
fonte de Origem:
https://www.academia.org.br/academicos/fernando-bastos-de-abiografiavila-pe/
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Matias Aires Ramos da Silva de Eça (na grafia antiga, Mathias Ayres Ramos da Silva d'Eça; São Paulo, 27 de março de 1705 — Lisboa, 10 de dezembro de 1763)[1][2][3] foi um filósofo e escritor nascido no Brasil Colônia.[4][5][6] Escreveu obras em Francês e Latim e foi também tradutor de clássicos latinos. É considerado por muitos o maior nome da Filosofia de Língua Portuguesa do século XVIII.
Filho de José Ramos da Silva e de sua mulher Catarina de Orta, nasceu em São Paulo, na Capitania, em 1705, depois Província e hoje Estado de São Paulo, Brasil.[1][4] Foi Cavaleiro da Ordem de Cristo e Provedor da Casa da Moeda de Lisboa, obtendo e sucedendo neste emprego a seu pai, José Ramos da Silva, por sua morte. Nesta realidade é que surgiu o pai de Matias Aires, José Ramos da Silva, provedor das expedições que encontraram ouro nas Gerais. O escritor Alceu do Amoroso Lima, na introdução ao livro de Matias Aires, faz o seguinte comentário: “A figura de José Ramos da Silva, e a sua ascensão de criado de servir a magnata máximo da fortuna paulista do século XVIII, tornou-se um dos tipos mais representativos do Brasil Colonial.” Bafejado pela sorte, este novo rico, passou a ser um grande mecenas para os Jesuítas de São Paulo, construindo igrejas, mandando vir de Portugal, mestres de obras, santeiros, talhadores e douradores, enfim, dando todo o apoio aos conventos e colégios da Ordem. Foi neste ambiente, que nasceu. Aires foi educado no colégio jesuíta de São Paulo, onde aprendeu a ler e escrever em português e latim, também estudando os clássicos e os rudimentos de religião e filosofia. Quando tinha onze anos, seu pai resolve transferir-se para Lisboa. Como homem prático que era e através dos bons contatos com os jesuítas que desfrutavam de grande prestígio junto a D. João V, foi José Ramos da Silva designado para exercer o cargo de Provedor das Casas de Fundição, uma das mais altas e lucrativas funções do Reino. Preocupado com a educação dos filhos, ao chegar em Portugal, matriculou as duas meninas no Convento de Odivelas e Matias no tradicional e conceituado Colégio de Santo Antão. Terminado os estudos secundários, ele ingressa na Faculdade de Direito de Coimbra, em 1722, recebendo no ano seguinte o grau de Licenciado em Artes, e foi Bacharel em Filosofia pela Faculdade de Ciências e Mestre em Artes pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Formou-se numa Universidade Francesa em Direito Civil e Canónico.[1][4][7] Fez estudos de Matemática e Ciências Físicas. Conhecia o Hebraico e outras línguas.[1]
Em 1716 seus pais se mudaram para Portugal, e Matias Aires ingressou no Colégio de Santo Antão. Em 1722, estudou nas Faculdades de Leis e de Cânones de Coimbra, onde recebeu o grau de Licenciado em Artes, graduando-se mais tarde na cidade de Baiona, na Galiza. Em 1728, decide ir para Paris, matriculando-se na Sorbonne onde, além de continuar o curso de Direito, estuda ciências naturais, matemática e hebraico, seguindo as grandes linhas de preocupação da época - o empirismo de Locke, o racionalismo de Rousseau e as ciências matemáticas e físicas com nascente prestígio sob a influência de Newton. Foram seus contemporâneos neste período francês, pensadores como Voltaire e Montesquieu. Volta a Portugal em 1733 e continua suas leituras, no isolamento de suas Quintas. Tornou-se notável literato e naturalista e grande amigo do malogrado António José da Silva, o Judeu, que procurou ardentemente salvar da fogueira, o que não conseguiu.[7]
Após 1729, partiu em viagem pela Europa, onde se demora até 1733. Dedica-se entáo à aprendizagem de grego e hebraico, que inicia em Baiona, onde tem por anfitrião o infante D. Manuel, e, já em Paris, entrega-se ao estudo das Ciências Exatas, em especial a matemática, a física e a química experimental, cujo conhecimento adquire junto dos mais reputados mestres da época e que continuará a praticar até ao fim da vida'. E é nesta última cidade, onde permanece mais detidamente, que vem a concluir a licenciatura iniciada em Coimbra, obtendo o duplo diploma em Direito Civil e em Direito Canónico.[8]
Em 1743, com a morte do pai, o substitui nas funções e passa a residir em Lisboa, frequentando, na ocasião, os altos salões da Corte. Adquire para morar, o Palácio do Conde de Alvor, uma monumental residência, conhecida hoje, em Lisboa, como o Solar das Janelas Verdes, onde funciona o grandioso Museu de Arte Antiga. Com a morte de D. João V, sobe ao trono português D. José I , é para este monarca que Matias Aires dedica o seu célebre livro, Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, que tem como sub título, Discursos Morais sobre os efeitos da Vaidade oferecidos a El – Rei Nosso Senhor D. José I. A primeira edição data de 1752.[9] Regressado a Portugal, leva uma vida sumptuosa, em que os bens do pai vão sendo progressivamente delapidados. E, por este motivo, inicia o processo em que mais duradouramente haveria daí para diante de consumir os seus dias: uma pendência contra a irmã, Teresa Margarida, disputando o seu direito à herança. Esta, aliás também uma celebrada escritora (a sua novela de insinuação feminista Aventuras de Diófanes, publicada pela primeira vez em 1752, conheceria diversas reedições ao longo do século XVIII', havia abandonado o Convento e casado contra a vontade do pai, logrando no entanto, através de sucessivos afastamentos e reconciliações com a família, resistir com êxito às várias tentativas de ver os seus direitos esbulhados. Em 1743 morre José Ramos da Silva, tendo adquirido o direito a usar brasão de família. Herdeiro do vínculo, Matias Aires vem a suceder-lhe também no cargo de Provedor da Casa da Moeda. Tenta então uma nova pendência contra a irmã, mas uma vez mais sem sucesso.[10] Com as reformas introduzidas na administração portuguesa pelo Marquês de Pombal, Matias Aires é destituído do cargo e, em 1761, recolhe-se à sua Quinta na Corujeira, vindo a falecer no ano de 1763.
Em 1752 é publicada a primeira edição da sua principal obra: Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, onde o autor tece suas reflexões a partir do trecho bíblico extraído do Eclesiastes: Vanitas vanitatum et omnia vanitas, ou seja, "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade". Todavia, este período de grande produtividade corresponde também a uma fase de maior recolhimento, sem dúvida induzido pelas crescentes dificuldades econômicas mais do que por um genuíno desgosto com a vida em sociedade, e ao progressivo adensamento de uma misantropia e de um cepticismo que se revelam inclusive na relação com a obra.
Seguem as estas, Philosofia rationalis (Filosofia Racional); Via ad campum sophie seu physicae subterranae (O caminho para o campo da sabedoria ou da física subterrânea); Lettres bohémiennes (Cartas boêmias); Discours panégyriques sur la vie de Joseph Ramos da Silva (Discursos Panegíricos sobre José Ramos da Silva); Discurso congratulatório pela felicíssima convalescença e real vida d’el rei D. José; Carta sobre a fortuna; e Problema de Arquitectura Civil, único texto, dentro deste último grupo, que subsistiu até aos dias atuais. Deixou trabalhos sobre as ações de Alexandre e César e traduções de Quinto Curcio e Lucano.[11][12] Aos poucos opta por abandonar a língua materna na redação dos seus escritos, anunciada no prólogo das Reflexões e de facto levada a efeito nas edições subsequentes, utilizando-se de outra grafia, e experienciando principalmente uma profunda descrença relativamente ao mérito intrínseco de suas composições (caracterizadas como meros esboços inconclusos) e o profundo desencanto quanto à sua capacidade para influenciar e agir sobre a realidade. Em 1761, as desinteligências como o Marquês de Pombal conduzem ao seu afastamento do cargo de Provedor, o que se reflete sobre a sua já premente situação econômica. E neste contexto que escreve a um amigo a muito pessimista a Carta sobre a Fortuna, desde 1778 habitualmente incluída nas edições de as Reflexões. Eis un trexo da Carta sobre a Fortuna incluída nas Reflexões a partir de 1778:
