domingo, 24 de outubro de 2021

INSÔNIAS: D'Araújo:


 

Eternas manhãs de julho


Acordo com o vento gelado
que corta a minha doce alma,
Em uma manhã de segunda-feira
quase serviçal.
Atormentado com os meus
pensamentos fúteis e desconexos...,

Poema na integra no livro:



Dante Alighieri: A Divina Comédia: Inferno:


 
Quais estorninhos, que a voar se travam Em densos bandos na estação já fria,
42 Em rodopio as almas volteavam,
Ao capricho do vento, que as trazia.
De pausa não, de menos dor a esp'rança
45 Conforto lhes não dá nessa agonia.
Como nos ares longa série avança
De grous, que vão cantado o seu grasnido,
48 Assim no gemer seu, que não descansa,
Traz o tufão as sombras desabrido.
— “Mestre” — disse eu — “quais almas são aquelas
51 Que o vendaval fustiga denegrido?”
— “A primeira” — tornou Virgílio — 
“entre elas De quem notícias ter desejarias,
54 Regeu nações, diversas nas loquelas.
“De luxúria fez tantas demasias
Que em lei dispôs ser lícito e agradável
57 Para desculpa às torpes fantasias.
“Semíramis chamou-se: o trono estável 
Herdou de Nino e foi a sua esposa.
60 Do Soldão teve a terra memorável.
“A morte deu-se a outra, de amorosa, 
Às cinzas de Siqueu traidora e infida; 
63 Cleópatra após vem luxuriosa”.

Crônicas de Segunda na Usina: Machado de Assis:15 DE MARÇO DE 1863:


Falei na minha crônica passada de uma reunião literária para instituir leituras públicas. Essa reunião não se efetuou como era de desejar, mas, pelo que me consta, trata-se de dar começo a propaganda da idéia. Já a aplaudi rápida e sinceramente. O que tenho de fazer agora é transcrever aqui a carta pela qual o Sr. A. de Pascual, iniciador da idéia, convidou para a reunião o poeta A. E. Zaluar. Nessa carta vão, apontados a utilidade e os exemplos das leituras públicas. O leitor, se é literato, fica convocado por ela: 
“Meu caro Zaluar, 
Foram os primeiros leitores públicos os homens de letras da livre e pensadora Grécia: Platão, Pitágoras e Aristóteles, Epicuro e Homero doutrinaram o povo, nas alamedas, nos jardins acadêmicos e peripatéticos, e mesmo mendigando nas ruas. 
Esse modo popular de instruir o povo, deleitando-o e acostumando-o ao belo, passou por muitas modificações até atermar-se nas universidades da idade média. 
O brado protestante dos reformadores alemães tornou popular o ensino dos gregos: Lutero, Heiss, Calvino, Melanchton, Zwinglio, etc., foram leitores públicos, mas o exclusivismo da Igreja Católica cortou as asas da leitura feita às massas, e limitou-a as acanhadas proporções da universidade, do Port-Royal e do templo, contrariando assim as tradições da sabedoria helênica e da liberdade cristã. Não deixou ouvir mais as vozes dos Paolos nas praças e encruzilhadas, nem outorgou o direito do livre pensamento, sufocando nas fogueiras públicas da Inquisição as centelhas do espírito humano ilustrado. 
A revolução francesa, e o sistema constitucional dela oriundo, as modificações liberais por que passaram os séculos 18 e 19, ressuscitaram esse elemento de propaganda instrutiva para os povos, adotando a raça alemã e anglo-saxônica, pensadora e livre, o que haviam abafado os dominadores dos séculos baixos e supersticiosos. 
Sem pretender remontar-me aos primeiros tempos da Inglaterra livre – Cromwell; da Itália dos Machiaveli da França de 1793; da Espanha comuneira do século 16 (1520) e da Alemanha protestante, direi que na atualidade primam como leitores públicos homens de estado consumados, literatos de primeira ordem, clérigos de acentuada inteligência, e fidalgos de antigos brasões. 
Lord Derby, M.Gladstone, Lord John Russell e Lord Palmerston dão leituras públicas nos nossos dias, nos centros populosos da Grã-Bretanha. 
Charles Dickens, o romancista inglês por antonomásia, dá-as agora mesmo em 
Paris; o sábio Dr. Simons, alemão, fez em 1850 uma pingue fortuna nos Estado Unidos; Kossuth, o governador da Hungria em 1848, o abade Gabazzi, o célebre padre Ventura e muitos outros não menos conhecidos talentos deram e dão leituras em Paris, Londres, nos Estados Unidos, na Itália e mesmo na panteísta Alemanha, onde esta classe de instrução popular tem alcançado o auge da popularidade. 
V. sabe que nos Estados Unidos, na Inglaterra e nas grandes cidades alemãs são preferidas estas leituras de viagens, novelas, biografias, história e ciências aos teatros, ateneus e templos, devendo-se notar que o povo paga para ouvir os leitores com maior gosto do que para assistir grátis aos templos e academias. 
As vantagens derivadas destas leituras são imensas e eminentemente populares, e ao seu talento deixo o desenvolvimento de tão interessante tópico. 
A indústria intelectual não pode por enquanto, — balda de fervorosos apóstolos, — arcar com o charlatanismo dos especuladores da matéria, traduzido em divertimentos públicos; mas, tende fé na inteligência, e lutai com denodo para tornar familiar entre as massas a instrução, de que tanto carecem para apreciar no seu justo valor a própria dignidade de seres intelectuais e livres.” 
Dizer mais e melhor relativamente à idéia, me parece trabalho entrego essas linhas à reflexão do leitor. 
Tenho presente dois livros; ambos novos, ambos portugueses. Um é o Esboço histórico de José Estevão, por Jacintho Augusto Freitas de Oliveira. Escrúpulos de consciência me fazem confessar a verdade, e vem a ser que eu, deste volume, não li mais do que uma dúzia de páginas. Se isto não basta para julgar da fidelidade com que o autor apreciou os acontecimentos políticos que cercam a vida de José Estevão, é suficiente para adquirir-se a certeza de que o finado orador português encontrou no seu biógrafo o mais sincero e entusiasta admirador dos seus talentos e das suas grandes qualidades políticas. 
Notarei que o Sr. Freitas de Oliveira não se iludiu sobre o dever que lhe incumbia a resolução de escrever sobre José Estevão; e é de ver-se a honestidade com que no prólogo declara que não lhe vão exigir imparcialidade, porque escreve com as lágrimas nos olhos pela perda do amigo. 
O volume, contendo quatrocentas páginas, encerra alguns fragmentos dos admiráveis improvisos de José Estevão. Relendo essas páginas, desentranhadas do todo das orações, trazidas para o livro, na ordem dos sucessos, mais uma vez se vê quanto perdeu a tribuna política de Portugal na morte do fundador da revolução de setembro... 
A afeição que o Sr. Freitas de Oliveira protesta no prefácio da obra é confirmada nas poucas páginas que tal é o respeito e a admiração filiais com que o autor fala do extinto orador. As suas escusas literárias é que se não confirmam: o livro me parece bem escrito; e para concluir, acrescentarei que certas considerações gerais que acabo de passar pelos olhos notam-se tanto pelo fundo de verdade, como por certa aspereza de tom perfeitamente cabida no que fala em nome da probidade e da coerência política. 
O outro tem por título Luz coada por ferros. É uma série de romances da Sra. D. Anna Augusta Plácido. Traz na frente o retrato da autora. 
Má idéia essa, que previne logo o espírito em favor da obra, por não poder a gente conciliar a idéia de piores produções com tão inteligentes olhos. Felizmente que a leitura confirma os juízos antecipados. A Sra. D. A. A. Plácido é o que dela disse o Sr. Julio César Machado no prefácio da obra, para o qual remeto os leitores. 
A sensibilidade é o primeiro dom das mulheres escritoras; a autora de Luz coada por ferros possui esse dom em larga escala; há períodos seus que choram e fazem comover pelo sentimento de que se acham repassados; outras vezes a escritora compraz-se em nos fazer enlevar e cismar. 
É, talvez, por isso que não tem nota, se os há dos senões do livro. Do nome e da obra tomei nota como obrigação firmada para futuros escritos. 
Uma mulher de espírito é brilhante preto; não é coisa para deixar-se cair no fundo da gaveta. 
Estou no capítulo das escritoras. Depois da portuguesa aí vem a brasileira, contemporâneas no aparecimento, para confirmar, na ordem literária, a coincidência que se verifica muitas vezes na ordem política entre os dois países. 
Com o título de Gabriela, representou-se ultimamente no Ginásio um drama da Sra. D. Maria Ribeiro. Circunstâncias especialíssimas não me permitiram assistir a essa estréia, o que não importou nada a certos respeitos, visto que eu já conhecia a peça em questão. 
Fez-me a Sra. D. Maria Ribeiro a honra de comunicar a sua peça antes da exibição. Transmiti-lhe as minhas impressões em uma carta, impressões e não juízo, que tal não me cabia na ocasião fazer. Essas impressões foram das melhores, e, se não me fosse faltando espaço, as reproduziria aqui sucintamente. 
A esta hora terão as grandes folhas dado o seu juízo acerca da peça; creio que serão unânimes e acordes comigo, salvo meros reparos de pormenores. 
Dando sinceros parabéns a Sra. D. Maria Ribeiro e à literatura nacional, conto e espero, como espera a segunda, novas e cada vez melhores irmãs de Gabriella.

