quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Poesia De Quinta Na Usina:Machado de Assis: A Augusta.


1859

Em teu caminho tropeçaste — agora!
Cala esse pranto, minha pobre flor.
Caída mesmo — tropeçando embora,
Conserva a alma um último pudor.
Deve ser grande esse martírio lento...
Já nos espinhos a minha alma pus;
Sou como um Cireneu do sofrimento;
Deixa-me ao menos carregar-te a cruz.
Eu sei medir as lágrimas vertidas
Na sombra e só sem uma mão sequer!
Vês tu as minhas pálpebras doridas?
Têm chorado talvez por ti, mulher!
É fraqueza chorar? chorei contigo;
Que a mesma nos banhou de luz
Como em mim um pesar profundo e antigo
No falar dessa fronte se traduz!
Sei como custa desfolhar um riso
Em face às turbas, que o senti por mim,
Ver o inferno e falar do paraíso,
Sentir os golpes e abraçar Caim!
Chorei, que prantos! Prometeu atado
Ao rochedo da vida e sem porvir!
Poeta neste século infamado
Que mata as almas e condena a rir.
Cansei, perdi aquela fé robusta
Que como a ti, nos sonhos me sorriu;
Na identidade do calvário, Augusta,
Bem vês como o destino nos mentiu!
Ergue-te pois! A redenção agora
Dá-te mais viço, minha pobre flor!
Se tropeçaste no caminho embora!

Na tua queda é-te bordão — o amor!

Poesia De Quinta Na Usina: Machado De Assis: MUSA DOS OLHOS VERDES:

Musa dos olhos verdes, musa alada,
Ó divina esperança,
Consolo do ancião no extremo alento,
E sonho da criança;
Tu que junto do berço o infante cinges
Cos fúlgidos cabelos;
Tu que transformas em dourados sonhos
Sombrios pesadelos;
Tu que fazes pulsar o seio às virgens;
Tu que às mães carinhosas
Enches o brando, tépido regaço
Com delicadas rosas;
Casta filha do céu, virgem formosa
Do eterno devaneio,
Sê minha amante, os beijos recebe,
Acolhe-me em teu seio!
Já cansada de encher lânguidas flores
Com as lágrimas frias,
A noite vê surgir do oriente a aurora
Dourando as serranias.
Asas batendo à luz que as trevas rompe,
Piam noturnas aves,
E a floresta interrompe alegremente
Os seus silêncios graves.
Dentro de mim, a noite escura e fria
Melancólica chora;
Rompe estas sombras que o meu ser povoam;

Musa, sê tua a aurora!

Poesia De Quinta Na Usina:Fernando Pessoa: Bocas Roxas.



Bocas roxas de vinho,
Testas brancas sob rosas,
Nus, brancos antebraços
Deixados sobre a mesa;
Tal seja, Lídia, o quadro
Em que fiquemos, mudos,
Eternamente inscritos
Na consciência dos deuses.
Antes isto que a vida
Como os homens a vivem
Cheia da negra poeira
Que erguem das estradas.
Só os deuses socorrem
Com seu exemplo aqueles
Que nada mais pretendem

Que ir no rio das coisas.

Poesia De Quinta Na Usina: Fernando Pessoa: A Falência do Prazer e do Amor:



I
Beber a vida num trago, e nesse trago
Todas as sensações que a vida dá
Em todas as suas formas...
Dantes eu queria
Embeber-me nas árvores, nas flores,
Sonhar nas rochas, mares, solidões.
Hoje não, fujo dessa idéia louca:
Tudo o que me aproxima do mistério
Confrange-me de horror. Quero hoje apenas
Sensações, muitas, muitas sensações,
De tudo, de todos neste mundo — humanas,
Não outras de delírios panteístas
Mas sim perpétuos choques de prazer
Mudando sempre,
Guardando forte a personalidade
Para sintetizá-las num sentir.
Quero
Afogar em bulício, em luz, em vozes,
— Tumultuárias cousas usuais —
o sentimento da desolação
Que me enche e me avassala.
Folgaria
De encher num dia... num trago,
A medida dos vícios, inda mesmo
Que fosse condenado eternamente —
Loucura! — ao tal inferno,

A um inferno real.

Poesia de Quinta Na Usina: Que seja Rosa:


Que seja Rosa o ano do teu cuidar.
Que seja Rosa o mês do teu viver.
Que seja Rosa, Outubro, Novembro, Dezembro...
Que seja Rosa a semana do teu pensar.
Que sejam Rosa os dias do teu querer.
Que sejam Rosa as horas do teu ser.
Que sejam Rosa os minutos do teu fazer.
Que seja simplesmente Rosa, Maria, Joaquina, Josefa, Sophia ...
Que seja Rosa, Branca, Preta, Mulata, Mestiça, Parda, Amarela ou Índia.
Que seja sempre Rosa a paz que em ti habita, e que possa espalhar esta
paz por entre todas as outras Rosas, em cada segundo do teu bem viver.
Que seja Rosa com perfume de todas as Rosas, você Mulher.

Que seja Rosa, seja qual for o perfume ou a cor.

D'Araújo.


Poesia de Quinta Na Usina: Flores para cegos:



Como é doloroso um Jardim de belas flores, onde
os olhos externos fingem serem cegos, para não verem
a beleza que há em cada olhar.
Almas em prantos, a sonharem com o tempo que vem,
na esperança de esquecerem o tempo que foi.
E assim poder novamente exalar todo perfume que há

nas novas primaveras do novo tempo que virá.