão ou de qualquer outra de máximo alcance; mas
presumo que a acusação surda ao governo de uma infração da lei
não é lá tão ínfima assim que mereça escárnio e o pouco caso da
imprensa.
Dizia-se isto; a imprensa pergunta ao governo se isto é verdade.
Creio que é a coisa mais curial do mundo.
Explicou-se o governo, ainda bem. Da explicação se conclui que o
boato não era tão inteiramente infundado como se quis fazer supor;
houve de fato uma pequena acumulação, ou antes, pretendeu-se
realizá-la.
O ato do Sr. Ministro do Império não merece louvor, como bem diz o
comunicante, porquanto, proporcionar a gratificação aos dois anos e
meio que servira o lente além dos vinte e cinco da jubilação com
ordenado somente, quando a lei diz que o que se jubilar aos trinta
anos é que tem direito à metade da gratificação, seria um sofisma
flagrante e de fazer arrepiar ao mais desiludido deste mundo.
Felizmente, segundo diz o comunicante, a decisão do governo, sendo
contrária ao Sr. Candido Borges, não fez com que este senhor
conselheiro lhe retirasse a sua amizade.
Suponho que há nisto motivo para alegrarem-se os ânimos e
expandirem-se os corações. Este fato não perturbou o remanso e a
paz da igreja d’Elvas. Ambos conformes, o bispo e o deão,
continuarão a dar e a receber o santo hyssope.
Para alguma coisa há de servir a amizade política, e ninguém se
lembraria de pensar que, por uma questão de vinténs, o partido
conservador sofresse amputação em um de seus membros; e que

membro! Eloqüente quando fala, e eloqüente quando não fala!

Crônicas de Segunda na Usina: Lima Barreto: Quantos?:


Os nossos financeiros do congresso, ou fora dele, são deveras interessantes. Tateiam, hesitam, andam às apalpadelas, nos casos que mais precisam de decisão. 
Resolveram eles, para salvar a Pátria, que anda a níqueis, que os empregados públicos fossem tributados de maneira mais ou menos forte. 
Nada mais justo. Como já tive ocasião de dizer, é razoável que a Pátria "pronta", "morda" os seus filhos "prontos"; e eu, que estou em causa, não protesto absolutamente. 
Estou cordialmente disposto a contribuir com os meus "caraminguaus" para a salvação do país mais rico do mundo. 
Agora, uma coisa, caros senhores legisladores: quanto tenho de pagar? 
Uma hora dizem: dez por cento. Faço os meus cálculos e digo de mim para mim: suporto. E voto por que nos cortem certas despesas suntuárias, como o governo anda a cortar a dos automóveis. 
Vem, porém, um outro "salvador" e diz: você, "Seu" Barreto, vai pagar unicamente cinco por cento. 
Tomo a respiração, vou para casa e abençôo o congresso: homens sérios! 
Viram bem que dez por cento era muita coisa! 
Não confesso a minha alegria à mulher e aos filhos, porque os não tenho, mas canto a satisfação pelas ruas, embora os transeuntes me tomem por louco. 
Ainda bem não dou largas à minha alegria, quando chega um outro e propõe: você deve 
ser descontado em doze por cento. 
Ora bolas! Isto também é demais! Então eu sou o holandês que paga o mal que não fez? Não é possível que os senhores legisladores pensem que posso assim ser esfolado, sem 
mais nem menos; e os meus vencimentos estejam assim dispostos a serem diminuídos, conforme a fantasia de cada um. 
Entro na subscrição para manter o Ministério da Agricultura, mas de conformidade com as minhas posses. Notem bem. 
Se ele precisa de tanto dinheiro, nada mais razoável do que apelar para o Visconde de Morais, o Gaffrée ou mesmo para o Rocha Alazão, que, em tais coisas de "facadas" é mestre consumado, respeitado e admirado por todos, porquanto - confessemos aqui entre amigos - quem não deu a sua "facadinha"? 
Vida urbana, 18-12-1914