Crônicas de Segunda na Usina: D'Araújo: A roda da existência baseada no consumo:




Inadvertidamente um dia a gente nasce, somos celebrados pela chegada, mas ninguém nos avisa para aproveitarmos a infância, pois seus dias fora das obrigações do perverso sistema passam como um relâmpago, e as tempestades logo chegaram, Somos todos treinados, conduzidos e induzidos, a sonhar, a ter, a possuir a comprar para que possamos nos encaixar em uma roda viva, onde a parte de cima te oferece a matéria prima e a parte de baixo gira a roda todos os dias da nossa breve vida, dormimos acordamos trabalhamos, voltamos para casa e o espelho das desgraças nos diz a todos o que devemos pensar falar, comer, vestir, ouvir, e assim seguimos os condutores da roda sem nunca nos perguntarmos, é isso que eu sou, é isso que eu quero, é isso que eu sonho. Não, eles nos mantém suficientemente ocupados em saber, o que vamos vestir se está calor se está frio, ou se só sentamos e assistimos a nova alvorada em nossos pijamas de bolinhas se assim nos permitir, é triste ver a raça humana sendo conduzida como um rebanho para o abate, sem se questionar, sem se quer imaginar se poderia ter seus próprios princípios e valores, e assim inverter o giro da roda da vida. Não importa se você é branco preto pardo, mulato ou amarelo a roda gira na mesma velocidade para todos. Os senhores da sabedorias, Ressuscitam, salvam, curam e libertam, em nome de Deus que segundo eles é sobre todas coisas, e que ninguém foge a espada da justiça deste Pai. Mesmo assim nada disso seria possível sem a figura implacável do Demônio. Alguns pontos são de pura insensatez, pois se Deus é pai, logo não condenaria seu próprio filho para depois salva-lo. E se ele é sobre todas as coisas, como justificar a existência do demônio. Seria para que coubesse nesse baú das anormalidades o livre arbítrio. 
Palavra fascinante, que determina suas escolhas próprias, desde que não ofendam as mentes privilegiadas da parte de cima. 
E se de repente todos escolhessem o inferno, assim que importância teria Deus. 
E se fosse ao contrário, que importância teria o demônio 
Assim tudo se torna um circulo vicioso, onde não importa o que você escolha, ou vai precisar de alguém para te salvar, ou de alguém para te proteger. Ou seja você não tem livre árbitro. Você escolhe um lado e segue girando a roda, de calça de short, pelado, de terno, não importa sua escolha o importante é que você gire a roda. 
O oponente do pai da criação. Assim todos tendem a obedecer seja pela lei dos homens, seja pela lei do criador ou pela força maior do seu opositor. 
Não temos saída, somos criados para servir, e esperar que um dia nos encontremos todos num paraíso de eterna felicidade em perfeita harmonia, dos opressores e oprimidos. 
Chega ser ridículo tal suposição, imaginar que alguns nasceram para mandar, e outros para serem mandados. 
Alguns para serem salvos e outros condenados, e assim vamos seguindo a massa sem rumo na espera da vinda do salvador. Para certamente nos salvar da burrice de nós mesmos. 
E se você não se encaixa na roda, tem três opção: Clinica Psiquiátrica, cadeia ou cemitério, ou morar na rua e tentar fugir do sistema aí você acaba virando escravo do mesmo sistema, pois vai depender da bondade alheia, que na maiorias das vezes passa longe da bondade, mas um desencargo de consciência, pois toda boa alma também tem seu próprio ópio. 
Alguns se entregam em seios devaneios e acabam se consumindo em templos igrejas e terreiros, outros vomitam sua tristes amarguras nos belos estádios como nos bons tempos das selvagerias do velhos Coliseus, mas  há os que encharcam suas tristes almas nos etílicos dos sonhos ou no pó e nos ácidos dos desalentos do viver, e os que se deleitam dos fardo pesado do conhecimento e a tenebrosa chama dos desejos eternos. 
Todos juntos no mesmo corredor da inevitável morte. 
Não tenho aqui a intensão de criticar ou denegrir qualquer, opinião politica, ou religiosa. 
Mas tentar entender uma conta que não fecha, e uma balança que não pesa nada.
a não ser nossos tristes desalentos.

Dante Alighieri: A Divina Comédia: Inferno:


 
Minos, logo me vendo, iroso brada, Do grave ofício no ato sobrestando:
18 — “Ó tu, que vens das dores à morada;
“Olha como entras e em quem stás fiando: Não te engane do entrar tanta largueza!”
21 — “Por que falar” — meu guia diz — “gritando?”
“Vedar não tentes a fatal empresa: Assim se quer lá onde o que se ordena
24 Se cumpre. Assaz te seja esta certeza!”
Eis já começo da infernal geena A ouvir os lamentos: sou chegado
27 Onde intenso carpir me aviva a pena.
Em lugar de luz mudo tenho entrado: Rugia, como faz mar combatido
30 Dos ventos, pelo ímpeto encontrado.
Da tormenta o furor, nunca abatido, Perpetuamente as almas torce, agita,
33 Molesta, em seus embates recrescido.
Quando à borda do abismo as precipita, Ais, soluços, lamentos vão rompendo.
36 Blasfema a Deus a multidão maldita. Ouvi que estão no padecer horrendo
Os que aos vícios da carne se entregavam,
39 Razão aos apetites submetendo.