domingo, 24 de abril de 2022

Dante Alighieri: A Divina Comédia:



“Morte ou dor força ao próximo confere. Com ruína,
com fogo os bens lhe invade. 36 Quando pela extorsão não se apodere.
“Homicidas, os que usam feridade, Ladrões, desvastadores, torturados
39 Stão no primeiro, em turmas, sem piedade.
“Homens há contra si cruéis, irados
Ou contra os próprios bens: pois no segundo
42 Recinto jazem sempre amargurados,
“Quem se privara do terreno mundo, Os que seus cabedais malbarataram,
45 Quem chora onde pudera estar jucundo.
“Contra Deus violências homens preparam, Se o negam, se o blasfemam, desdenhando 
48 Natura e os dons, que nela se deparam.
“No recinto menor sinal nefando Caors marca igualmente com Sodoma,
51 E os que pecaram contra Deus falando.
“A fraude em que o remorso tanto assoma, Ou trai a confiança ou premedita
54 Danos a quem desprevenido toma. “A fraude desta espécie se exercita
Contra os laços de amor, que faz natura:
57 Portanto no segundo círc'lo habita
“Adulação com simonia impura, Hipócritas, falsários, feiticeiros,
60 Rufiães e outros dessa laia escura.

Crônicas de Segunda na Usina: Aidan Dantas: VISITA DOMICILIAR – V :




A casa se localizava numa área bem carente e de extrema po- breza. Quando cheguei à sala, crianças menores de três anos dormiam em colchonetes, dividindo com cachorros vira-latas.
Comecei a investigar sobre higiene, alimentação, trata- mento da água e destinação do lixo doméstico. Aí começaram as situações à margem do que prega a educação sanitária.A bacia que lavava toda louça, de adultos e crianças, era a mesma que lavava toda roupa suja, inclusive estava de molho roupas íntimas “daqueles dias”. Quando eu questionei, ela disse: é a única que tenho.
A louça suja se acumulava com muito resto de comida, formigas e até baratas. Mas, o que mais me chamou atenção: uma mamadeira de leite com um bico muito aberto, lotada de moscas.
Saí dessa residência com a ideia fixa de fazer uma campanha na Unidade de Saúde de doações de vários utensílios, e a equipe um trabalho ostensivo de vigilância e orientações.
Praticamente, o agente de saúde ia nessa residência diariamente, o que reduziu a quantidade de vezes que as crian- ças apresentavam dermatites variadas e diarreias.
Pode???

Crônicas de Segunda na Usina: Erça de Queiroz: XIV Londres, 28 de Março [de 1878]:



Lord Derby, e com ele toda a Inglaterra, acaba de fazer uma descoberta imensa: Lord Derby descobriu a Grécia. Desde a renovação da questão do Oriente, há dois anos, a Grécia, por um

acordo tácito das potências, e com grande alegria da Rússia, tinha sido mantida numa imobilidade obrigatória, nos últimos planos, sem que ninguém parecesse reconhecer a justiça dos seus direitos, ou pensar na utilidade da sua intervenção. Todas as províncias sujeitas à Porta e todos os estados tributários tinham sido autorizados ou chamados a cooperar, pela insurreição ou pela guerra aberta, na destruição do poder otomano. A Rússia tinha ajudado a Sérvia, animado e lisonjeado o Montenegro, e especialmente apelado para a România: todos estes principados cristãos deviam naturalmente, em justificação do seu patriotismo e em demonstração da sua fé, ajudar a grande cruzada da libertação dos cristãos empreendida pelo czar. Acontece, porém, que a Grécia tinha províncias suas, pela religião e pela raça, sob o domínio turco, e ninguém parecia desejar que ela tentasse pelos seus correligionários o que estavam tentando os principados. E todavia o Epiro, a Tessália, a Macedónia, são províncias gregas e cristãs, que a Porta explora e tiraniza, como a Bulgária ou como a Bósnia. Para libertar as suas populações, em idênticas condições, a Sérvia, o Montenegro, a România, tinham tomado as armas com admiração da Europa, e apenas alguns vagos protestos platónicos rosnados em surdina pela Áustria. Mas apenas a Grécia mostrou um desejo de libertar as suas províncias os protestos vieram de todas as partes, muito precisos, muito impacientes: a Rússia ficou indignada, a Áustria descontente, a Inglaterra nervosa. Às primeiras veleidades belicosas do ministério de Atenas todos os representantes das potências, com uma rara uniformidade, correram a impor-lhe uma inacção forçada. Quando o Governo grego, arrastado pela pressão iniludível do sentimento popular, fez mobilizar o pequeno exército grego, as grandes potências ameaçaram-na claramente de a deixar exposta as vinganças da Porta, e de não impedir o bombardeamento do Pireu pela esquadra de Hobbart Paxá. Quando num momento de impulso patriótico o Governo grego, indiferente às advertências da Europa, ou não as julgando sinceras e apenas pró-forma, fez avançar tropas na Tessália, as potências obrigaram-na, quase sob pressão de um ultimato, a fazer retroceder o exército e dar explicações ao sultão. A Grécia roeu o seu freio e limitou-se a manter na Tessália e no Epiro uma pequena insurreição inflama-tória, para não deixar morrer o fogo patriótico e para dar ocupação aos temperamentos mais exaltados. Mal sabia a Grécia, tão descontente então, que estava nas vésperas de ser chamada pela Inglaterra a representar um grande papel na questão do Oriente; ou, se o sabia, com a sua finura habitual esperava, fazendo um rosto triste que iludiu os mais astutos, a ocorrência gloriosa. Ela não tardou a aparecer sob a forma da proposta de Lord Derby na sua grande campanha diplomática. Opor ao pan-eslavismo o helenismo é sem dúvida um belo pensamento, e a oposição impaciente e quase rancorosa que a Rússia fez à proposta inglesa mostra, só por si, como ela julgou a grande obra eslava profundamente ameaçada pela aparição em cena deste novo factor, a Grécia. Lord Derby jogou uma brilhante carta: fazer entrar a Grécia no congresso, mesmo sem voto, era ipso facto levantar no congresso a questão grega: a Rússia, mesmo a seu pesar, não poderia opor-se a que a sua obra de libertação fosse completada, restituindo-se à Grécia a Macedónia, a Tessália e o Epiro, Creta, etc. Quem se bateu para libertar os cristãos da Bulgária não pode opor-se a que se libertem os cristãos das outras províncias. Com estes novos territórios, tão férteis, a Grécia ganha uma força inesperada e torna-se uma potência forte. Os cristãos do ex-Império Turco vêem-se assim colocados entre a influência de dois países da sua religião: mas um, a Rússia, despótico e opressivo – outro, a Grécia, constitucional e liberal; um puramente militar, outro exclusivamente comercial; um pensando em conquistar, o outro em enriquecer. E naturalmente as simpatias dos cristãos irão para a Grécia; esta anexação moral de simpatias transformar-se-á mais tarde em anexação material de territórios. A Bulgária cristã do rito grego penderia fatalmente para a Grécia. Que daqui a anos reapareça a questão do Oriente sob a forma mais resumida e mais directa de saber a quem em definitivo deve pertencer Constantinopla – e apresenta-se uma solução natural, pacifica, que é não deixar Constantinopla nem aos Russos nem aos Ingleses, e dá-la simplesmente aos Gregos, seus donos por direito histórico. E aqui temos um forte império helénico, fazendo barreira as tendências invasoras do império eslavo. Esta solução não poderia levantar oposição no povo russo, porque o seu interesse na questão do Oriente é todo de religião. E que maior satisfação que ver os gregos em Constantinopla e

Santa Sofia catedral do rito grego? O povo na Rússia não é pan-eslavista; o pan-eslavismo é um fanatismo puramente militar do estado-maior e de alguns oficiais exaltados: o povo o que deseja é mais pão, menos tributo, uma constituição talvez (e isto os mais ilustrados), e que os seus correligionários não estejam sob o domínio odiado do Turco: que a cruz grega volte a dominar nas mesquitas de Constantinopla, e todas as aspirações do povo russo, em matéria de política externa, estão amplamente realizadas. Por seu lado, a Áustria não poderia senão felicitar-se de ver junto às suas fronteiras um reino helénico: as suas províncias eslavas não correm risco de tender então a unir-se .ao império eslavo, o que seria inevitável se em lugar dos Gregos fossem os Russos que se viessem estabelecer junto dela. A Hungria, para quem o ódio do pan-eslavismo é uma tradição sagrada, veria com prazer os Gregos em Constantinopla. A Alemanha não poderia opor-se a uma combinação que impede a Rússia, sua aliada presente e sua inimiga provável, de se estender até ao Mediterrâneo. As potências ocidentais regozijar-se-iam de ver dominar nos Dardanelos uma nação comercial, que não impediria, como a Rússia, o tráfico do mar Negro, antes o facilitaria. E a Inglaterra, tendo feito o império helénico, obtinha o resultado mais agradável e mais seguro; não podendo ela mesmo estabelecer-se nos Dardanelos, colocava lá uma potência amiga e aliada, sua própria obra, governada por uma imitação da sua constituição, reconhecida ao benfeitor, facilmente dominável no caso de ingratidão, sem ambições na Índia, nem interesses no canal de Suez, e que seria no Oriente uma espécie de seu mordomo. A oposição, portanto, só pode vir do czar, da corte e do partido militar na Rússia. Para esses, o estabelecimento de um império grego é a destruição das suas ambições, do seu ideal político e histórico, do que eles chamam a sua missão; seria além disso uma diminuição considerável na autoridade do czar; hoje o imperador é papa; mas que amanhã o patriarca do rito grego se estabeleça em Constantinopla, capital do império Grego, e o sacerdócio moscovita, em breve o povo mesmo, o reconhecerá como seu chefe espiritual. Portanto, o czar vai opor-se à entrada da Grécia no congresso com todas as obstinações, todas as manhas, todos os equívocos, todos os subterfúgios que constituem a perigosa ciência dos diplomatas russos; se assim não obtiver o seu fim, embrulhará a questão de modo que o congresso se não reúna; e em último caso apelará para as armas, porque prefere uma nova guerra, mesmo no estado de fraqueza e de pobreza das suas finanças, a consentir que se agite sequer a questão do império helénico. Por isso eu penso que a resposta de Lord Derby, hábil, racional, útil, é no fim o meio de apressar a crise e de trazer a Inglaterra e a Rússia a um conflito; e ainda que se dêem outras razões de rompimento, no fundo, se a Rússia tira de novo a espada um dos seus fins será impedir uma extensão de território da Grécia, núcleo e base de um império helénico. Mas reunir-se-á esse famoso congresso? As probabilidades diminuem todos os dias: o que o adia hoje, e que talvez o impeça mais tarde, é aparentemente uma simples questão de forma; a Inglaterra pretende que o congresso tenha direito a discutir todos os artigos do tratado de paz russo-turco. A Rússia recusa esta larga liberdade de discussão. Para facilitar uma conciliação, a Inglaterra pede ao menos que a Rússia declare que todos os artigos do tratado estarão sujeitos a discussão, ainda que praticamente estabeleça que alguns não serão discutidos; a Rússia recusa a fazer mesmo esta declaração. Em tais condições, a Inglaterra não vai ao congresso. As razões de Lord Derby são óbvias: se os três imperadores estão de acordo, se a Áustria e a Alemanha estão decididas a aprovar o tratado, se o voto da Itália pertence, como é provável, igualmente à Rússia, que iria a Inglaterra fazer ao congresso? Pôr a sua assinatura num documento que fere os seus interesses? Fazer um simples protesto platónico, que seria como a confirmação pública da sua fraqueza e do seu isolamento? Mais vale, portanto, não ir ao congresso e tomar medidas decisivas para que, sejam quais forem as circunstâncias do futuro, os dois grandes interesses britânicos na Turquia europeia, Constantinopla e Galípoli, sejam conservados intactos e inatacados. Nestas recusas sucessivas da Rússia a toda a conciliação, vê-se bem a intenção que a domina: é impedir a reunião do congresso, com receio de que, além das objecções ao tratado, apareça a terrível questão helénica, sob a protecção da Inglaterra. E da parte da Inglaterra todo o esforço é fazer introduzir esta questão no congresso. A Grécia é, penso, neste momento um pomo de discórdia. E a questão do Oriente toma enfim uma fase mais clara e mais definida: em substituição ao Império Turco a Inglaterra quero estabelecimento de um império grego, que seja uma barreira histórico-militar contra a Rússia; a Rússia opõe-se com todas as suas forças a esta solução ajudada pelos dois imperadores seus aliados, que são

movidos por simpatia de corte a corte, em desprezo dos seus verdadeiros interesses nacionais. Mas que fazem as duas outras grandes potências? A Itália hesita, a França cala-se. Se estas duas nações latinas se decidissem a ajudar a ideia inglesa, teríamos assim duas formidáveis coalizões em face uma da outra: de um lado, a Rússia, a Alemanha, a Áustria, espécie de Santa Aliança dos três imperadores autoritários; do outro, a Inglaterra, a França, a Itália, os três estados livres e democráticos: o Oriente contra o Ocidente: o Ocidente querendo o império helénico em substituição do Turco, e o Oriente querendo a partilha do Império Turco entre si, sendo a maior parte destinada a formar uma dependência moscovita. Não é improvável que a questão do Oriente, num certo tempo, tome estas formidáveis e dramáticas proporções. Mas serão os Gregos gente para constituir e formar um império? Até aqui os Gregos têm sido os mais absurdos políticos da Europa: o Governo de Atenas é uma farsa que About pintou, com muito espírito e muita verdade, como uma das grandes bambochatas constitucionais do século. As suas finanças são deploráveis. A sua administração uma balbúrdia. Mas a isto pode-se dizer que aos Gregos tem faltado uma oportunidade de revelar as suas qualidades industriosas, sagazes, activas, expansivas. O território que possuem é o mais árido e o mais estéril da Europa. Sem agricultura e sem indústria, as forças vitais emigram e vão levar a outras terras a sua perseverança e a sua habilidade. Os gregos mais ricos, mais prósperos, a alta burguesia grega que tem o capital e a iniciativa não está na Grécia; está em Londres, em Berlim, em Viena, em Frankfürt, em Constantinopla, em Sampetersburgo e em Paris. Dê-se-lhe um território fértil, uma cidade como Constantinopla que seja um grande entreposto de comercio, minas a explorar, uma frota de transporte, e não há dúvida que a habilidade comercial do grego, a mais fina raça do Levante, poderia constituir uma nação próspera. A política, a administração, as finanças, não seriam como agora governadas pelos intrigantes de Atenas, mas pelas verdadeiras capacidades gregas que neste momento estão espalhadas pela Europa à testa de grandes firmas comerciais e industriais. E lentamente a experiência da própria força, a responsabilidade de governar uma grande extensão de território, uma comunicação mais directa com a civilização ocidental, a necessidade de se organizarem para se fortalecerem, daria ao povo grego aquela seriedade política e aquela ciência social que fazem os países prósperos.

 

Estão lembrados talvez do desastre sucedido há anos no navio inglês Captain, que de repente, por um tempo quase sereno, na baía de Biscaia, se voltou, como um simples caíque do Tejo, destruindo mais de quatrocentas vidas. Um desastre quase igual acaba de suceder a uma admirável fragata de guerra, a Eurídice, que voltava das Antilhas Inglesas com mais de trezentas pessoas a bordo. Ao avistar a praia de Inglaterra, a distância de tiro da ilha de Wight, navegando com todo o pano, é de repente apanhada por um furacão de neve, embrulhada, e em cinco minutos desaparece no fundo do mar, arrastando todas as vidas num furioso turbilhão de água. Apenas duas pessoas se salvaram. Uma tal catástrofe aterra pela quantidade de existências perdidas e pela facilidade com que foi produzida. Uma fragata de primeira ordem, que em tempo quase sereno navega a todo o pano, parece um maquinismo indestrutível ou, pelo menos, oferecendo uma resistência eficaz; pois bem, levanta-se um sopro de vento, embrulhase a vela e mergulha-a no fundo do mar, com a rapidez com que uma criança afunda com a mão um barquinho de cortiça numa bacia de água! O furacão de neve foi instantâneo e fugitivo como um sopro que apaga uma vela. As pessoas que passeavam na esplanada de Ventuar tinham visto a fragata passando a todo o pano, juntamente com um brigue e uma pequena escuna. De repente abate-se o turbilhão de neve de vendaval. A gente tem apenas tempo de segurar os chapéus e de se abafar nos paletós. Quando, passado o furacão, tornam a olhar para o mar, vêem apenas o brigue e a escuna, seguindo tranquilamente: a fragata tinha desaparecido. Nem a ponta de um mastro era visível: o mar, um pouco grosso, balançava-se tranquilamente e trezentas pessoas estavam agonizando debaixo de água. Que trezentos homens sãos, fortes e alegres, voltando ao país, à família, estejam à vista das suas casas; que passe um sopro de neve e que em alguns segundos os arroje para o fundo do

mar, que o céu clareie e que o Sol imediatamente continue a brilhar, como se nada se tivesse passado – é lúgubre!

 

Tinha escrito estas linhas, e ia falar-lhes de algumas curiosas novidades literárias e artísticas, quando notícias inesperadas e surpreendentes me forçaram a voltar de novo à política. Em primeiro lugar, a Rússia deu ontem a sua resposta definitiva à Inglaterra: não admite a livre discussão da totalidade ao tratado de paz e declara que, neste ponto, o seu interesse e a sua honra não lhe permitem nenhuma concessão. Portanto, o congresso não se reúne. Em segundo lugar, Lord Derby deu hoje a sua demissão. Esta demissão, tantas vezes anunciada e contradita em ocasiões em que oferecia uma certa lógica, veio quando parecia quase absolutamente impossível. Ninguém o sabia até ao momento em que, entrando ontem na Câmara dos Lordes, Lord Derby não se sentou no banco dos ministros e foi ocupar um lugar nos bancos da oposição. As suas explicações foram breves e feitas com uma solenidade triste: disse que até àquele dia estivera na mais estreita concordância de ideias com os seus colegas, mas que, tendo eles tomado ultimamente resoluções que lhe pareciam contrárias aos interesses do país, ele vira-se forçado, com mágoa, a separar-se dos seus colegas. Estas palavras causaram na Câmara uma inquietação extrema: que resoluções eram essas? Se Lord Derby, que fora no gabinete o sustentáculo da paz, se retirava, é que essas resoluções que o tornavam incompatível com os seus amigos tinham o carácter de um principio da guerra. Que seria? Estaria a esquadra em Constantinopla? Ter-se-ia tomado Galípoli? Lord Beaconsfield, erguendo-se, pôs um termo às incertezas: começou por fazer o que se poderia chamar a oração fúnebre de Lord Derby: falou na amizade que durante trinta anos de vida pública o ligara a Lord Derby e que ele considerava uma das felicidades e honras da sua carreira; fez, com traços à romancista, como romancista que é, o retrato moral de Lord Derby; e as suas palavras demonstravam uma mágoa tão grave daquela separação e uma estima tão elevada pelo estadista que Lord Derby, sob uma emoção irreprimível, pôs as mãos sobre o rosto e soluçou. A Câmara, impressionada, assustada, não sabia se aquelas lágrimas eram pela perda dos seus amigos, se pelas desgraças que antevia ao seu país. Enfim, Lord Beaconsfield declarou que a resolução tomada e que tinha determinado a demissão de Lord Derby fora a chamada às armas dos corpos de reserva. Desapontamento geral! O quê? Por uma simples medida preventiva, Lord Derby, o chefe da mais ilustre casa tory, separava-se dos tories? E que falta de lógica! Não fora Lord Derby que pelas suas exigências, aliás justificadas, fizera abortar o congresso? Podia ele pois reprovar que o Governo tomasse as precauções que exigiam logicamente os interesses ingleses desde que o congresso falhara? Constituído de boa ou má fé, o congresso era o único meio de trazer uma solução pacífica às questões pendentes, que, tendo ela falhado, só podem ser decididas pelas armas. Como é que Lord Derby, depois de ter pela sua política desarranjado essa solução pacífica, se opõe a que se adoptem prevenções para o caso do conflito armado? A Inglaterra só podia defender os seus interesses ou com razões no congresso ou com canhões no campo de batalha: Lord Derby não quer ir ao congresso das razões e zanga-se porque o Governo, em consequência disso, se prepara a carregar as peças. Por que modo pretende ele então defender os interesses britânicos, de que ele há três anos é o porta-voz e o arauto? Nem pelo direito, nem pela força. Como então? Lord Derby é um homem muito prático para cair numa tal inconsequência. Nem é de supor que vendo diante de si a crise que ele provocou, com razão, pela sua política queira fugir, por timidez e excesso de temperamento pacifico, às responsabilidades que ela traz. Há portanto outra coisa: isto é, a simples chamada da reserva não é toda a razão da demissão de Lord Derby. Se ele se separa dos seus colegas, é porque os seus colegas decerto decidiram alguma outra coisa, bem mais definitiva que uma simples precaução. O quê? That is the question. É o que se saberá dentro de dias. En attendant, o esquema do congresso, do império helénico, etc., todas as belas concepções diplomáticas e geográficas de Lord Derby estão perdidas, ficam nos cartões do Foreign Office. E o que resta é Lord Beaconsfield, com o seu ardente desejo de guerra, livre dos embaraços

pacíficos que punha Lord Derby, apoiado pela corte, que também deseja a guerra, e sustentado à outrance pela parte dos tories que não têm repouso nem alegria enquanto se não trocarem entre Ingleses e Russos os primeiros tiros no Bósforo.

 

Esta carta já vai longa. Mas preciso contar-lhes um pequeno facto picante de que falam aqui os jornais da sociedade, e que, sendo para nós apenas engraçado, tem produzido nos Ingleses um furor sombrio. Trata-se, como quase sempre, do príncipe de Gales. Sua alteza, a semana passada estando em Paris, fez uma visita ao Figaro. Até aqui nada de extraordinário. Querendo dar uma tal honra a um jornal francês, escolheu um jornal das cocotes e dos apostadores de corridas, o órgão oficial da vida escandalosa. Até aqui nada de criminoso. A visita foi feita às duas horas da noite, e nas salas do Figaro estavam os artistas mais estroinas de Paris e algumas lindas actrizes que, além da arte dramática, professam acessoriamente o amor livre por preços conhecidos no Bulevar. Até aqui nada de violento. Houve uma ceia, nada mais natural. Mas foi ao fim da ceia que se deu o pequeno facto que causa nos Ingleses desespero soturno; o elegante redactor Francis Magnard ergueu-se e, de copo em punho, propôs uma saúde à rainha Vitória: é do estilo inglês que esta saúde seja seguida de aplausos e é da etiqueta que o sinal dos aplausos seja dado pela pessoa mais respeitável. A pessoa mais respeitável que nessa ocasião bateu as palmas de cerimónia foi Mademoiselle Theo, uma das actrizes dos Buffos, a quem não julgo fazer injúria chamando-lhe uma esbelta e ilustre prostituta. O príncipe de Gales, numa espirituosa resposta, agradeceu a Mademoiselle Theo e a outras cocotes e folhetinistas a honra que faziam em beber às duas horas da noite, na redacção do Figaro, à saúde de sua mãe, a rainha de Inglaterra. Como vêem é apenas picante – mas há ingleses severos a quem tem caído o cabelo de pensar neste toast singular. Um jornal de Londres observa que se têm feito toasts à rainha de Inglaterra nos lugares mais extraordinários, no alto das Pirâmides, nas ruínas de Tebas, nos sertões de África, nos templos de Pequim, no Pólo Norte, nos juncais do Ganges, no alto do Calvário, sobre o Niagara, nas cabanas dos cafres, nos mosteiros do Líbano; mas que é a primeira vez que se faz num lupanar! Lupanar, acho severo para o Figuro. Mas que é um lugar esquisito para uma saúde tão respeitável – é.

Crônicas de Segunda Na Usina: Machado de Assis: CAPÍTULO VII - O INESPERADO:


Chegados os dragões em frente aos Canjicas houve um instante de estupefação: os Canjicas não queriam crer que a força pública fosse mandada contra eles; mas o barbeiro compreendeu tudo e esperou. Os dragões pararam, o capitão intimou à multidão que se dispersasse; mas, conquanto uma parte dela estivesse inclinada a isso, a outra parte apoiou fortemente o barbeiro, cuja resposta consistiu nestes termos alevantados:

 —Não nos dispersaremos. Se quereis os nossos cadáveres, podeis tomá-los; mas só os cadáveres; não levareis a nossa honra, o nosso crédito, os nossos direitos, e com eles a salvação de Itaguaí. Nada mais imprudente do que essa resposta do barbeiro; e nada mais natural. Era a vertigem das grandes crises. Talvez fosse também um excesso de confiança na abstenção das armas por parte dos dragões; confiança que o capitão dissipou logo, mandando carregar sobre os Canjicas. O momento foi indescritível. A multidão urrou furiosa; alguns, trepando às janelas das casas ou correndo pela rua fora, conseguiram escapar; mas a maioria ficou, bufando de cólera, indignada, animada pela exortação do barbeiro. A derrota dos Canjicas estava iminente quando um terço dos dragões,—qualquer que fosse o motivo, as crônicas não o declaram,—passou subitamente para o lado da rebelião. Este inesperado reforço deu alma aos Canjicas, ao mesmo tempo que lançou o desânimo às fileiras da legalidade. Os soldados fiéis não tiveram coragem de atacar os seus próprios camaradas, e, um a um, foram passando para eles, de modo que ao cabo de alguns minutos, o aspecto das coisas era totalmente outro. O capitão estava de um lado, com alguma gente, contra uma massa compacta que o ameaçava de morte. Não teve remédio, declarou-se vencido e entregou a espada ao barbeiro. A revolução triunfante não perdeu um só minuto; recolheu os feridos às casas próximas e guiou para a Câmara. Povo e tropa fraternizavam, davam vivas a el-rei, ao vice-rei, a Itaguaí, ao "ilustre Porfírio". Este ia na frente, empunhando tão destramente a espada, como se ela fosse apenas uma navalha um pouco mais comprida. A vitória cingia-lhe a fronte de um nimbo misterioso. A dignidade de governo começava a eurijar-lhe os quadris Os vereadores, às janelas, vendo a multidão e a tropa, cuidaram que a tropa capturara a multidão, e sem mais exame, entraram e votaram uma petição ao vice-rei para que mandasse dar um mês de soldo aos dragões, "cujo denodo salvou Itaguaí do abismo a que o tinha lançado uma cáfila de rebeldes .” Esta frase foi proposta por Sebastião Freitas, o vereador dissidente, cuja defesa dos Canjicas tanto escandalizara os colegas. Mas bem depressa a ilusão se desfez. Os vivas ao barbeiro, os morras aos vereadores e ao alienista vieram dar-lhes notícia da triste realidade. O presidente não desanimou:— qualquer que seja a nossa sorte, disse ele, lembremo-nos de que estamos ao serviço de Sua Majestade e do povo.—Sebastião insinuou que melhor se poderia servir à coroa e à vila saindo pelos fundos e indo conferenciar com o juiz de fora, mas toda a Câmara rejeitou esse alvitre.        Daí a nada o barbeiro, acompanhado de alguns de seus tenentes, entrava na sala da vereança, e intimava à Câmara a sua queda. A Câmara não resistiu, entregou-se, e foi dali para a cadeia. Então os amigos do barbeiro propuseram-lhe que assumisse o governo da vila, em nome de Sua Majestade. Porfírio aceitou o encargo, embora não desconhecesse (acrescentou) os espinhos que trazia; disse mais que não podia dispensar o concurso dos amigos presentes; ao que eles prontamente anuíram. O barbeiro veio à janela e comunicou ao povo essas resoluções, que o povo ratificou, aclamando o barbeiro. Este tomou a denominação de—"Protetor da vila em nome de Sua Majestade e do povo".—Expediram-se logo várias ordens importantes, comunicações oficiais do novo governo, uma exposição minuciosa ao vice-rei, com muitos protestos de obediência às ordens de Sua Majestade; finalmente uma proclamação ao povo, curta, mas enérgica: "Itaguaienses! Uma Câmara corrupta e violenta conspirava contra os interesses de Sua Majestade e do povo. A opinião pública tinha-a condenado; um punhado de cidadãos, fortemente apoiados pelos bravos dragões de Sua Majestade, acaba de a dissolver ignominiosamente, e por unânime consenso da vila, foi-me confiado o mando supremo, até que Sua Majestade se sirva ordenar o que parecer melhor ao seu real serviço. Itaguaienses! não vos peço senão que me rodeeis de confiança, que me auxilieis em restaurar a paz e a fazenda publica, tão desbaratada pela Câmara que ora findou às vossas mãos. Contai com o meu sacrifício, e ficai certos de que a coroa será por nós.

 O Protetor da vila em nome de Sua Majestade e do povo

 PORFÍRIO CAETANO DAS NEVES".Toda a gente advertiu no absoluto silêncio desta proclamação acerca da Casa Verde; e, segundo uns, não podia haver mais vivo indício dos projetos tenebrosos do barbeiro. O perigo era tanto maior quanto que, no meio mesmo desses graves sucessos, o alienista metera na Casa Verde umas sete ou oito pessoas, entre elas duas senhoras, sendo um dos homens aparentado com o Protetor. Não era um repto, um ato intencional; mas todos o interpretaram dessa maneira, e a vila respirou com a esperança de que o alienista dentro de vinte e quatro horas estaria a ferros e destruído o terrível cárcere. O dia acabou alegremente. Enquanto o arauto da matraca ia recitando de esquina em esquina a proclamação, o povo espalhava-se nas ruas e jurava morrer em defesa do ilustre Porfírio Poucos gritos contra a Casa Verde, prova de confiança na ação do governo. O barbeiro faz expedir um ato declarando feriado aquele dia, e entabulou negociações com o vigário para a celebração de um Te-Deum, tão conveniente era aos olhos dele a conjunção do poder temporal com o espiritual; mas o Padre Lopes recusou abertamente o seu concurso.

—Em todo caso, Vossa Reverendíssima não se alistará entre os inimigos do governo? disse-lhe o barbeiro, dando à fisionomia um aspecto tenebroso. Ao que o Padre Lopes respondeu, sem responder:

 —Como alistar-me, se o novo governo não tem inimigos? O barbeiro sorriu; era a pura verdade. Salvo o capitão, os vereadores e os principais da vila, toda a gente o aclamava. Os mesmos principais, se o não aclamavam, não tinham saído contra ele. Nenhum dos almotacés deixou de vir receber as suas ordens. No geral, as famílias abençoavam o nome daquele que ia enfim libertar Itaguaí da Casa Verde e do terrível Simão Bacamarte.


Crônicas de Segunda Na Usina: Lima Barreto: Anúncios... anúncios...:


Quando bati à porta do gabinete de trabalho do meu amigo, ele estava estirado num divã improvisado com tábuas, caixões e um delgado colchão, lendo um jornal. Não levantou os olhos do quotidiano, e disse-me, naturalmente:
- Entra.
Entrei e sentei-me a uma cadeira de balanço, à espera de que ele acabasse a leitura, para darmos começo a um dedo de palestra. Ele, porém, não tirava os olhos do jornal que lia, com a atenção de quem está estudando coisas transcendentes. Impaciente, tirei um cigarro da algibeira, acendi-o e pus-me a fumá-lo sofregamente. Afinal, perdendo a paciência, fiz abruptamente:
- Que diabo tu lês aí, que não me dás nenhuma atenção?
- Anúncios, meu caro; anúncios...
- É o recurso dos humoristas à cata de assuntos, ler anúncios.
- Não sou humorista e, se leio os anúncios, é para estudar a vida e a sociedade. Os anúncios são uma manifestação delas: e às vezes, tão brutalmente as manifestam que a gente fica pasmo com a brutalidade deles. Vê tu os termos deste: "Aluga-se a gente branca, casal sem filhos, ou moço do comércio, um bom quarto de frente por 60$ mensais, adiantados, na Rua D., etc., etc." Penso que nenhum miliardário falaria tão rudemente aos pretendentes a uma qualquer de suas inúmeras casas; entretanto, o modesto proprietário de um cômodo de sessenta mil-réis não tem circunlóquios.
- Que concluis daí?
- O que todos concluem. Mais vale depender dos grandes e dos poderosos do que dos pequenos que tenham, porventura, uma acidental distinção pessoal. O doutor burro é mais pedante que o doutor inteligente e ilustrado.
- Estás a fazer uma filosofia de anúncios?
- Não. Verifico nos anúncios velhos conceitos e preconceitos. Queres um outro? Ouve: "Senhora distinta, residindo em casa confortável, aceita uma menina para criar e educar com carinhos de mãe. Preço razoável.Cartas para este escritório, a Mme., etc., etc."
Que te parece este anúncio, meu caro Jarbas?
- Não lhe enxergo nada de notável.
- Pois possui.
- Não vejo em quê.
- Nisto: essa senhora distinta quer criar e educar com carinhos de mãe, uma menina; mas pede paga, preço razoável - lá está. É como se ela cobrasse os carinhos que distribuísse aos filhos e filhas. Percebeste?
- Percebo.
- Outra coisa que me surpreende, na leitura da seção de anúncios dos jornais, é a quantidade de cartomantes, feiticeiros, adivinhos, charlatães de toda a sorte que proclamam, sem nenhuma cerimônia, sem incômodos com a polícia, as suas virtudes sobre-humanas, os seus poderes ocultos, a sua capacidade milagrosa. Neste jornal, hoje, há mais de dez neste sentido. Vou ler este, que é o maior e o mais pitoresco. Escuta: "Cartomante - Dona Maria Sabida, consagrada pelo povo como a mais perita e a última palavra da cartomancia, e a última palavra em ciências ocultas; às excelentíssimas famílias do interior e fora da cidade, consultas por carta, sem a presença das pessoas, única neste gênero - máxima seriedade e rigoroso sigilo: residência à rua Visconde de xxx, perto das barcas, em Niterói, e caixa postal número x, Rio de Janeiro. Nota: - Maria Sabida é a cartomante mais popular em todo o Brasil". Não há dúvida alguma que essa gente tem clientela; mas o que julgo inadmissível é que se permita que "cavadoras" e "cavadores" venham a público, pela imprensa, aumentar o número de papalvos que acreditam neles. É tolerância demais.
- Mas, Raimundo, donde te veio essa mania de ler anúncios e fazer considerações sobre
eles?
- Eu te conto, com algum vagar.
- Pois conta lá!
Eu me dava, há mais de um decênio, com um rapaz, cuja família paterna conheci. - Um belo dia, ele me apareceu casado. Não julguei a coisa acertada, porque, ainda muito moço, estouvado de natureza e desregrado de temperamento, um casamento prematuro desses seria fatalmente um desastre. Não me enganei. Ele era gastador e ela não lhe ficava atrás. Os vencimentos do seu pequeno emprego não davam para os caprichos de ambos, de forma que a desarmonia surgiu logo entre eles. Vieram filhos, moléstias, e as condições pecuniárias do ménage foram ficando atrozes e mais atrozes as relações entre os cônjuges. O marido, muito orgulhoso, não queria aceitar os socorros dos sogros. Não por estes, que eram bons e suasórios; mas pela fatuidade dos outros parentes da mulher, que não cessavam de lançar na cara desta os favores que recebia dos pais e decuplicar os defeitos do seu marido. Freqüentemente brigavam, e todos nós, amigos do marido, que éramos também envolvidos no desprezo liliputiano dos parentes da mulher, intervínhamos e conseguíamos apaziguar as coisas por algum tempo. Mas a tempestade voltava, e era um eterno recomeçar. Por vezes, desanimávamos; mas não nos era possível deixá-los entregues a eles mesmos, pois ambos pareciam ter pouco juízo e não saber afrontar dificuldades materiais com resignação.
Um belo dia, isto foi há bem quatro anos, depois de uma disputa infernal, a mulher deixa o lar conjugal e procura hospedagem na casa de uma pessoa amiga, nos subúrbios. Todos nós, os amigos do marido, sabíamos disso; mas fazíamos constar que ela estava fora com os filhos. Em determinada manhã, aqui mesmo, recebo uma carta com letra de mulher. Não estava habituado a semelhantes visitas e abri a carta com medo. Que seria? Fiz uma porção de conjecturas; e, embora com os olhos turvos, consegui ler o bilhete. Nele, a mulher do meu amigo pedia-me que a fosse ver, à rua tal, número tanto, estação xxx, para se aconselhar comigo. Fui de coração leve, porque a minha intenção era perfeitamente honesta. Em lá chegando, ela me contou toda a sua desdita, passou dez descomposturas no marido e disse-me que não queria saber mais dele, sendo a sua tenção ir para o interior trabalhar. Perguntei-lhe com o que contava. Na sua ingenuidade de menina pobre, criada com fumaças de riqueza, ela me mostrou um anúncio.
- Então, é daí?
- É daí, sim.
- Que dizia o anúncio?
- Que, em Rio Claro ou São Carlos, não sei, numa localidade do interior de São Paulo, precisavam-se moças para trabalhar em costuras, pagando-se bem. Ela me perguntou se devia responder, oferecendo-se. Disse-lhe que não e expliquei-lhe a razão. Tão ingênua era ela, que ainda não tinha atinado com a malandragem do anunciante... Despedi-me convencido de que seguiria o meu conselho leal; mas, estava tão fascinada e amargurada, que não me atendeu. Respondeu.
- Como soubeste?
- Por ela mesma. Ela me mandou chamar novamente e mostrou-me a resposta do meliante. Era uma cartinha melosa, com pretensões de amorosa, em que ele, o desconhecido correspondente, insinuava que coisa melhor do que costuras ela iria encontrar em Rio Claro ou São Carlos, junto dele. Pedia-lhe o retrato e, logo que fosse recebido, se agradasse, viria buscá-la. Era rico, podia fazer
- Que disseste?
- O que devia dizer e já tinha dito, pois já previa que o tal anúncio fosse uma cilada, e cilada das mais completas. Que dizes agora do meu pendor pelas leituras de anúncios?
- Tem o que se aprender.
- É isto, meu caro: há anúncios e... anúncios...
Feiras e mafuás, s.d.