“ | E assim nada espero da fortuna, nem a fortuna de mim pode esperar nada; porque o meu talento foi discursivo sempre, operativo nunca, e a fortuna quer obras e não palavras. [...l Alguns há que o que discorrem, obram: eu só debuxo e não sei pintar o que eu mesmo debuxei; sei delinear, executar não, e sempre na execução me perco, semelhante ao Náutico imperito que, sabendo a carta e sabendo os rumos, em largando as velas logo se perde. De que serve, pois, a arte que só na imaginação se mostra e fora dela se desvanece? Muitos sabem idear, praticar poucos.» (p. 189) «Tudo sei para dizer, mas para fazer só sei que não sei nada. As minhas artes são todas em pensamento e por isso são justamente desgraçadas, porque a fortuna não pode fazer milagres; e que pode fazer de uma matéria que não se move e que, sendo inteligente, é sem acção, inútil inteligência e semelhante à árvore frondosa que, produzindo flores, não sabe produzir frutos" (id., p. 190.).. | ” |
Alceu Amoroso Lima apontou, em introdução ao livro de Matias Aires (2004), o Les Caractères do moralista francês Jean de la Bruyère (1645-1696) como uma das mais importantes influências no pensamento do filósofo paulista. De fato, algumas noções defendidas por Matias Aires encontram-se presentes nas reflexões ácidas e irônicas do francês. Eles compartilhavam, de modo geral, uma concepção muito semelhante da condição humana, isto é, imersa na dor: "Os homens parecem ter nascido para o infortúnio, a dor e a pobreza" (La Bruyère, 1688, p. 247). Entretanto, essa ideia de uma natureza humana essencialmente dolorida e inevitavelmente miserável era um lugar-comum amplamente difundido na primeira modernidade. Além de citar rapidamente La Bruyère, Amoroso Lima identificou o que no pensamento do filósofo paulista é vaidade com a noção de amor-próprio legada por La Rochefoucauld (1613-1680). O moralista francês conferiu enorme destaque ao amor-próprio como afeto fundamental da condução dos atos humanos. Para ele, o amor-próprio é o que permite o julgamento das coisas do mundo, como para Matias Aires era a vaidade: "Nós somente sentimos nossos bens e nossos males à proporção de nosso amor-próprio" (La Rochefoucauld, 1678, p. 75, trad. nossa). De qualquer forma, isso indica que a felicidade está no gosto pessoal, mais do que nas coisas propriamente ditas, o que ambos os filósofos concordavam a sua maneira.[13]
Em alguns aspectos a noção de vaidade de Matias Aires guarda significativas semelhanças com as máximas de La Rochefoucauld (1678) sobre essa paixão da alma. É a vaidade que faz alguém falar e, sobretudo, é o que motiva os elogios nas conversações. E, mais importante, a vaidade, a vergonha e o temperamento fazem o valor do homem e a virtude das mulheres. Ou ainda, muitas supostas virtudes são atos de vaidade. Por exemplo: "O que chamamos de liberalidade é muito frequentemente apenas vaidade de dar, o que amamos mais do que aquilo que damos" (p. 68). Quando a vaidade não inverte as virtudes, ela tem o poder de animá-las. La Rochefoucauld afirma que as paixões mais violentas são perturbadoras, mas a vaidade nos agita sempre. E disparou: "A vaidade nos faz fazer mais coisas contra nosso gosto que a razão" (p. 85).
Haveria, porém, outra hipocrisia menos inocente, aquela de algumas pessoas que aspiram à glória de uma bela e imortal dor. São pessoas que não se cansam das lágrimas, dos lamentos e dos suspiros e que se tornam personagens lúgubres, capazes de persuadir que suas dores não têm fim. Enfim, o que está em jogo nessa dita hipocrisia é o desejo de ser amado, o que também foi posteriormente desenvolvido por Matias Aires a partir da ideia de vaidade.