Crônicas de Segunda na Usina: Erça de Queiroz: Londres, 14 de Maio [de 1877] II:




Lembram-se, decerto, de eu lhes dizer na minha última carta que o soldado russo era o mais vagaroso dos soldados de ataque; aí têm a prova: há um mês que começou a guerra, e nem no Danúbio, nem na Ásia Menor, tem havido um facto decisivo: as estradas da România, é verdade, têm estado quase impraticáveis pelas chuvas incessantes e pelos temporais tão oportunos que parecem estar às ordens do sultão e pertencer ao estado-maior turco; é verdade que na Ásia Menor as dificuldades de transporte e de trânsito para um forte exército invasor são consideráveis: todavia repete-se um facto histórico e militar: toda a invasão russa é sempre uma campanha protraída e monótona. No Danúbio tem havido apenas alguns duelos de artilharia entre os fortes das duas margens, com resultados (consoladores para os humanitários) de algum cavalo morto ou de algum tecto de colmo queimado. O facto mais enérgico foi a passagem de Hobart Paxá, a bordo de um navio turco, através do fogo das baterias russas. À chegada dos Russos à România e aos portos do Danúbio, Hobbart Paxá estava, em serviço de inspecção, a bordo de um navio de guerra – no Alto Danúbio –, e ficou portanto bloqueado pela instalação fortificada das vanguardas russas. Com uma decisão destemida, toda a força de caldeira, todos os fogos acesos, esperando a cada momento tocar algum torpedo e ir pelos ares, raspou-se à razão de quinze milhas por hora, sob um fogo desesperado dos Russos, incólume e com bandeira alta. Hobbart Paxá é certamente uma das figuras mais salientes e mais originais desta guerra. E inglês e par de Inglaterra: é filho do conde de Buckinghamshire e herdou o titulo há anos, quando tomou assento na Câmara dos Lordes. Entrou na marinha e pouco tempo depois fezse frade. Serviu a Turquia na insurreição de Creta, e na guerra dos Estados Unidos quebrou muitas vezes, a bordo do seu navio corsário, o bloqueio do Sul. Agora é paxá e almirante turco. E um homem inteligente, heróico, com sérias qualidades de organizador. Tem quarenta e cinco anos, a barba toda espessa, o olhar agudo, o sobrolho carregado e um certo ar de bonomia altiva. E um aventureiro de bem – ou antes, uma heroicidade disponível, que procura emprego. Na Ásia Menor a marcha dos Russos tem encontrado dificuldades: tudo o que têm adiantado são duas milhas alemãs; é incontestável que em encontros parciais, mas violentos, os Turcos têm tido vantagens; as forças voluntárias turcas organizam-se com um impulso fanático e duplicam a resistência. Hoje dizia-se que algumas tribos do Cáucaso se tinham insurreccionado – o que podia cortar as comunicações do exército russo e isolá-lo na Ásia: esta noticia harmoniza-se com o despacho que diz ter o czar ordenado a mobilização do quarto, sétimo e décimo primeiro corpos de exército. Todos os correspondentes são uniformes em elogiar a organização dos Russos: boa cavalaria, equipamentos perfeitos, uma admirável administração, uma disciplina exacta, pagam tudo em ouro na România – e só o que é fornecido pela municipalidade é pago em letras, a três meses. Os Românicos recebem-nos fraternalmente: duvida-se todavia que lhes possam ser de utilidade na guerra. Certamente o príncipe Carlos é prussiano, da Casa de Hohenzollern, bravo, e deseja ardentemente uma reputação militar: mas um românico é apenas um soldado de aparato: admirável nos jardins ou nos cates, com os seus uniformes pesados de bordaduras – não tem as qualidades de resistência, de fé e de tenacidade que fazem o bom soldado. No entanto, são vinte ou trinta mil homens – e quando não sirvam senão para guarnecer os territórios que os Russos forem ocupando são já de uma grande vantagem; são outros tantos milhares de russos desembaraçados das funções ociosas de guarnição e prontos para a campanha activa. O resultado definitivo da guerra não me parece duvidoso: esta é a sétima ou oitava guerra turco-russa – e se os Turcos não têm aprendido nada, os Russos têm aprendido tudo. O Turco é decerto o mesmo soldado bravo, sofredor, activo de outrora; mas a guerra hoje não é uma questão de bravura ou de arranque individual; é uma ciência com processos científicos – e neste ponto a inferioridade turca é absoluta. Desde as pontes importantes que se esquecem de cortar até aos monitores que deixam afundar sem razão – são verdadeiramente os antigos turcos, enchendo o seu cachimbo no momento do perigo e confiando em Alá. Aqui, naturalmente, a grande preocupação é a atitude futura da Inglaterra; e não é fácil

