sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Dante Alighieri: A Divina Comédia: Inferno:




Todas no pranto acerbo, em que se afligem, Se acolhem juntas ao lugar tremendo,
108 Dos maus destinos, que se não corrigem.
Caronte, os ígneos olhos revolvendo, Lhes acenava e a todos recebia:
111 Remo em punho, as tardias vai batendo.
Como no outono a rama principia As flores a perder té ser despida,
114 Dando à terra o que à terra pertencia,
Assim de Adam a prole pervertida, Da praia um após outro se enviavam, 117 Qual ave dos reclamos atraída.
Sobre as túrbidas águas navegavam; E pojado não tinham no outro lado,
120 Mais turbas já no oposto se apinhavam.
“Aqui meu filho” — disse o Mestre amado — “concorrem quantos há colhido a morte,
123 De toda a terra, tendo a Deus irado.
“O rio prontos buscam desta sorte,
De Deus tanto a justiça os punge e excita,
126 Tornando-se o temor anelo forte!
“Alma inocente aqui jamais transita, E, se Caronte contra ti se assanha,
129 Patente a causa está, que tanto o irrita”.
Assim falava; a lúrida campanha Tremeu e foi tão forte o movimento,
132 Que do medo o suor ainda me banha.
Da terra lacrimosa rompeu vento, Que um clarão respirou avermelhado; Tolhido então de todo o sentimento,
l36 Caí, qual homem que é do sono entrado.

Contos do Sábado na Usina: Humberto de Campos: A promessa II:


Entre as mães que ficaram chorando, nenhuma, porém, chorava tanto, como a velha Maria Inácia, mãe do João Vicente. Pobre, vivendo menos do trabalho do que do amor daquele filho, era ele tudo na sua vida obscura. Quando o capitão passara pela vila, tomando o nome aos rapazes, tinha ela mais uma filha e um filho. O filho havia morrido e a filha casara-se. E, a partir desse dia, João Vicente, o mais novo, se tornara o seu tesouro e o seu mundo. 
Era um rapagão forte, claro, vistoso. Alegre e brincalhão, passava as noites em festas e serenatas, fazendo sonhar as moças do lugar. Exímio tocador de violão, não havia noite de lua que ele não a atravessasse acordado, indo cantar e tocar, com outros, companheiros de infância e de mocidade, nas proximidades dos prédios em que havia raparigas bonitas. E os dias, passava-os em casa, ajudando a mãe a tratar da chácara pequena, ou a ensaiar modinhas chorosas para as distrações boêmias da noite. 
Por isso mesmo, por vê -lo criança, infantil, aos vinte anos, era que a mãe sentia mais a sua falta. Pessoas amigas haviam-lhe dito, que, tratando-se do filho único, lhe seria fácil conseguir a sua dispensa do serviço militar; de tal maneira, porém, o João Vicente se opusera a essa idéia, ameaçando até de a abandonar na sua velhice sem arrimo de coração, que a mísera se viu na contingência de sufocar o choro da alma, deixando-o partir, animoso, galhardo, risonho, entre as palmas das moças, e o soluço comovido das outras mães.

Contos do Sábado na Usina: Artur Azevedo: CAIPORISMO I:



— Oh! Secundino! 
— Oh! Borges! 
— Tu no Rio de Janeiro! 
— Há oito dias. 
— Vieste a passeio? 
— Não, meu amigo; vim tocado pela desgraça. 
— Pela desgraça? 
— “Desgraça” é talvez forte demais. Pelo caiporismo, se quiseres. 
— E és tão caipora assim? 
— Pertenço ao número dos tais que caem de costas e quebram o nariz! 
— Oh, diabo! entremos neste café, e, enquanto tomamos alguma coisa, conta-me qual tem sido a tua vida nestes doze anos de ausência. 
Passava-se isto na rua do Ouvidor, em frente ao Pascoal. Os dois amigos e comprovincianos entraram no Café do Rio, e sentaram-se a uma das mesas. 
— A minha vida, principiou Secundino, resume-se numa palavra: miséria. Quando vieste da Vitória e lá me deixaste, eu era ainda, por bem dizer, uma criança. Vivia em casa de minha família, onde nada me faltava. 
Morreu meu pai, morreu minha mãe, minhas irmãs casaram-se, e eu fiz-me sócio de uma loja de fazendas. Ao fim de seis meses, abriram-me falência. Saí com uma mão atrás e outra adiante, e fui ser caixeiro de um bruto, um ingrato, que, ao fim de oito anos, em vez de me dar sociedade, passou a casa a um sujeito meu desafeto. Desgostoso, abandonei o comércio e quis ser empregado público. Apresentei-me em quatro concursos, e, apesar de bem classificado, não consegui que me nomeassem. Fundei uma folha, que acabou logo por falta de assinantes. Contratei casamento com a filha de um fazendeiro rico de S. Mateus, e a minha querida noiva, que me estimava muito, morreu um mês antes do dia marcado para o casamento. Afinal, desesperado, baldo inteiramente de recursos, aceitei um lugar de contínuo na Tesouraria da Fazenda... 

—Tu?! Com as tuas habilitações?! 
— É para que vejas, respondeu Secundino com lágrimas na voz. Mas isso mesmo foi considerado muito para mim. Demitiram-me acintosamente por não ter votado no candidato oficial nas últimas eleições. Resolvi então vir para o Rio de Janeiro, ao Deus dará... Arranjei duzentos e tantos mil réis, vendendo tudo o quanto possuía, e aqui estou sem emprego, sem esperanças, sem promessa, sem relações, e com sessenta mil réis no bolso. É tudo quanto me resta da minha fortuna. 
— Pois bem , ofereço-te um emprego. 
— Deveras. 
— Oh! não é coisa para arregalares desse modo os olhos. É um biscate, que te pode servir enquanto não arranjar coisa melhor. 
— Tudo me serve, meu amigo: a minha situação é desesperadora. 
— Pois bem. Conheces a viúva Salgado? 
— Não conheço aqui ninguém. 
— Tens razão. A viúva Salgado é uma senhora riquíssima. Tem duas filhas. Quer que elas saibam francês, inglês, e me incumbiu de contratar um professor que lhe dê lições em casa, duas vezes por semana, ganhando cento e vinte mil réis mensais. 
— Mas é uma pechincha. 
— Não tens que perder tempo. Aqui está um cartão meu para te apresentares hoje mesmo, agora mesmo, se quiseres, em casa da viúva Salgado. 
— Onde é. 
— Rua do Catete. 
— Número? 
— Não sei o número, mas o condutor te indicará a casa. Não há quem não conheça a viúva Salgado. 
Olha, toma-se o bonde ali defronte e para-se mesmo na porta. Sabes onde é o Ministério dos Estrangeiros? 
— Não. 
— Conheces o Palácio de Nova Friburgo? deves conhecer, que diabo! já tens oito dias de Rio de 
Janeiro! 
— Conheço. 
— Pois é nessas imediações; quase defronte. 
— Já sei pouco mais ou menos onde deve ser. 
— Pois vais tomar o bonde, e sê feliz. 
Daí a dois minutos, Secundino partia para a rua do Catete. 
O bonde parou no largo da Carioca. 
Uma senhora de meia idade, muito gorda, muito feia, mas luxuosamente vestida, aproximou-se para entrar no carro. Havia um único lugar desocupado ao pé de Secundino. Este encolheu-se todo para deixar entrar a senhora, que só a muito custo conseguiu abrir caminho entre os joelhos do provinciano e o banco da frente. 
Depois de sentada, a senhora gorda encarou o seu vizinho com um olhar cheio de ódio, e disse bem alto, para que todos ouvissem: 
— Com efeito! Sempre há sujeitinhos muito malcriados! E repetiu, depois de alguns segundos: 
— Sujeitinhos muito malcriados! 
— Isso é comigo, minha senhora? perguntou Secundino timidamente. 
— Pois com quem há de ser? Se fazia tanto empenho em ficar na ponta do banco, devia levantar-se um instantinho para deixar-me passar sem me magoar as pernas nem amarrotar o vestido! Ora vejam como ficou esta saia! 
— Minha senhora, quem não quer se sujeitar a estas contrariedades não anda de bonde: aluga um carro. 
— Cale-se! Não seja insolente! Você responde assim por ver que não tenho um homem a meu lado. 
E a senhora gorda percorreu com os olhos todos os passageiros do bonde, na esperança de que algum tomasse as dores por ela. 
— O meu caiporismo! refletiu Secundino. E, enfiado, apeou-se no largo da Mãe do Bispo. 
Veio outro bonde. O provinciano entrou nele, e um quarto e hora depois, subia a escada da viúva 
Salgado. 
Calcou o botão de uma campainha elétrica, Veio um copeiro encasacado. Secundino entregou o cartão 
do seu amigo Borges, e esperou. 
Daí a cinco minutos abriram-lhe a porta da sala, uma sala opulenta, atapetada com luxo, mobiliada suntuosamente, cheia de quadros e quinquilharias. 
Esperou meia hora. Rasgou-se afinal, um reposteiro de seda, e apareceu a dona da casa. A viúva, mal encarou Secundino, gritou, cheia de surpresa e de cólera: 
— Pois é você, seu malcriado?! E eu que supunha ser o senhor Borges! Ponha-se já, já no olho da rua! 
Já!... 
Secundino reconheceu na viúva Salgado a senhora gorda do bonde. Saiu da sala precipitadamente e 
desceu a escada aos pulos. Só respirou na rua. 
Foi realmente, muito caiporismo!

Contos do Sábado na Usina: Machado de Assis: LINHA RETA E LINHA CURVA IV:

  

No dia seguinte, ao meio-dia, Diogo apresentou-se ao Tito, e depois de falar sobre diferentes coisas, tirou do bolso uma cartinha, que fingira ter esquecido até então, e a qual mostrava não dar grande apreço. - Que bomba! disse ele consigo, na ocasião em que Tito rasgou a sobrecarta. Eis o que dizia a carta: "Dei-lhe o meu coração. Não quis aceitá-lo, desprezou-o mesmo. A sua bota magoou-o demais para que ele possa palpitar ainda. Está morto. Não o censuro; não se deve falar de luz aos cegos; a culpada fui eu. Supus que pudesse dar-lhe uma felicidade, recebendo outra. Enganei-me. "Tem a glória de retirar-se com todas as honras de guerra. Eu é que fico vencida. Paciência! Pode zombar de mim; não lhe contesto o direito que tem para isso. "Entretanto, devo dizer-lhe que eu bem o conhecia; nunca lho disse, mas conhecia-o; desde o dia em que o vi pela primeira vez em casa de Adelaide, reconheci na sua pessoa o mesmo homem que um dia veio atirar-se aos meus pés... Era zombaria então, como hoje. Eu já devia conhecê-lo. Caro pago o meu engano. Adeus, adeus para sempre." Lendo esta carta, Tito olhava repetidas vezes para Diogo. Como é que o velho se prestara àquilo? Era autêntica ou apócrifa a tal carta? Sobre não trazer assinatura, tinha a letra disfarçada. Seria uma arma de que o velho usara para descartar-se do rapaz? Mas, se fosse assim, era preciso que ele soubesse do que se passara na véspera. Tito releu a carta muitas vezes; e, despedindo-se do velho, disse-lhe que a resposta iria depois. Diogo retirou-se esfregando as mãos de contente. É que a carta cuja leitura os leitores fizeram ao mesmo tempo que o nosso herói não era a que Emília lera a Diogo. Na minuta apresentada ao velho a viúva declarava simplesmente que se retirava para a corte, e acrescentava que entre as recordações que levava de Petrópolis figurava Tito, pela figura que ele havia representado diante dela. Mas essa minuta, por uma destreza puramente feminina, não foi a que Emília mandou a Tito, como viram os leitores. À carta de Emília respondeu Tito nos seguintes termos: "Minha senhora, "Li e reli a sua carta; e não lhe ocultarei o sentimento de pesar que ela me inspirou. Realmente, minha senhora, é esse o estado do seu coração? Está assim tão perdido por mim? "Diz Vossa Excelência que eu com a minha bota machuquei o seu coração. Penaliza-me o fato, sem que eu entretanto o confirme. Não me lembra até hoje que tivesse feito estrago algum desta natureza. Mas, enfim, Vossa Excelência o diz, e eu devo crê-lo. "Lendo esta carta Vossa Excelência dirá consigo que eu sou o mais audaz cavalheiro que ainda pisou a terra de Santa Cruz. Será um engano de observação. Isto em mim não é audácia, é franqueza. Lastimo que as coisas chegassem a este ponto, mas não posso dizer-lhe nada mais que a verdade. "Devo confessar que não sei se a carta a que respondo é de Vossa Excelência. A sua letra, de que eu já vi uma amostra no álbum de D. Adelaide, não se parece com a da carta; está evidentemente disfarçada; é de qualquer mão. Demais, não traz assinatura. "Digo isto porque a primeira dúvida que nasceu em meu espírito proveio do portador escolhido. Pois quê! Vossa Excelência não achou outro senão o próprio Diogo? Confesso que de tudo o que tenho visto em minha vida, é isto o que mais me faz rir. "Mas eu não devo rir, minha senhora. Vossa Excelência abriu-me o seu coração de um modo que inspira antes compaixão. Esta compaixão não lhe é desairosa, porque não vem por sentido irônico. É pura e sincera. Sinto não poder dar-lhe essa felicidade que me pede; mas é assim. 94 "Não devo estender-me e, contudo custa-me arrancar a pena de cima do papel. É que poucos terão a posição que eu ocupo agora, a posição de requestado. Mas devo acabar e acabo aqui, mandando-lhe os meus pêsames e rogando a Deus para que encontre um coração menos frio que o meu. "A letra vai disfarçada como a sua, e; como na sua carta, deixo a assinatura em branco." Esta carta foi entregue à viúva na mesma tarde. À noite Azevedo e Adelaide foram visitá-la. Não puderam dissuadi-la da idéia da viagem para a Corte. Emília usou mesmo de uma certa reserva para com Adelaide, que não pôde descobrir os motivos de semelhante procedimento, e retirou-se um tanto triste. No dia seguinte, com efeito, Emília e a tia aprontaram-se e saíram para voltar para a corte. Diogo ficou em Petrópolis ainda, cuidando em aprontar as malas... Não queria, dizia ele, que o público, vendo-o partir em companhia das duas senhoras, supusesse coisas desairosas à viúva. Todos estes passos admiravam Adelaide, que, como disse, via na insistência de Emília e nos seus modos reservados um segredo que não compreendia. Quereria ela por aquele meio de viagem atrair Tito? Nesse caso era cálculo errado; visto que o rapaz, naquele dia como nos outros, acordou tarde e almoçou alegremente. - Sabe, disse Adelaide, que a esta hora deve ter partido para a cidade a nossa amiga Emília? - Já tinha ouvido dizer. - Por que será? - Ah! isso é que eu não sei. Altos segredos do espírito de mulher! Por que sopra hoje a brisa deste lado e não daquele? Interessa-me tanto saber uma coisa como outra. No fim do almoço Tito, como quase sempre, retirou-se para ler durante duas horas. Adelaide ia dar algumas ordens quando viu com pasmo entrar-lhe em casa a viúva, acompanhada de um criado. - Ah! não partiste? disse Adelaide correndo a abraçá-la. - Não me vês aqui? O criado saiu a um sinal de Emília. - Mas que há? perguntou a mulher de Azevedo, vendo os modos estranhos da viúva. - Que há? disse esta. Há o que não prevíamos... És quase minha irmã... posso falar francamente. Ninguém nos ouve? - Ernesto está fora e o Tito lá em cima. Mas que ar é esse? - Adelaide! disse Emília com os olhos rasos de lágrimas, eu o amo! - Que me dizes? - Isto mesmo. Amo-o doidamente, perdidamente, completamente. Procurei até agora vencer esta paixão, mas não pude; e quando, por vãos preconceitos, tratava de ocultar-lhe o estado do meu coração, não pude, as palavras saíram-me dos lábios insensivelmente... - Mas como se deu isto? - Eu sei! Parece que foi castigo; quis fazer fogo e queimei-me nas mesmas chamas. Ah! não é de hoje que me sinto assim. Desde que os seus desdéns em nada cederam, comecei a sentir não sei o quê; ao princípio despeito, depois um desejo de triunfar, depois uma ambição de ceder tudo, contanto que tudo ganhasse; afinal não fui senhora de mim. Era eu quem me sentia doidamente apaixonada e lho manifestava, por gestos, por palavras, por tudo; e mais crescia nele a indiferença, mais crescia o amor em mim. - Mas estás falando sério? - Olha antes para mim. - Quem pensara?... - A mim própria parece impossível; porém é mais que verdade... - E ele?... - Ele disse-me quatro palavras indiferentes, nem sei o que foi, e retirou-se. - Resistirá? - Não sei. - Se eu adivinhara isto não te insinuaria naquela malfadada idéia. 95 - Não me compreendeste. Cuidas que eu deploro o que acontece? Oh! não! Sinto-me feliz, sinto-me orgulhosa... É um destes amores que brotam por si para encher a alma de satisfação: devo antes abençoar-te... - É uma verdadeira paixão... Mas acreditas impossível a conversão dele? - Não sei; mas seja ou não impossível, não é a conversão que eu peço; basta-me que seja menos indiferente e mais compassivo. - Mas que pretendes fazer? perguntou Adelaide sentindo que as lágrimas também lhe rebentavam dos olhos. Houve alguns instantes de silêncio. - Mas o que tu não sabes, continuou Emília, é que ele não é para mim um simples estranho. Já o conhecia antes de casada. Foi ele quem me pediu em casamento antes de Rafael... - Ah! - Sabias? - Ele já me havia contado a história, mas não nomeara a santa. Eras tu? - Era eu. Ambos nos conhecíamos, sem dizermos nada um ao outro... - Por quê? A resposta a esta pergunta foi dada pelo próprio Tito, que assomara à porta do interior. Tendo visto entrar a viúva de uma das janelas, Tito desceu abaixo a ouvir a conversa dela com Adelaide. A estranheza que lhe causava a volta inesperada de Emília podia desculpar a indiscrição do rapaz. - Por quê? repetiu ele. É o que lhes vou dizer. - Mas antes de tudo, disse Adelaide, não sei se sabe que uma indiferença, tão completa, como a sua, pode ser fatal a quem lhe é menos indiferente? - Refere-se à sua amiga? perguntou Tito. Eu corto tudo com uma palavra. E voltando-se para Emília, disse, estendendo-lhe a mão: - Aceita a minha mão de esposo? Um grito de alegria suprema ia saindo do peito de Emília; mas não sei se um resto de orgulho, ou qualquer outro sentimento, converteu essa manifestação em uma simples palavra, que aliás foi pronunciada com lágrimas na voz: - Sim! disse ela. Tito beijou amorosamente a mão da viúva. Depois acrescentou: - Mas é preciso medir toda a minha generosidade; eu devia dizer: aceito a sua mão. Devia ou não devia? Sou um tanto original e gosto de fazer inversão em tudo. - Pois sim; mas de um ou de outro modo sou feliz. Contudo um remorso me surge na consciência. Dou-lhe uma felicidade tão completa como a que recebo? - Remorso? se é sujeita aos remorsos deve ter um, mas por motivo diverso. A senhora está passando neste momento pelas forcas caudinas. Fi-la sofrer, não? Ouvindo o que vou dizer concordará que eu já antes sofria, e muito mais. - Temos romance? perguntou Adelaide a Tito. - Realidade, minha senhora, respondeu Tito, e realidade em prosa. Um dia, há já alguns anos, tive eu a felicidade de ver uma senhora, e amei-a. O amor foi tanto mais indomável quanto que me nasceu de súbito. Era então mais ardente que hoje, não conhecia muito os usos do mundo. Resolvi declarar-lhe a minha paixão e pedi-la em casamento. Tive em resposta este bilhete... - Já sei, disse Emília. Essa senhora fui eu. Estou humilhada; perdão! - Meu amor lhe perdoa; nunca deixei de amá-la. Eu estava certo de encontrá-la um dia e procedi de modo a fazer-me o desejado. - Escreva isto e dirão que é um romance, disse alegremente Adelaide. - A vida não é outra coisa... acrescentou Tito. Daí a meia hora entrava Azevedo. Admirado da presença de Emília quando a supunha a rodar no trem de ferro, e mais admirado ainda das maneiras cordiais por que se tratavam Tito e Emília, o marido de Adelaide inquiriu a causa disso. - A causa é simples, respondeu Adelaide; Emília voltou porque vai casar-se com Tito. 96 Azevedo não se deu por satisfeito; explicaram-lhe tudo. - Percebo, disse ele. Tito não tendo alcançado nada caminhando em linha reta, procurou ver se alcançava caminhando por linha curva. Às vezes é o caminho mais curto. - Como agora, acrescentou Tito. Emília jantou em casa de Adelaide. À tarde apareceu ali o velho Diogo, que ia despedir-se porque devia partir para a Corte no dia seguinte de manhã. Grande foi a sua admiração quando viu a viúva. - Voltou? - É verdade, respondeu Emília rindo. - Pois eu ia partir, mas já não parto. Ah! recebi uma carta da Europa: foi o capitão da galera Macedônia que ma trouxe! Chegou o urso! - Pois vá fazer-lhe companhia, respondeu Tito. Diogo fez uma careta. Depois, como desejasse saber o motivo da súbita volta da viúva, esta explicou-lhe que se ia casar com Tito. Diogo não acreditou. - É ainda um laço, não? disse ele piscando os olhos. E não só não acreditou então, como não acreditou daí em diante, apesar de tudo. Daí a alguns dias partiram todos para a Corte. Diogo ainda se não convencia de nada. Mas, quando entrando um dia em casa de Emília viu a festa do noivado, o pobre velho não pôde negar a realidade e sofreu um forte abalo. Todavia, teve ainda coração para assistir às festas do noivado. Azevedo e a mulher serviram de testemunhas. "É preciso confessar, escrevia dois meses depois o feliz noivo ao esposo de Adelaide; - é preciso confessar que eu entrei num jogo arriscado. Podia perder; felizmente ganhei." 

contos do Sábado na Usina: Luiz Vilela: Fazendo a barba:






O barbeiro acabou de ajeitar-lhe a toalha ao redor do pescoço. Encostou a mão: 
- Ele está quente ainda... 
- Que hora que foi? - perguntou o rapazinho. 
O barbeiro não respondeu. Na camisa semi-aberta do morto alguns pêlos grisalhos apareciam. O rapazinho observava atentamente. Então o barbeiro olhou para ele. 
- Que hora que ele morreu? - o rapazinho tornou a perguntar. 
- De madrugada - disse o barbeiro; - ele morreu de madrugada. Estendeu a mão: 
- O pincel e o creme. 
O rapazinho pegou rápido o pincel e o creme na valise de couro sobre a mesinha. Depois pegou a jarra de água que havia trazido ao entrarem no quarto: derramou um pouco na vasilhinha do creme e mexeu até fazer espuma. 
O rapazinho era sempre rápido no serviço mas aquela hora sua rapidez parecia acompanhada de algum nervosismo: o pincel acabou escapulindo de sua mão e foi bater na perna do barbeiro, que estava sentado junto à cama. Ele pediu desculpas, muito sem-graça e mais descontrolado ainda. 
- Não foi nada - disse o barbeiro, limpando a mancha de espuma na calça; - isso acontece... 
O rapaz, depois de catar o pincel, mexeu mais um pouco, e então entregou a vasilhinha ao barbeiro, que ainda deu uma mexida. 
Antes de começar o serviço, o barbeiro olhou para o rapaz: 
- Você acharia melhor esperar lá fora? - perguntou, de um modo muito educado. 
Não, senhor. 
- A morte não é um espetáculo agradável para os jovens - disse. - Aliás, para ninguém... 
Começou a pincelar o rosto do morto. A barba, de uns quatro dias, estava cerrada. 
Através da porta fechada vinha um murmúrio abafado de vozes rezando um terço. Lá fora o céu ia acabando de clarear; um ar fresco entrava pela janela aberta do quarto. 
O barbeiro devolveu o pincel e a vasilhinha; o rapaz já estava com a navalha e o afiador na mão: entregou-os ao barbeiro e pôs na mesa a vasilhinha com o pincel. 
O barbeiro afiava a navalha. No salão, era conhecido seu estilo de afiar, acompanhando trechos alegres de música clássica, que ele ia assobiando. Ali, no quarto, ao lado de um morto, afiava num ritmo diferente, mais espaçado e lento: alguém poderia quase deduzir que ele, em sua cabeça, assobiava uma marcha fúnebre. 
- É tão esquisito - disse o rapazinho. 
- Esquisito? - o barbeiro parou de afiar. 
- A gente fazer a barba dele... O barbeiro olhou para o morto: 
- O que não é esquisito? - disse. - Ele, nós, a morte, a vida, o que não é esquisito? 
Começou a barbear. Firmava a cabeça do morto com a mão esquerda, e com a direita ia raspando. 
- Deus me ajude a morrer com a barba feita- disse o rapazinho, que já tinha alguma barba. - Assim eles não têm de fazer ela depois de eu morto. É tão esquisito... 
O barbeiro se interrompeu, afastou a cabeça e olhou de novo para o rosto do morto - mas não tinha nada a ver com a observação do rapaz; estava apenas olhando como ia o seu trabalho. 
- Será que ele está vendo a gente de algum lugar? - perguntou o rapazinho. 
Olhou para o alto - o teto ainda de luz acesa -, como se a alma do morto estivesse por ali, observando-os; não viu nada, mas sentia como se a alma estivesse por ali. 
A navalha ia agora limpando debaixo do queixo. O rapazinho observava o rosto do morto, seus olhos fechados, a boca, a cor pálida: sem a barba, ele agora parecia mais um morto. 
- Por que a gente morre? - perguntou. - Por que a gente tem de morrer? 
O barbeiro não disse nada. Tinha acabado de barbear. Limpou a navalha e fechou-a, deixando-a na beirada da cama. 
- Me dá a outra toalha - pediu; - e molhe o paninho. 
O rapaz molhou o paninho na jarra; apertou-o para escorrer, e então entregou ao barbeiro, junto com a toalha. 
O barbeiro foi limpando e enxugando cuidadosamente o rosto do morto. Com a ponta do pano, tirou um pouco de espuma que tinha entrado no ouvido. 
- Por que será que a gente não acostuma com a morte? - perguntou o rapazinho. -A gente não tem de morrer um dia? Todo mundo não morre? Então por que a gente não acostuma? 
O barbeiro fixou-o um segundo: 
- É - disse, e se voltou para o morto. Começou a fazer o bigode. 
- Não é esquisito? - perguntou o rapazinho. - Eu não entendo. 
- Há muita coisa que a gente não entende - disse o barbeiro. Estendeu a mão: 
- A tesourinha. 
Na casa, o movimento e o barulho de vozes pareciam aumentar; de vez em quando um choro. O rapazinho pensou alegre que já estavam quase acabando e que dentro de mais alguns minutos ele estaria lá fora, na rua, caminhando no ar fresco da manhã. 
- O pente - disse o barbeiro. - Pode ir guardando as coisas. 
Quando acabou de pentear, o barbeiro se ergueu da cadeira e contemplou o rosto do morto. 
- A tesourinha de novo - pediu. 
O rapaz tornou a abrir a valise e a pegar a tesourinha. 
O barbeiro se curvou e cortou a pontinha de um fio de cabelo do bigode. Os dois ficaram olhando. 
- A morte é uma coisa muito estranha - disse o barbeiro. 
Lá fora o sol já iluminava a cidade, que ia se movimentando para mais um dia de trabalho: lojas abrindo, estudantes andando para a escola, carros passando. 
Os dois caminharam um bom tempo em silêncio; até que, à porta de um boteco, o barbeiro parou: 
- Vamos tomar uma pinguinha? 
O rapaz olhou meio sem jeito para ele; só bebia escondido, e não sabia o que responder. 
- Uma pinguinha é bom para retemperar os nervos - disse o barbeiro, olhando-o com um sorriso bondoso. 
- Bem... - disse o rapaz. 
O barbeiro pôs a mão em seu ombro, e os dois entraram no boteco.

