quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Luta:

 


Da ilusão nasce à possibilidade

Da possibilidade nasce o sonho

Do sonho nasce à esperança

Da esperança nasce à luta

Da luta nasce o fato.

Poesia de quinta na Usina: D'Araújo: Fuga:

 


Podemos fugir, nos esconder e até negarmos

Nossos desejos.

Mas nunca conseguiremos nos esconder

Das nossas necessidades.

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: A arte:

 


A arte não é uma propriedade

Do pensamento intelectual do autor,

Mas uma extensão para evolução do raciocínio lógico

Do próprio leitor.

Arte não é uma ilusão, e sim o prazer

Do sentimento coletivo pleno.

Poesia de Quinta na Usina: Cruz e Souza: LIRIAL:



Vens com uns tons de searas,
De prados enflorescidos
E trazes os coloridos 
Das frescas auroras claras.
E tens as nuances raras
Dos bons prazeres servidos
Nos rostos enlourecidos
Das parisienses preclaras.
Chapéu das finas elites,
De rosas e clematites,
Chapéu Pierrette — entre o sol
Passando, esbelta e rosada,
Pareces uma encantada
Canção azul do Tirol.

Poesia de Quinta na Usina: Cruz e Souza: ETERNO SONHO:



Talvez alguém estes meus versos lendo
Não entenda que amor neles palpita,
Nem que saudade trágica, infinita
Por dentro deles sempre está vivendo.
Talvez que ela não fique percebendo
A paixão que me enleva e que me agita,
Como de uma alma dolorosa, aflita
Que um sentimento vai desfalecendo.
E talvez que ela ao ler-me, com piedade,
Diga, a sorrir, num pouco de amizade,
Boa, gentil e carinhosa e franca:
— Ah! bem conheço o teu afeto triste...
E se em minha alma o mesmo não existe, 
É que tens essa cor e é que eu sou branca!

Poesia de Quinta na Usina: Cruz e Souza: CRENÇA;



Filha do céu, a pura crença é isto Que eu vejo em ti, na vastidão das cousas, 

Nessa mudez castíssima das lousas, No belo rosto sonhador do Cristo.
A crença é tudo quanto tenho visto Nos olhos teus, quando a cabeça pousas 
Sobre o meu colo e que dizer não ousas
Todo esse amor que eu venço e que conquisto.
A crença é ter os peregrinos olhos Abertos sempre aos ríspidos escolhos; 
Tê-los à frente de qualquer farol
E conservá-los, simplesmente acesos Como dois fachos 
— engastados, presos Nas radiações prismáticas do sol!

Poesia de Quinta na Usina: Mário Quintana: O segundo mandamento:


Bem sei que não se deve dizer o Seu Santo nome em [Vão.
Mas, agora,
o seu nome é apenas uma interjeição
como acontece com Minha Nossa Senhora! este belíssimo grito tão certamente errado
como o faz tanta vez o povo em suas descobertas. A voz do Povo é um Livro de Revelações.
Só tem que o tempo as foi sedimentando em sucessivas [camadas
E elas agora nos dizem tanto como uma pedra.
Agora restam-nos apenas as palavras técnicas pertencentes ao vocabulário inerte dos robôs.
Porém um dia as pedras se iluminarão milagrosamente [por dentro.
porque só termina para todo o sempre o que foi [artificialmente construído...
Um dia,

um dia as pedras gritarão!

Poesia de Quinta na Usina: Mário Quintana: Sei que choveu à noite:


Sei que choveu à noite. Em cada poça há um brilho [azul e nítido.
Sobre as telhas, os diabinhos invisíveis do vento [escorregam num louco tobogã.
Um mesmo frêmito agita as roupas nos varais e os
[brincos nas orelhas...
Ó ânsia aventureira! Parece que surgem bandeirolas [nos dedos mágicos dos inspetores do tráfego... Ah, [que vontade de desobedecer os sinais!
E mesmo as escolas, onde agora está presa a [meninada, nunca essas escolas rimaram tão bem [com opressivas gaiolas...
Só deveria haver escolas para meninos-poetas, onde
[cada um estudasse com todo o gosto e vontade o que traz na cabeça e não o que está escrito nos
[manuais.
E, se duvidares muito, daqui a pouco sairão voando [todas as gravatas-borboletas, enquanto os seus [donos atônitos aguardam o sinal verde nas esquinas.
[Decerto elas foram em busca de novos ares...
Mas sossega, coração inquieto. Não vês? Sob o azul [cada vez mais azul, a cidade lentamente está zarpando [para um porto fantástico do Oriente.


Poesia de Quinta na Usina: Mário Quintana: Era um lugar:



Era um lugar em que Deus ainda acreditava na gente...
Verdade
que se ia à missa quase só para namorar mas tão inocentemente
que não passava de um jeito, um tanto diferente, de rezar enquanto, do púlpito, o padre clamava possesso
[contra pecados enormes.
Meu Deus. até o Diabo envergonhava-se. Afinal de contas, não se estava em nenhuma [Babilônia...
Era, tão só, uma cidade pequena,
com seus pequenos vícios e suas pequenas virtudes: um verdadeiro descanso para a milícia dos Anjos com suas espadas de fogo.
- um amor!
Agora, aquela antiga cidadezinha está dormindo para [sempre
em sua redoma azul, em um dos museus do Céu.