perceber, através das discussões difusas dos jornais e dos debates confusos do parlamento – qual é a verdadeira vontade do país: eu penso que, como o ministério, o país quer intervir. O ministério naturalmente declara, na câmara e nos jornais, a sua neutralidade: mas e realmente uma neutralidade a que declara que conservará a espada na bainha – se os Russos se abstiverem de ideias de conquista? E uma neutralidade condicional. É, rigorosamente, um começo de intervenção. E depois, por esta condição – a abstenção de conquista –, vem pôr de antemão uma condição que a lógica dos factos tomaria mais tarde ou mais cedo inaceitável. A Rússia pode agora, decerto, declarar que não pretende territórios: mas depois de os ter ocupado terá força, renunciamento bastante para os restituir? Todo o estado vitorioso exige forçosamente, em definitiva, uma compensação aos sacrifícios da guerra: dinheiro ou terreno: ora a Turquia não tem dinheiro, logo há-de pagar com províncias. E isto é tão certo – que o exército russo na Ásia Menor vai acompanhado de uma corte numerosa de funcionários civis, prontos a organizar o país à russa, a maneira que ele for conquistado. De modo que, apenas os Russos se estendam na Ásia Menor ou marchem sobre Constantinopla – a Inglaterra tem de dizer o seu «alto lá». Em qualquer destes casos, é a Índia que seria ameaçada, ou directamente ou no caminho que lá leva: daí a necessidade imediata de aumentar, num pé-de-guerra paralelo ao da Rússia, o exército da Índia, o que seria um encargo intolerável para a Índia e uma negação dos princípios económicos do Estado. A fazer tal, a Inglaterra prefere fazer a guerra. Junte-se a isto que a Rússia, desde a sua marcha progressiva na Ásia, e o inimigo natural da Inglaterra: que a Inglaterra quer mostrar a sua força e a sua influência; que está despeitada pela maneira falaz e tortuosa por que a Rússia conduziu as negociações anteriores à guerra – e sentir-se-á a popularidade da ideia da intervenção. Além disso a imprensa ministerial, em artigos frenéticos, pede claramente a guerra: e o Punch tinha razão outro dia – representando as penas aguçadas do Daily Telegraph, do Morning Post, do Pall Mall, espicaçando o enorme Leão Britânico para o fazer erguer-se e rugir. Este sentimento julgo-o geral: há porém uma corrente de paixão que já por duas vezes tem atravessado o país e que o conserva por um, dois dias, num estado de excitação, desejando a destruição da Turquia, como um pais bárbaro, massacrado, fora da civilização. Nesses dias fala-se em dar apoio à Rússia: repetem-se as lágrimas choradas sobre os massacres da Bulgária: pede-se que a frota vá bombardear Constantinopla. Esta exaltação de sentimento é levantada artificialmente por Gladstone e pela porção dos liberais que o seguem. A sua eloquência apaixonada, a sua convicção contagiosa, a altura do seu carácter, arrastam um momento: Gladstone quer que se abandone a Turquia, que se faça uma aliança com a Rússia, que se divida o Império Otomano. E por algum tempo todo o mundo pensa assim. Mas a exaltação abate-se, a sensibilidade recrescida acalma – a razão prática readquire os seus direitos, e o pais, arrefecido, continua a pensar que o sentimento perturba tudo e não edifica nada, que a sã política do ministério é a antiga tradição da Inglaterra – e que se alguma coisa há a fazer é dar um golpe na Rússia.