Contos do Sábado na Usina: Eric Nepomuceno: La Suzanita:




O Peugeot parou na esquina do posto de gasolina. Ali acabava o asfalto e começava a rua de terra. Era como a fronteira do mundo com outro mundo. Dali em diante, seria a pé. Precaución, compaiero, havia dito El Gitano na noite anterior, enquanto terminávamos o café. 
O chofer gordo e queimado de sol puxou um lenço do bolso e sem tirar o cigarro da boca secou a testa, o queixo e o nariz. Depois olhou o taxímetro, que marcava dezoito e quarenta, e disse: Veinte. Estendi duas notas de dez e uma de cinco e disse: Gracias. Ele resmungou alguma coisa que não entendi. Desci do carro. 
Fiquei parado na estrada, bem ali, na fronteira entre o asfalto e a estrada de terra batida, vendo como ele manobrava sem nenhuma perícia e levàva o Peugeot amarelo de volta para o asfalto e desaparecia logo depois. 
Cruzar a fronteira entre os dois mundos pelo lado direito do posto de gasolina, entrar na primeira ruela à direita, caminhar quatro quarteirões, parar, acender um cigarro, continuar, agora à esquerda por outra ruela de terra, seguir até encontrar um bar chamado La Suzanita, assim mesmo, com z. Alguém estará lá, disse El Gitano, que era de pouco falar. 
- Ele vai estar lá? 
- Quizá. Es posible. Todo es posible. 
- Quero saber. Devo saber. 
- Quizá. 
El Gitano esvaziou a xícara de café, tocou a ponta do bigode com o dedo, acendeu um cigarro e não disse nada. Era mesmo de pouco falar. Muito pouco. Na verdade, eu não gostava dele. Ficou me olhando um tempinho, eu me sentia meio ridículo e um pouco irritado, e enfim ele disse: Una y cuarto. E depois completou: Más vale que no te retrases. Eu tinha chegado cinco minutos atrasado ao encontro daquela noite. Olhei para ele e disse em voz baixa: Vete a la mierda. 
Eu pensava no homem que iria encontrar e na última vez em que havíamos estado juntos, uns dois meses antes, quando as coisas eram diferentes e todos repartiam promessas nas quais acreditavam. 
Não levava relógio, mas o chofer do Peugeot garantira que faltavam quinze para a uma quando me deixara logo ali atrás, na fronteira entre o asfalto e o chão de terra, no posto de gasolina. 
O sol de outubro começou a arder em minha cara quando virei à direita e continuou ardendo nas duas quadras seguintes, e ainda quando parei e 
acendi o cigarro fora de hora. Olhei para trás, um menino vinha pela rua, e nada mais. O menino passou por mim olhando minhas calças desbotadas. 
Essa gente nunca diz nada: são pobres e calados. As janelas estavam fechadas e vi que logo adiante havia um pequeno Fiat 600 debaixo de uma árvore. A rua estava morta, como todo o resto. 
Na esquina seguinte virei à esquerda, continuei andando, o sol ardia na nuca, uma, três, cinco quadras, será que vou chegar na hora?, e apertei o passo, o bar deveria estar perto, mas tenho tempo, pensei, tenho tempo, se ele estiver lá e eu chegar atrasado vai ser desagradável, e andei mais rápido ainda e vi, na outra esquina, a placa da Coca-Cola anunciando enfim o La Suzanita. 
Eram duas portas abertas para a calçada de cimento coberta de poeira da rua de terra, e uma camionete empoeirada na esquina seguinte e eu adivinhava gente escondida, na vigia, nas redondezas. 
Duas portas abertas e lá dentro, ninguém: três mesas de ferro, um balcão, prateleiras com latas e garrafas, cartaz de cigarros. Fiquei esperando. 
De repente, atrás do balcão surgiu um garoto de uns quinze anos. Eu disse buenas tentando arrastar cada letra para dar um ar de preguiçosa familiaridade e serenidade, mas ele não respondeu. 
Um rádio velho chiava o noticiário da uma, e o garoto olhou para uma mesa no canto. Acompanhei seu olhar: na mesa, uma garrafa solitária de cerveja Corona entre dois copos vazios, como à minha espera e de mais alguém, e só. Sentei, enchi um copo. 
Enquanto eu bebia a cerveja o garoto sumiu por uma portinha estreita entre as prateleiras e fiquei sozinho. O rádio continuava chiando os resultados do regional de futebol e anunciou que era uma e meia. Pensei: "Não vai vir". 
As ruas de terra continuavam num silêncio de noite alta debaixo de um sol sem piedade. Fiquei pensando em como fazer para retomar o contato, agora que o sindicato tinha sido fechado e a vida era outra. Eu havia vindo de muito longe, e precisava levar de volta informações que só ele poderia me dar, em troca de informações que só eu poderia dar a ele. Era um encontro crucial, tinha sido cuidadosamente combinado, com todas as precauções e mais algumas. Quinze minutos de atraso, e ele não atrasava nunca. Quinze minutos era o tempo que teríamos para o nosso encontro. 
De repente, atrás do balcão, surgiu o ruído de pés leves que se arrastavam. Olhei, havia uma moça de uns vinte anos, misteriosamente bela e serena. Eu murmurei buenas outra vez, e outra vez foi em vão. Ela olhou para a rua e desapareceu pela portinha entre as prateleiras, para surgir de novo em seguida e fazer um gesto aflito para que eu me aproximasse. Olhei para a rua, tudo continuava igual. Contornei o balcão, entrei pela mesma portinha entre as prateleiras. Ela me olhava com olhos assustados. Vi um minúsculo colar de gotículas sobre seus lábios. Era uma menina sombria e bonita. Havia uma certa fúria em seus olhos. Fiquei olhando para ela, esperando alguma palavra, algum sinal. Ela me olhava com uma agonia juvenil enquanto buscava palavras. O silêncio pareceu durar meia-vida, até que ela disse, com voz serena: 
- Sucedió algo. 
O resto veio num jorro: não ia haver encontro, eu tinha de voltar para o hotel da cidade e esperar até às dez da manhã do dia seguinte. Se ninguém me procurasse, deveria voltar imediatamente para a capital e buscar abrigo até que tudo tornasse a se acalmar. Depois, indicou-me uma porta que dava para o quintal, dizendo que além do quintal havia outra ruela, e que eu deveria caminhar rápido até o posto de gasolina, onde um táxi estava à minha espera para me levar de volta para a cidade. 
Ela era esguia, tinha uma aflição nos gestos que contrariava a serenidade da voz e o brilho parado dos olhos. Tocou levemente minha mão, como numa despedida; depois, num arrebato sem explicação, me abraçou, antes de me empurrar na direção da porta. 
Havia outro Peugeot no posto de gasolina. O motorista era um jovem de pele curtida de sol. Não disse nada quando entrei, apenas arrancou numa velocidade de relâmpago, e assim prosseguiu por quilômetros até a cidade. Parou a três quarteirões do hotel. Não perguntei quanto devia. Desci o mais rápido que pude. Ele apenas sussurrou: Suerte. Cuidado. 
Cheguei ao hotel pouco antes das três e quinze da tarde, me estendi na cama e dormi. 
Quando acordei era noite. Persegui na televisão o noticiário das oito, e fiquei sabendo: ele tinha sido pego pouco depois das duas, naquele mesmo subúrbio operário, muito perto de onde eu estivera. Com ele, na mesma casa, havia mais três homens e uma moça. Um dos homens era El Gitano: 
reconheci seu rosto numa velha foto sem nome do arquivo policial. O noticiário dizia que tentaram resistir e que foram todos mortos no tiroteio, inclusive a moça. Dizia que ela era filha dele. Dizia também que no meio da tarde a polícia havia localizado um bar que servia de ponto de reunião, e que no bar estava um garoto. O garoto fora levado preso. Dizia tudo isso o noticiário das oito. 
No dia seguinte, depois de uma noite sem sono e atravessada de memória, fúria e medo, desci logo cedo e comprei os jornais. A notícia estava em todos, com mais estardalhaço que informação. 
Um dos jornais trazia uma foto da moça. Era realmente bonita. Tinha dezenove anos. 
Às dez e meia paguei o hotel e fui para o aeroporto. Enquanto esperava o vôo joguei fora os jornais. Antes, e sem que nunca tenha tido tempo de entender por que, rasguei cuidadosamente da página a foto da moça, dobrei-a pela metade e guardei na carteira. O nome dela era Suzanita, e nunca entendi o que me levou a querer levar a foto comigo. 
Eu sabia que era um dos próximos de uma lista sem fim. Queria apenas chegar de volta à capital, avisar os companheiros, buscar abrigo e pensar no que poderia ser feito. 
Uma semana depois, quando fui preso, a fotografia continuava na minha carteira. 
Eu consegui me manter à tona até o momento em que um deles resolveu examinar de novo minha carteira. Até ali, eu estava indo bem - até perguntarem se eu sabia quem era a moça. Um deles fez a pergunta com toda calma, enquanto os outros sorriam. 
Eu disse apenas que era uma moça que tinha conhecido numa cidade do interior. Foi então que o inferno começou.

