quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Poesia de Quinta na Usina: Augusto dos Anjos:


Cismas do destino

IV
Calou-se a voz. A noite era funesta. E os queixos, a exibir trismos danados, 
Eu puxava os cabelos desgrenhados Como o Rei Lear, no meio da floresta!
Maldizia, com apóstrofes veementes, No estentor de mil línguas insurretas, 
O convencionalismo das Pandetas
E os textos maus dos códigos recentes!
Minha imaginação atormentada Paria absurdos... 
Como diabos juntos, perseguiam -me os olhos dos defuntos 
Com a carne da esclerótica esverdeada.
Secara a clorofila das lavouras. Igual aos sustenidos de uma endecha 
Vinha-me às cordas glóticas a queixa Das coletividades sofredoras.
O mundo resignava-se invertido Nas forças principais do seu trabalho...
A gravidade era um princípio falho, A análise espectral tinha mentido!
O Estado, a Associação, os Municípios Eram mortos. 
De todo aquele mundo Restava um mecanismo moribundo 
E uma teleologia sem princípios.
Eu queria correr, ir para o inferno, Para que, da psique no oculto jogo, 
Morressem sufocadas pelo fogo
Todas as impressões do mundo externo!
Mas a Terra negava-me o equilíbrio...
Na Natureza, uma mulher de luto Cantava, 
espiando as árvores sem fruto. A canção prostituta do ludíbrio.


Poesia de Quinta na Usina: Augusto dos Anjos:



BUDISMO MODERNO
Tome, Dr., esta tesoura, e...corte Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa Todo o meu coração, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte! Também, das diatomáceas da lagoa 
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;
Mas o agregado abstrato das saudades Fique batendo nas perpétuas grades 
Do último verso que eu fizer no mundo!

Poesia de Quinta na Usina: Augusto dos Anjos:

 


SOLITÁRIO
Como um fantasma que se refugia Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia, Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos contorta...
Cortava assim como em carniçaria O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça! E eu saí, como quem tudo repele,
- Velho caixão a carregar destroços --
Levando apenas na tumba carcaça O pergaminho singular da pele 
E o chocalho fatídico dos ossos!

Poesia de Quinta na Usina: Luís de Camões:



029

Se algü'hora em vós a piedade de tão longo tormento se sentira,
não consentira Amor que me partira de vossos olhos, minha saüdade.
Apartei me de vós, mas a vontade, que pelo natural n'alma vos tira,
me faz crer que esta ausência é de mentira; mas inda mal, porém, porque é verdade.
Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento, tomarão tristes lágrimas vingança
nos olhos de quem fostes mantimento.
E assi darei vida a meu tormento; que, enfim, cá me achará minha lembrança
sepultado no vosso esquecimento.

Poesia de Quinta na Usina: Luís de Camões:



148

Se a Fortuna inquieta e mal olhada, que a justa lei 
do Céu consigo infama, a vida quieta, que ela mais desama, 
me concedera,
honesta e repousada;
pudera ser que a Musa, alevantada com luz de mais ardente 
e viva flama. fizera ao Tejo lá na pátria cama adormecer co som da lira amada.
Porém, pois o destino trabalhoso, que me escurece a Musa fraca e lassa,
louvor de tanto preço não sustenta;
a vossa de louvar-me pouco escassa, outro sujeito busque valeroso, 
tal qual em vós ao mundo se apresenta.

Poesia de Quinta na Usina: Luís de Camões:



164
A D. Luís de Ataíde, Vizo-Rei Que vençais no Oriente tantos Reis,
que de novo nos deis da Índia o Estado,
que escureceis a fama que ganhado tinham os que a ganharam a infiéis;
que do tempo tenhais vencido as leis, que tudo, enfim, vençais co tempo armado,
mais é vencer na pátria, desarmado, os monstros e as Quimeras que venceis.
E assi, sobre vencerdes tanto imigo, e por armas fazer que, sem segundo, 
vosso nome no mundo ouvido seja,
o que vos dá mais nome inda no mundo, é vencerdes, Senhor, no Reino amigo, 
tantas ingratidões, tão grande enveja!

Poesia de Quinta na Usina: Florbela Espanca:


 


QUEM SABE?...

Ao Ângelo
Queria tanto saber porque sou eu!
Quem me enjeitou neste caminho escuro? 
Queria tanto saber porque seguro
Nas minhas mãos o bem que não é meu!
Quem me dirá se, lá no alto, o céu Também é para o mau, 
para o perjuro? Para onde vai a alma, que morreu?
Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!
A estrada de Damasco, o meu caminho, 
O meu bordão de estrelas de ceguinho, 
Água da fonte de que estou sedenta!
Quem sabe se este anseio de eternidade, 
A tropeçar na sombra, é a verdade,
É já a mão de Deus que me acalenta?

Poesia de Quinta na Usina: Florbela Espanca:



FRÊMITO DO MEU CORPO A PROCURAR-TE

Frêmito do meu corpo a procurar-te, Febre das minhas mãos na tua pele 
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doído anseio dos meus braços a abraçar-te, 
Olhos buscando os teus por toda a parte, Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte! 
E vejo-te tão longe! Sinto tua alma Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que não me amas... E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes, Esquife negro sobre um mar de chamas...

Poesia de Quinta na Usina: Florbela Espanca:


DIZE-ME, AMOR, COMO TE SOU QUERIDA

Dize-me, amor, como te sou querida, 
Conta-me a glória do teu sonho eleito, 
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito, 
Arranca-me dos pântanos da vida.
Embriagada numa estranha lida, Trago nas mãos o coração desfeito, 
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito Que me salve e levante redimida!
Nesta negra cisterna em que me afundo, Sem quimeras, sem crenças,
 sem turnura, Agonia sem fé dum moribundo,
Grito o teu nome numa sede estranha, Como se fosse, amor, 
toda a frescura Das cristalinas águas da montanha!



Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo:



Sublime II

Quando por ventura chegar o meu tempo
findo, não espero daqueles que me cercam
dó ou piedade. Mas a grande verdade que
nos move para comunhão com o Criador...

conteúdo do Livro:



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Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo:

 



O necessário

Fiz muito, do pouco que podia ser feito.
Mas esqueci de fazer um pouco, do muito
que eu poderia fazer.


Conteúdo do Livro:







 

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo:



Fazer

Se cuide, seja cauteloso e observador, para
não ser contaminado pelo mal irreparável e
mais devastador no ser humano.
Ele é traiçoeiro silencioso e muitas vezes
imperceptível a olho nu.
Consome-nos lentamente e nos devora sem
deixar rastro....

conteúdo do livro: