quinta-feira, 23 de maio de 2019

Poesia de Quinta na Usina: Carlos Drummond de Andrade: José:




E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

O poema "José" de Carlos Drummond de Andrade foi publicado originalmente em 1942, na coletânea Poesias. Ilustra o sentimento de solidão e abandono do indivíduo na cidade grande, a sua falta de esperança e a sensação de que está perdido na vida, sem saber que caminho tomar.

Fonte de origem:

Poesia De Quinta Na Usina: Augusto dos Anjos: CANTO DE AGONIA:






Agonia de amor, agonia bendita!

--         Misto de infinita mágoa e de crença infinita. Nos desertos da Vida uma estrela fulgura

E o Viajeiro do Amor, vendo-a, triste, murmura:

-- Que eu nunca chore assim! Que eu nunca chore como Chorei, ontem, a sós, num volutuoso assomo, Numa prece de amor, numa felícia infinda,

Delícia que ainda gozo, oração, prece que ainda Entre saudades rezo, e entre sorrisos e entre Mágoas soluço, até que esta dor se concentre No âmago de meu peito e de minha saudade. Amor, escuridão e eterna claridade...

-- Calor que hoje me alenta e há de matar-me em breve, Frio que me assassina, amor e frio, neve,

Neve que me embala como um berço divino, Neve da minha dor, neve do meu destino!

E eu aqui a chorar nesta noite tão fria! Agonia, agonia, agonia, agonia!

-- Diz e morre-lhe a voz, e cansado e morrendo O Viajeiro vai, e vê a luz e vendo

Uma sombra que passa, uma nuvem que corre, Caminha e vai, o louco, abraça a sombra e... morre! E a alma se lhe dilui na amplidão infinita...


Agonia de amar, agonia bendita!

Poesia De Quinta Na usina: Fernando Pessoa: A alcova:



Desce não se por onde
Até não me encontrar.
Ascende um leve fumo
Das minhas sensações.
Deixo de me incluir
Dentro de mim. Não há
Cá-dentro nem lá-fora.
E o deserto está agora
Virado para baixo.
A noção de mover-me
Esqueceu-se do meu nome.
Na alma meu corpo pesa-me.
Sinto-me um reposteiro
Pendurado na sala
Onde jaz alguém morto.
Qualquer coisa caiu

E tiniu no infinito.




                 
Cancioneiro
Fernando Pessoa
Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/cancioneiro.htm

Poesia De Quinta Na Usina: Machado de Assis: MEU ANJO:




Um anjo desejei ter a meu lado...
E o anjo que sonhei achei-o em ti!...
C. A. DE SÁ
És um anjo d’amor — um livro d’ouro,
Onde leio o meu fado
És estrela brilhante do horizonte
Do Bardo enamorado
Foste tu que me deste a doce lira
Onde amores descanto
Foste tu que inspiraste ao pobre vate
D’amor festivo canto;
É sempre nos teus cantos sonorosos
Que eu bebo inspiração;
Risos, gostos, delícias e venturas
Me dá teu coração.
teu nome que trago na lembrança
Quando estou solitário,
Teu nome a oração que o peito reza
D'amor um santuário!
E tu que és minha estrela, tu que brilhas
Com mágico esplendor,
Escuta os meigos cantos de minh’alma
Meu anjo, meu amor.
Quando sozinho, na floresta amena
Tristes sonhos modulava,
Não em lira d'amor — na rude frauta
Que a vida me afagava,
Tive um sonho d'amor; sonhei que um anjo
Estava ao lado meu,
Que com ternos afagos, com mil beijos
Me transportava ao céu.
Esse anjo d'amor descido acaso
De lá do paraíso,
Tinha nos lábios divinais, purpúreos
Amoroso sorriso;
Era um sorriso que infundia n'alma
O mais ardente amor;
Era o reflexo do formoso brilho
Da fronte do Senhor.
É anjo sonhado, cara amiga,
A quem consagro a lira,
És tu por quem minh'alma sempre triste
Amorosa suspira!
Quando contigo, caro bem, d'aurora
O nascimento vejo
Em um berço florido, e de ventura
Gozarmos terno ensejo;
Quando entre mantos d'azuladas cores
A meiga lua nasce
E num lago de prata refletindo
Contempla a sua face;
Quando num campo verdejante e ameno
Dum aspecto risonho
Ao lado teu passeio; eu me recordo
Do meu tão belo sonho
E lembra-me esse dia venturoso
Em que a vida prezei
Que vi teus meigos lábios me sorrirem,
Que logo te adorei!
Nesse dia sorriu a natureza
Com mágico esplendor
Parecia augurar ditoso termo
Ao nosso puro amor.
E te juro, anjo meu, ditosa amiga,
Por tudo que há sagrado,
Que esse dia trarei junto ao teu nome
No meu peito gravado.
E tu que és minha estrela, tu que brilhas
Com mágico esplendor,
Escuta os meigos cantos de minh'alma,

Meu anjo, meu amor!






Poesias dispersas

Textos-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, vol. III,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Toda poesia de Machado de Assis. Org. de Cláudio Murilo Leal.
Rio de Janeiro: Editora Record, 2008.

Poesia De quinta Na Usina: D'Araújo: Verdade indesejável:




                                  Enquanto houve sobre o solo deste planeta, 
                                  um só exemplar da espécie humana, 
                                 não deixará de existir racismo e preconceito.




Conteúdo do Livro:




















Editora: www.perse.com.br


Poesia De Quinta Na Usina: D'Araújo: Fervor:


Com ar de controle e tranquilidade
escondemos no fundo do peito,
aqueles nossos desejos que nos
devoram feito fogo em nossos corpos e almas.

E nos deixamos levar em doces palavras
soltas aos ventos que nos conforta.

E assim evitamos pensar nas possibilidades
do imenso prazer de nos possuir.
Assim aos poucos vamos consumindo
o que nos consome, velando o prazer que nunca teremos


Conteúdo:





















Editora: www.perse.com.br