A opinião está muito preocupada também de um certo azedume de relações entre a Alemanha e a França. A Alemanha parece querer renovar as antigas reclamações a respeito dos armamentos consideráveis da França. Não é já hoje um segredo para ninguém que a meia demissão do príncipe de Bismarck foi sobretudo causada pela resistência que ele encontrava no imperador em tomar uma atitude francamente hostil à França. Bismarck e Moltke são a alma do partido da guerra – e, se não fosse a forte influência do partido da paz, quem sabe por que novas catástrofes teria passado o Ocidente da Europa. Este partido da paz é representando na corte pelo príncipe imperial e inspirado pela princesa, a Inglesa, como lhe chamam em Berlim: inteligente, instruída, enérgica, correspondendo-se com os homens mais ilustres da Inglaterra, ela tem uma grande influência, naturalmente, em seu marido e, além disso, no imperador. É diz-se, uma das colunas da paz. Um incidente curioso, que me foi particularmente contado, revela de resto a fragilidade desta situação: por ocasião dos anos do imperador da Alemanha tem sido costume do marechal Mac Mahon mandar um ajudante de ordens, com felicitações. Este ano o ajudante tardava. Grande alegria do partido da guerra. Era uma insolência francesa! Era uma desfeita! Era o primeiro acto hostil da desforra! O

príncipe imperial, assustado, vendo o seu pai descontente, mandou um telegrama para Paris, pedindo que o ajudante partisse logo e explicando que comentários perigosos se estavam formando. O ajudante, o marquês de Abzac, estava já em caminho: chegou na véspera dos anos do imperador! Desconsolação do partido da guerra! Triunfo do partido da paz – que levou o imperador a dar uma grã-cruz ao marquês de Abzac. No entanto, a França prepara tranquilamente a sua Exposição. Uma das curiosidades será a colecção de preciosidades que o príncipe de Gales trouxe da Índia. Ele mesmo foi examinar em Paris o lugar que lhe estava marcado. Diz-se que nessa noite, estando no palco do Théâtre Français e falando-se das peças novas que iriam por ocasião da Exposição, uma linda actriz lhe perguntou bruscamente: – E crê vossa alteza que a Exposição terá lugar? O príncipe, um pouco embaraçado, reflectiu e respondeu: – Com toda a certeza. O Transval, como sabem, foi anexado. Era previsto. Não se sabem ainda as razões detalhadas que levaram Sir Theophilus Storey a este passo extremo – mas parece que a dissolução da república era iminente: os bóeres tinham provocado uma guerra e recusavam-se a pagar os impostos para a sustentar: a república, sem meios, sem soldados, estava na véspera de uma invasão: todo o mundo bárbaro que a cerca, estava em armas: era de temer à primeira insurreição que houvesse no Sul de África um levantamento selvagem, em massa. Foi talvez para evitar este grave perigo – que Sir Theophilus Storey interveio. O território do Transval é grande como todo o reino de Itália e não tem mais de um milhão de habitantes. Parece que a anexação foi tranquila, além, naturalmente, dos protestos platónicos. Na acta de anexação o Transval é declarado estado livre, com toda a autonomia do governo local: as línguas holandesa e inglesa são consideradas igualmente oficiais: certos impostos são abolidos – e parece que o sentimento pacífico é tão grande que não foi necessária ainda a presença de tropas inglesas. É mais um grosso bocado do globo que entra para a vastidão da Inglaterra! Por esta ocasião alguns jornais têm falado de Lourenço Marques. Pintam-no como um país fértil, rico, de grande futuro, em plena anarquia: funcionários, instituições, edifícios, serviços públicos, actividade local – tudo é descrito como num estado desolador de dissolução e de inércia. O Pall Mall, jornal do governo, tem insistido nestes detalhes. De resto não é raro encontrarmos nos jornais ingleses estas pinturas falsamente carregadas de civilização portuguesa na África: e têm elas tomado um tal carácter de exageração injusta que ingleses estabelecidos na África têm julgado do seu dever estabelecer a justa verdade, e ultimamente nos jornais do Cabo encontravam-se apreciações extremamente favoráveis sobre o funcionalismo português em África – apresentando-o como ilustrado, de vistas liberais e de uma grande benevolência.