Dante Alighieri: A Divina Comédia: Inferno:


 
Eis vejo a nós em barca se acercando,
De cãs coberto um velho — “Ó condenados,
84 Ai de vós! — alta grita levantando.
“O céu nunca vereis, desesperados: 
Por mim à treva eterna, na outra riva,
87 Sereis ao fogo, ao gelo transportados.
“E tu que estás aqui, ó alma viva,
De entre estes que são mortos, já te ausenta!”
90 Como não lhe obedeço à voz esquiva,
“Por outra via irás” — ele acrescenta 
— “Ao porto, onde acharás fácil transporte; 
93 Lá pássaras sem barca menos lenta”. —
“Não te agastes, Caronte! Desta sorte
Se quer lá onde” — disse-lhe o meu Guia —
96 “Quem pode ordena. E nada mais te importe”.
Sereno, ouvido, o gesto se fazia Da lívida lagoa ao nauta idoso,
99 Quem em círculos de fogo olhos volvia.
As desnudadas almas doloroso
O gesto descorou; dentes rangeram
102 Logo em lhe ouvindo o vozear raivoso.
Blasfemaram de Deus e maldisseram
A espécie humana, a pátria, o tempo, a origem
105 Da origem sua, os pais de quem nasceram.

Sexta na Usina: Poetas da Rede: Paulo Major:

 


Obrigado meu amor

Meu amor acredite ou não

No meu passado distante

Eu já tive muitas e muitas paixões

Até você aparecer na minha vida.

Meu amor acredite ou não

Eu  já sorri com outros sorrisos

Eu já beijei outros lábios

Eu já fiz sexo com paixão

Com outros belos corpos.