Embora Matias Aires estivesse mais interessado no pensamento francês do final do século XVII, cabe lembrar que o maior expoente da cultura lusa seiscentista, o padre Antônio Vieira (1608-1696), também discorreu, em várias ocasiões, sobre a vaidade. Mesmo não considerando a vaidade uma paixão pivô, como defenderia o filósofo paulista no século seguinte, Vieira afirmou que ela pode ser responsável pela inconstância das ações humanas e pode fazer com que os homens percam-se de si mesmos. No "Sermão das Exéquias do Conde de Unhão D. Fernão Telles de Menezes", pregado em Santarém, em 1651, o sermonista observou: "Os homens, como somos camaleões da vaidade, mudamos de cor a cada mudança de vento: quantos são os ventos de que nos sustentamos, tantas são as cores de que nos vestimos" (Vieira, 1651, v. XV, p. 347). É evidente que ele criticou essa falha moral: "Portae-vos de tal maneira, sendo sempre o mesmo, que vos possam todos louvar, ao menos que vos possam conhecer" (p. 347).
De qualquer forma, o tema do vanitas (extraído do Eclesiastes: Vanitas vanitatum et omnia vanitas) estava muito presente no discurso católico contrarreformado do século XVII. Afinal, de que vale tanta vaidade se a própria vida é uma sucessão de mortes. Nesse mesmo sermão, Vieira (1651) avisou: "A adolescência é morte da puerícia; porque acabamos de ser meninos: a juventude é morte da adolescência; porque acabamos de ser moços: a edade varonil é morte da juventude; porque acabamos de ser mancebos: e assim vamos morrendo a todas as edades (v. XV, p. 348). Para Matias Aires, a vaidade modela a visão dos objetos e faz triste ou alegre. Para Vieira, em consonância com a tradição aristotélica-tomista, são as várias paixões que dão o colorido à percepção das coisas:
Inocêncio Francisco da Silva informa no seu dicionário que "Quanto à data de seu óbito é por ora ignorada, sabendo-se contudo que já era falecido no ano de 1770, em decorrência de uma crise de apoplexia, corroborando a data de 10 de dezembro de 1763, a partir de documentação comprobatória.[14] Deixou dois filhos ilegítimos José e Manuel Inácio.[11]
Ariano Suassuna referia-se à Matias Aires como o maior filósofo do século XVIII em língua portuguesa, afirmando que o seu ostraciosmo revelava a negligência dos intelectuais brasileiros em relação a cultura brasileira.[15] António Pedro Mesquita, professor doutor pela Universidade de Lisboa, escreveu “Homem, Sociedade e Comunidade Política – o pensamento filosófico de Matias Aires (1705-1763)”, aportando para a importância do filósofo.
Mesquita faz um levantamento das análises precedentes em relação à obra de Matias Aires, e relaciona três maneiras distintas de possíveis leituras: uma maneira biográfica, uma maneira ideológica, e uma maneira filosófica. A maneira biográfica deriva o pensamento da biografia do autor. Tal procedimento, segundo Mesquita, resultaria incompleto sempre, uma vez que, o que se apreende de uma análise que prime por confrontar a vida e a obra de Matias Aires iria verificar que há, entre ambas, uma profunda contradição. Assim, a leitura biográfica não conseguiria explicar o fosso existente entre aquilo que Matias Aires escreve e as escolhas que Matias Aires faz em sua vida particular. Outra maneira de ler as “Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens” seria de acordo com o que Antônio Pedro Mesquita chama uma “leitura ideológica” do texto; porém, esse modo de abordagem não é considerado o mais adequado em relação à produção airesiana por derivar somente do momento histórico os conteúdos da obra. Por fim, é possível ler Matias Aires a partir da perspectiva de uma leitura filosófica: Matias Aires constrói uma teoria do que é o humano, elabora uma reflexão acerca daquilo que constitui o princípio fundamental da natureza humana. Nesse sentido, apenas uma leitura filosófica seria capaz de compreender os argumentos filosóficos expostos na obra, bem como os objetivos do autor ao elaborar sua teoria.
O nome de Matias Aires sofre uma assinalável variação ao longo da vida, desde o inicial ‘’Matias Aires Joseph da Silva’’ com que integra a Academia dos Aplicados ou o ‘’Matias Aires Rapnos da Silva’’ que figura no requerimento do hábito de Cristo até ao que consta no testamento: ‘’Matias Aires Ramos da Silva e Eça’’; aquele com que assina as suas obras.[16][17][18]