As novidades literárias são escassas. Relêem-se os livros velhos – sobretudo os que dizem respeito ao Oriente, à Turquia e à Rússia: em todas as lojas de livros se vêem edições recentes do Alcorão traduzido; e, como a Turquia é preocupação do momento, as revistas literárias dedicam artigos sólidos, laboriosamente compilados pelo método inglês, à literatura e poesia turcas. Tem-se lido muito, todavia, o novo livro do deputado Jeckins, autor de Xinx’s Baby; este novo romance ou panfleto romantizado chama-se Devil’s Chain («Cadeia do Diabo») e tem-se vendido em pouco tempo vinte mil exemplares! É uma pintura violenta, colérica, da embriaguez em Inglaterra: este grande vício nacional, e as suas fatalidades, está contado em episódios lúgubres, num estilo concentrado e nervoso, a largos traços, de um modo impressionador: vêem-se todas as classes, todos os caracteres, todas as idades, virgens, mães, sacerdotes, operários, juizes, lordes, ministros de Estado, a Inglaterra inteira, arrastada pelo brande, pelo gim, pela aguardente, à perdição, ao vício, à miséria, à desonra, ao crime, à morte! E um pais todo que rola para o abismo, cambaleando de bêbedo. É a grande Cadeia do Diabo! Satanás

prende-os uns aos outros por um vício comum – o álcool – e, a grandes vergastadas, vai-os atirando para o inferno. E, no meio desta catástrofe, um só homem prospera, engorda, sorri e triunfa – o destilador, o preparador do álcool, o dono das mil tabernas. Mas lá lhe vem o seu castigo: o único filho, o único herdeiro, de copo de aguardente em copo de gim, vem a morrer, miserável, num quarto de acaso, vagamente cumpliciado num crime! O livro perde pela sua exageração bíblica. Tratado com mais realidade, causaria mais convicção.