Meu amor acredite ou não

Eu já vi a lua

De mãos dadas

Com outras mãos

Sentido o momento.

Meu amor acredite ou não

Meu pobre coração aventureiro

Nunca amou de verdade

Nem nunca conheceu na verdade

O verdadeiro verídico amor.

Meu amor acredite ou não

Meu coração, era apenas um saltimbanco

Saltando de coração em coração

Em busca do real amor.

Meu amor!

Foi o seu sorriso

Foi o seu olhar

Foram as suas doces palavras

Foi a sua simpatia.

Foi a sua amizade

Fo a sua magia

Que o conquistaram na verdade

O meu pobre coração.

Meu amor foi o seu amor

Que fez crescer em mim

E o meu coração

Sonhar com o amor.

Meu amor meu pobre coração

Ainda hoje por você!

Ele, se derrete de amor

Sentindo uma paixão, sem limite.

Meu amor, obrigado por tudo

Obrigado, pelo seu apoio

Pela sua bela companhia

e pelo seu amor.

Te juro.

Obrigado!

Por essa bendita maravilha

Onde meu coração aventureiro

Conheceu na verdade, sem mentira

O gosto do verdadeiro lar.

Meu amor mais uma vez

E nunca é demais agradecer

O meu muito obrigado

Por você, ter aparecido na minha vida

Te juro.

Meu amor o meu coração

Ontem. Hoje e no futuro

É definitivamente infinitamente seu

Te juro.

Eu te amo! Meu amor.

Paulo Major Poesia

Data-11 de Março de 2021

Sexta na Usina: Poetas da Rede: Adalberto Silva:

 


Amor em Silêncio!

Chego à  janela,à sua procura.

Busco tua sombra,escutar tua voz.

Conversar contigo,falar de nós.

Minhas batidas apressadas, quero ouvir.

Tocar teu rosto,te ver sorrir.

Sentir teu cheiro em um abraço.

Anseio escutar o que queres dizer.

Já penso: esse momento.

Nunca vou esquecer.

Mas eis que tú,ainda calado,

Me olhas encantado,como quem vê uma pintura.

E logo chegas tão carinhoso.

Beijando meu rosto, com grande ardor.

Então sorrio!

E pelos teus olhos,vejo o brilho do amor.

A luz que acende,aquece meu coração!

Ana Carlota Rilho - Portugal

05/12/2020

Direitos autorais reservados

Sempre estarei à sua espera

Em puro silêncio,eu a conheço

O nosso amor é ousado e primordial

Nossos corações palpitam juntos

Suas mãos são macias,ao tocar-me e sorrimos tão felizes

Os nossos cheiros, são pura sedução

O seu abraço é só felicidades

Desejo te falar: que te amo,te quero e sempre sonhei contigo

Você me faz tão bem

Não quero que me esqueças,nunca!

Você é uma deusa que esbanja a magia e laçou- me!

Tú mereces beijos e palavras meigas

Linda, você sorri de tanto amor

Meus olhos sempre me entregaram

E te dizem: o quanto te amo

Juntos acendemos a luz sublime do eterno amor

Entre nós!

(Adalberto Silva)

Brasil

Sexta na Usina: Poetas da Rede: José Alberto Sá:

 


Quero...

Quero falar-te do poder do homem!

De mim!

Do poder da imagem que eu crio em ti!

Do essencial que planeio contigo!

Do irresistível aroma que sinto no teu corpo!

Da realidade que procuro em cada sonho, sendo tu a mulher escolhida!

Quero falar-te do poder, após entrarmos no reino que idealizo!

Após nos unir e gritar em conjunto!

De mim, de ti... Deste homem!

José Alberto Sá

Sexta na Usina: Poetas da Rede: José Mauro de Toledo.: ASSEPSIAS:

 


"... a franqueza sincera que outorgas ao teu espírito,

desarma qualquer paranoia

exterior ! "

Allen Ginsberg ___

*

... numa epígrafe atribuída, segundo alguns estudiosos,

a Friedrich Nietzsche,

argumenta o filósofo alemão :

"... você só aniquila o que for capaz de substituir ! "

E ora análogo, cauteloso tanto quanto o cáustico filósofo,

consideres que ao contrário do que verbaliza

a parvoíce humana,

nada na existência se moverá por nebulosos absolutismos,

ou varridos projetos de extermínio

com suas truculentas assepsias

ideológicas ...

Mas por um sólido cardápio de argumentos e ideias,

capazes de remediar ou até enriquecer

o já estabelecido ...

Entenda, meu amigo, que no Universo,

como também sobre esse cotidiano que tanto ajuízas,

desaprovas,

vigorará a sempre rígida,

operante

e transformadora 'Lei das Causalidades',

que imune às afrontosas psicopatias

do mundo,

a seu tempo tudo sopesa,

revitaliza,

aperfeiçoa !

*

______________

José Mauro de Toledo.

PHOTO by Rodney Smith.

Sexta na Usina: Poetas da Rede: João Moura:

 


Ah, foram tantas vis auroras

A querer os teus beijos, teu conforto

Como a primavera quer pra si as floras

E o outono replantando a tudo torto.

Querendo omitir de ti o fato

Não falei pra salvar me do embaraço,

Para quê falarei de assunto chato

Se o pato se contenta com pedaço.

Falarei para ti só de alegria

E assim esconder meu sofrimento

Ah foram tantas vezes que eu queria

Ter teu corpo me tirando do relento.

Mas ouvir tua voz é como um  canto

Do vento uivando entre os belos matagais

A chamar me e sem forças eu portanto

Voltarei pra te abraçar oh meu encanto.

João Moura

Natal RN.