quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: O homem e a pedra:



O homem subiu até a pedra

A pedra subiu ao homem

Ou será que o homem era pedra

Ou a pedra que era o homem.

 

A brisa resfria a pedra

O sol aquece o homem

Que um dia foi pedra

 

E a brisa resfria a pedra

Que um dia também já foi o homem.

Aqui jaz o homem pedra

E a pedra que gera o homem.

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Como!:

 



Como extirpar um sentimento visceral e incontrolável!

Como separar um ser, com um único desejo!

Como matar o amor!

Como excomungar a dor!

E como tampar um vazio da alma!

Como simplesmente livrar-se de si mesmo.

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Escravos do imaginário:



As correntes que outrora escravizavam
Almas alheias
Foram - se com os navios negreiros
Que submergiram em um vale de lágrimas

Restou o dinheiro
Que hoje torna homens de almas puras
Em escravos de uma consciência imaginária
Com artifícios incoerentes.

Voltaram-se as correntes
Que nem mesmo a gente quer acreditar
E às vezes chego a pensar que o Criador
Não escuta tanta dor neste imenso calor

E o ardor que chega a ser desumano
Por quê? Tanto engano.
E um ser a ladear faíscas de esperanças
No romper da aurora
De novos sonhos de liberdade
Pelo sangue derramado.

Poesia de Quinta na Usina: Alphonsus de Guimarães: Árias e canções III:



A suave castelã das horas mortas

Assoma à torre do castelo. As portas,

Que o rubro ocaso em onda ensangüentara,

Brilham do luar à Luz celeste e clara.

Como em órbitas de fatais caveiras

Olhos que fossem de defuntas freiras,

Os astros morrem pelo céu pressago...

São como círios a tombar num lago.

E o céu, diante de mim, todo escurece...

E eu nem sei de cor uma só prece!

Pobre Alma, que me queres, que me queres?

São assim todas, todas as mulheres.

Hirta e branca... Repousa a sua áurea cabeça

Numa almofada de cetim bordada em lírios.

Ei-la morta afinal como quem adormeça

Aqui para sofrer Além novos martírios.

De mãos postas, num sonho ausente, a sombra espessa

Do seu corpo escurece a luz dos quatro círios:

Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa

Da Idade Média, morta em sagrados delírios.

Os poentes sepulcrais do extremo desengano

Vão enchendo de luto as paredes vazias,

E velam para sempre o seu olhar humano.

Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,

Alveja, embalsamando as brancas agonias

Na sonolenta paz desta Câmara-ardente...

Poesia de Quinta na Usina: Alphonsus de Guimarães: Pulcra ut Luna II :



Celeste:... É assim, divina, que te chamas.

Belo nome tu tens, Dona Celeste...

Que outro terias entre humanas damas,

Tu que embora na terra do céu vieste?

Celeste... E como tu és do céu não amas:

Forma imortal que o espírito reveste

De luz, não temes sol, não temes chamas,

Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.

Incoercível como a melancolia,

Andas em tudo: o sol no poente vasto

Pede-te a mágoa do findar do dia.

E a lua, em meio à noite constelada,

Pede-te o luar indefinido e casto

Da tua palidez de hóstia sagrada.

Poesia de Quinta na Usina: Alphonsus de Guimarães: Ossa Mea I :





Mãos de finada, aquelas mãos de neve,

De tons marfíneos, de ossatura rica,

Pairando no ar, num gesto brando e leve,

Que parece ordenar, mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve

Alguém que ante os altares sacrifica:

Mãos que consagram, mãos que partem breve,

Mas cuja sombra nos meus olhos fica...

Mãos de esperança para as almas loucas,

Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,

Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,

Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,

Cerrando os olhos das visões defuntas...

Poesia de Quinta na Usina: Primeiras trovas Burlescas: —11 —:

 


Em feia noite como esta

Enchendo o ar de pavor!

Oiço, oh! oiço entre os meus prantos

Alem dos mares os cantos

Das minhas aves de amor!

Oh nuvem da madrugada,

Oh viração do arrebol,

Leva meu corpo á morada

D'aquella terra do sol!

Morto embora nas cadeias

Vai poisal-o nas areias

D'aquelles plainos d'alem,

Onde me chiarem gemidos,

Pobres ais, prantos sentidos,

Na sepultura que tem 1

Escravo—não, inda vivo,

Inda espero a morte ali;

Sou livre embora captivo,

Sou livre, inda não morri!

Meu coração bate ainda

N'esse bater que não finda;

Sou homem—Deus o dirá!

D'este corpo desgraçado

Meu espirito soltado

Não partiu—ficou-me lá!

São Paulo—1850.

NOTA.

0 Esta bella producção foi-nos dada pelo seu il-

Iustre autor o Exm. Snr. Dr. José Bonifácio de Andrada

e Silva, publicamol-a na frente do nosso obscuro

volume para nos servir de Abracadabra, nos mares

tempestuosos das censuras, e nas horridas ambages

do sórdido egoísmo dos monopolistas.

Poesia de Quinta na Usina: PRIMEIRAS TROVAS BURLESCAS:



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N'aquellas quentes areias

N'aquella terra de fogo,

Onde livre de cadeias

Eu corria em desafogo...

Lá nos confins do horisonte...

Lá nas planícies... nos montes..

Lá nas alturas do céo....

De sobre a matta florida

Esta minh'aíma perdida

Não veio—só parti eu.

A liberdade que eu tive

Por escravo não perdi-a;

Minh'alma que lá só vive

Tornou-me a face sombria,

O zunir do fero açoite

Por estas sombras da noite

Não chega, não, aos palmares!

Lá tenho terras e flores....

Minha mãi os meus amores....

Nuvens e céus.... os meus lares!

Não perdi-a—que é mentira

Qu'eu viva aqui onde estou;

A' toda hora suspira

Meu coração—p'ra lá vou!

Oiço as feras da floresta.

***

Poesia de Quinta na Usina: PRIMEIRAS TROVAS BURLESCAS:



— c —

_ 7 —

Sam folhas de adurente cansanção,

Remédio para os parvos aVexcellencia;

Que aos arrobos cedendo da loucura,

Aspiram do polciro alta eminência.

E podem collocar-se á retaguarda

Os venerandos sábios de influencia;

Que o trovista respeita submisso,

Honra, pátria, virtude, intelligencia.

Só corta, com vontade, nos malandros

Que fazem da Nação seu Monte-pio;

No remisso empregado, sacrvpante,

No^lorpa, no paralta e no vadio.

A' frente parvalhoens, heroes Quixotes,

Borrachudos Baroens da traíicancia;

Quero ao templo levar do grão Sumano

Os pejados fardeis d'ignorancia.