A season vai monótona. Janta-se pouco, recebe-se pouco, dança-se pouco. O tempo tem estado áspero. A grande attraction é naturalmente a exposição anual de pinturas. Não se pode ver em detalhe, porque nestes primeiros tempos a multidão toma às vezes as proporções confusas de uma bernarda. Empurra-se, escorrega-se, pisa-se, vai-se, é-se levado – e vêem-se de longe, nas paredes, as cores reluzir vagamente e os dourados dos caixilhos cintilar: mais nada. A primeira impressão, porém, é que a exposição é medíocre: milhares de quadros, imenso talento despendido, uma extraordinária habilidade de execução – mas nenhuma obra que faça pensar. Os assuntos não têm ideia: são motivos, pretextos para correr: basta dizer que os dois grandes pintores de Inglaterra, Leighton e Millais – um expõe uma «menina vendo-se a um espelho», o outro «um veterano»! E o que estes dois grandes artistas têm a dizer este ano! Quando a gente, no colégio, aprende aguarela, copia assuntos com mais ideia e mais intenção.
Os concertos wagnerianos têm tido um sucesso. São compostos das principais partes das óperas de Wagner, sobretudo da sua última trilogia heróica, Os Nibelungos: muitos dos cantores que executaram a ópera em Bayreuth vieram a Londres – entre eles Madame Madonna, a prima-dona do maestro, a favorita, a sua grande interpretadora. Nestes concertos, naturalmente, fala-se muito de Wagner, das suas excentricidades, do seu orgulho, do seu génio, dos seus hábitos. Um artista que esteve em casa dele em Bayreuth, conta-me alguns traços curiosos. O maestro trabalha num salão enorme, com janelas imensas que abrem sobre um jardim, em cima de uma mesa de mármore. Está às vezes quinze a vinte dias sem escrever uma nota: de repente a imaginação vem: o maestro sente-a, e veste imediatamente o seu fato de trabalho. E um costume de veludo, à maneira dos camponeses alemães da Renascença. Abre todas as janelas e escreve doze a quinze horas a fio, atirando os papéis de música para o chão, até haver em toda a sala uma camada espessa. Não emenda, nem corrige. Quando não trabalha passeia só pelos campos adoráveis de Bayreuth, com dois enormes cães terra-nova, que o não deixam. Quando em Bayreuth ele entra num café, todo o mundo o segue, se descobre e deixa de fumar!
Não há por ai ninguém que queira ir explorar a Roidaima? A Roidaima é a grande maravilha geográfica destes tempos. Viajantes exploradores, na Guiana Inglesa, encontraram ultimamente uma montanha de granito, na forma de um dado colossal: os lados são perfeitamente a pique, perpendiculares: o plano superior está a uma altura de alguns mil pés: com fortes óculos de alcance vê-se que há, em cima, uma floresta, e deduz-se, por pássaros de várias formas que se vêem voar, que além de toda uma flora é toda uma vida animal: haverá homens? Nunca ninguém lá subiu, nunca ninguém de lá desceu; que mistério há ali? Desde o começo do mundo aquele país aéreo está intacto, inexplorado, virgem. É decerto habitado: provam-no as arvores, os pássaros, a água doce que cai em cascatas pelo lado do monte: a largura em cima é de duas léguas. Que espécie de homens habitam ali? Que raça? Que língua falam? Desde Adão, segundo a Bíblia, ou desde o primeiro macaco, segundo Darwin – habita ali uma tribo, uma nação.
Que civilização tem? Que estranhos animais se encontrarão ainda lá? Que estranhas árvores? Os jornais ingleses pedem, à uma, que se organize uma exploração, com balões, para subir lá e ver! Confesso que é tentador: quantas maravilhas a ciência poderá ali encontrar! É bem possível que lá vivam muitas das raças animais que no resto do globo desapareceram. E que sensação a do explorador que, ao descer da barquinha do balão, ao aportar àquele mundo aéreo – visse um ser felpudo, um imenso macaco humano, fazendo pastar tranquilamente um rebanho de mastodontes?

Crônicas de Segunda na Usina: machado de Assis: 15 DE MAIO DE 1863:

Se me fosse dado escrever uma crônica política, esta seria de todas as minhas crônicas a mais farta e a mais interessante. Com efeito, a situação a que pôs termo o decreto de 12 do corrente marca, na história do império, um dos mais graves e embaraçosos momentos; e a mais simples exposição do meu pensamento, em relação à gravidade do caso e ao alcance da medida, bastaria para encher o espaço de três crônicas. 
Os ingleses têm, entre outras manias, a mania de grandes e singulares apostas. Não menos ingleses foram muitos dos nossos políticos que, confiado cada qual na sua impressão ou na sua esperança, lançaram-se aventura e ao azar da fortuna. Qual, apostava cem bilhetes da loteria afirmando a conservação da câmara temporária; qual, punha a sua fortuna em jogo, se alguém a quisesse aceitar, afirmando a conservação do gabinete; e neste movimento escoaram-se os dias que mediaram entre a abertura do parlamento e a dissolução da câmara. 
Os mais espertos, dos tais que vivem 
... aux dépens de celui qui l’écoute, afirmavam, uns a dissolução, outros o adiamento, outros a queda dos ministros, isto com um ar de iniciados nos segredos de cima, que faria rir ao mais grave e sisudo deste mundo. 
O que é certo é que o ano de 1863 é e há de ser fecundo em acontecimentos. Aguardamos o que vier, e deixemos a apreciação do decreto de 12 de maio, não sem registrá-lo como uma data de regeneração. Fora da arena política nenhum acontecimento de alta importância prendeu a atenção pública; e se algum houve não teve o devido efeito em meio de tão graves preocupações. 
Estava eu nestes cuidados, quando recebi uma carta acompanhada de um rolo de papel. 
A carta dizia: 
“Aí vão as páginas que te prometi. Não contando que desses publicidade à minha carta, guardava-me para concluir mais detidamente este trabalho. Já que foste indiscreto, paga a culpa da tua indiscrição. O que aí vai foi escrito às pressas; podia valer um pouco mais; assim nada vale. É do teu dever publicar estas linhas, e do meu assinar-me – Teu amigo – S.” 
Abri o rolo e li na primeira página: Um parênteses na vida. A obsequiosidade do meu amigo Faustino de Novaes veio em meu auxílio: o começo de Um parênteses na vida vai publicado neste volume. 
Essa novela é um fato pessoal, ou pura imaginação de poeta? 
Tentei resolver este problema; procurei através de cada período a realidade ou a fantasia do assunto, e confesso que fiquei sabendo o que sabia. Seja como seja, leia o leitor o conto e julgue-o como lhe parecer. 
Com a chegada do inverno vai o público dispensando alguma atenção com os teatros. O lírico, além dessa circunstância, tem a seu favor o fato de haver contratado novos artistas. Entre estes, figura o barítono português Antonio Maria Celestino. 
A circunstância da sua nacionalidade que, por costumes e língua tão irmã é da nossa, serviu-lhe de senha para a simpatia pública. Sobre isso valeu-lhe o seu mérito intrínseco; e o aplauso público coroou-lhe os louváveis esforços. 
As reflexões que me sugere o teatro lírico, as apreensões que nutro acerca dele, e que peço licença para não divulgar, levam-me naturalmente a considerações gerais a respeito do teatro. Tudo, porém, desaparece momentaneamente, diante de um caso triste: o ator João Caetano dos Santos acha-se gravemente enfermo. 
Deve ser indiscutível para todos o mérito superior daquele artista; e as nações que sabem fazer caso destas glórias, devem sentir-se comovidas sempre que a morte as inscreve no livro da posteridade. Por isso, ao boato falso do falecimento do criador de Cinna o público comoveu-se; e hoje é certo que só há um desejo unânime: a vida de João Caetano dos Santos.

Crônicas de Segunda na Usina: Lima Barreto: Pólvora e cocaína :



Já houve quem dissesse por aí que o Rio de Janeiro é a cidade das explosões. 
Na verdade, não há semana em que os jornais não registrem uma aqui e ali, na parte 
rural. 
A idéia que se faz do Rio é de que é ele um vasto paiol, e vivemos sempre ameaçados de ir pelos ares, como se estivéssemos a bordo de um navio de guerra, ou habitando uma fortaleza cheia de explosivos terríveis. 
Certamente. que essa pólvora terá toda ela emprego útil; mas, se ela é indispensável para certos fins industriais, convinha que se averiguassem bem a causas das explosões, se são acidentais ou propositais, a fim de que fossem removidas na medida do possível.. 
Isto, porém, é que não se tem dado e creio que até hoje não têm as autoridades chegado a resultados positivos. 
Entretanto, é sabido que certas pólvoras, submetidas a dadas condições, explodem espontaneamente e tem sido essa a explicação para uma série de acidentes bastante dolorosos, a começar pelo do “Maine”, na baía de Havana, sem esquecer também o do “Aquidabã”. 
Noticiam os jornais que o governo vende, quando avariada, grande quantidade dessas pólvoras. 
Tudo está a indicar que o primeiro cuidado do governo devia ser não entregar a particulares tão perigosas pólvoras, que explodem assim sem mais nem menos, pondo pacificas vidas em constante perigo. 
Creio que o governo não é assim um negociante ganancioso que vende gêneros que possam trazer a destruição de vidas preciosas; e creio que não é, porquanto anda sempre zangado com os farmacêuticos que vendem cocaína aos suicidas. 
Há sempre no Estado curiosas contradições. 
Vida urbana, 5-1-1915