domingo, 4 de dezembro de 2022

Crõnicas de Segunda na Usina: D'Araújo: Masoquismo futebolístico:


É domingo o sol brilha com aquela intensidade que só um aficcionado por futebol consegue enxergar, e para completar o seu time de coração, o seu pobre coração que a muito aprendeu a aguentar sofrimento, pois há dezoito anos que ele não ganha nem jogo de quermesse, com muita reza e propina, chegou novamente à final do campeonato nacional. 

Então você não tem outra alternativa senão, a de comprar umas dez caixas de cerveja, uns quinze quilos de carne daquelas que nem abacaxi amacia.
Pois a rapaziadas que você jamais deixaria de convidar para assistir o jogo na sua residência, faz leão africano parecer vegetariano.
Nem preciso comentar a alegria da sua esposa com este acontecimento, porque a casa praticamente se transforma em um campo de batalha, pois na sua doce ingenuidade de torcedor fanático não lhe passa pela cabeça qualquer possibilidade de imaginar que seu querido clube, por sinal o melhor do mundo, na sua visão, claro.
Possa deixar passar esta oportunidade de vencer, afinal o adversário é baba.
A gente sabe que depois do jogo, ganhando ou perdendo, a cerveja e a carne de casa perdem o sabor. Então todos, menos a mulher, claro, vão comemorar ou se lastimar em desculpas que só você ver, bem ali no boteco da esquina.
E ai os restos daquela sangrenta batalha de xingamentos e palavrões, fica a cargo da digníssima esposa que não seria louca de reclamar na frente dos seus dóceis amigos.
Mas dessa vez ele resolveu fazer diferente, pois era um momento muito especial, então despachou a dona da pensão para a casa das amigas afinal mulheres adora secar jogo do time do marido, é a única vingança que elas têm contra aquele adversário invencível.
Assim a retirada dela é estratégica e necessária para o território ficar livre para todos.
Ele não pode correr o risco de ser achocalhado pelos amigos com aquelas indiretas infame de uma mulher insatisfeita, mesmo porque eu não sei o que leva o homem achar que quem manda em casa é ele.
Finalmente a arena esta montada a cerveja nem precisa ta gelada, a carne mal esquenta já tem alguém rasgando ela no dente, como se estivesse com uma fome de antes de ontem.
O jogo começa assim como a tensão só aumenta a carne desses de goela a baixo feito quiabo, que nem nos dentes tocam.
O seu time precisa da vitória, o primeiro tempo termina no zero a zero, não tem problema ali foi só pra aquecer, no segundo tempo ele vai da uma sacolada de gols no pobre coitado do adversário.
Começa o segundo tempo e a cerveja nem passa mais pela geladeira antes de beber,
Bem, a partir daí o negro nem olha mais para a churrasqueira, porque meu amigo, carne mau passada e cerveja quente fazem uma pressão no estomago que nem avestruz agüenta.
Depois de noventa minutos de desespero já nos acréscimos para ser mais exatos aos quarenta e seis do segundo tempo, seu time precisando ganhar, o juiz marca um pênalti duvidoso contra o seu time, o que leva todos ao desespero.
O atacante corre bate na bola e o goleiro salvador defende que alegria, que nada o juiz mandou voltar à cobrança o goleiro se mexeu da linha.
O atacante corre para a bola e com a escolha certa do canto da trave onde ele chutou a bola, nem mesmo ele saberia que ali naquele momento enterrava o lindo sonho de ser campeão daquele ingênuo e desconhecido torcedor.
Então lá se foram o seu lindo domingo, e pensar que ele antecede a dolorosa e inevitável segunda feira de pura gozação naquele trabalho que já lhe caia como uma tortura permanente.
Bem, o que lhe restava era torcer para aquela carne mal passada e a agora amarga cerveja não lhe cause uma dolorosa congestão.
E quando ele achou que tudo tinha acabado não é que lhe entra porta a dentro a sua querida esposa com aquele olhar sarcástico e o sorriso no canto da boca, de tanta satisfação e muita energia. Sabe-se La o que ela andou conversando com as amigas para estar naquele fogo todo, assim ignorando aquela situação ali estabelecida de repente ela pula encima dele pronta para lhe devorar.
Ainda meio desolado e furioso, ele busca algo que lhe dê motivação, quando ele vira o seu olhar para a TV qual a primeira imagem que ele vê, isso mesmo o juiz dando as suas explicações sobre a marcação do pênalti.
E daquela inanimada criação o individuo com uma mente perturbada pelos acontecimentos, ele logo imagina que aquele desalmado e infame juiz que lhe arrancou o sonho de ser campeão certamente tem uma esposa.
Então ele se veste com a capa dos insensatos e em segundos ele se transforma em um garanhão insaciável, em minutos ele devora a sua querida esposa com a maestria dos que nasceram para o sexo.
Então a sua doce amada em delírios de prazer, e incapaz de imaginar que pensamento povoava o seu amado, ela fica a imaginar porque ele não tem a mesma atitude quando o seu time ganha.
E ao final daquele bailar de corpos em chamas já lhe é impossível esconder o seu sorriso de intensa alegria, pois ali estava a sua doce vingança para aquele insensível que lhe arrancou o titulo. E assim ele segue arrastando suas ilusões de grandeza ao sabor do momento, até que recomece novamente o campeonato.
E a sua doce amada a lhe desejar que seu time nunca venha a ganhar.

 

FIM


Crônicas de Segunda na Usina: Auridan Dantas: UM TAL DE VOUCHER:


Época de férias é uma onda. Tem de tudo um pouco: excur- sões, farofeiros, cruzeiros e simples viagens. 
Numa dessas viagens, um colega beradeiro aprontou uma, pois jamais tinha ido a um hotel. No máximo, uma hos- pedagem numa Kombi - (não vou dizer o nome, senão ganho um inimigo). Ajudado por colegas, fez a reserva em um hotel, pela internet, e levou a família: esposa e dois filhos. Os colegas fizeram todos os demais procedimentos e entregaram a ele a confirmação da reserva. 
Ao chegar ao hotel, o recepcionista perguntou se ele tinha trazido o VOUCHER. Ele de pronto respondeu: não. Só veio eu, a Gorete - minha esposa, o VALTER e o VOLBER - meus filhos. Não sei nem quem é esse tal de Voucher, e tenho pena dele, pois o cabra só nascer uma vez, e ainda ter um nome desses. É sacanagem dos pais. 
O recepcionista ‘tá até hoje se mijando de rir.


Crônicas de Segunda na Usina: Lima Barreto: Sobre o desastre;



Viveu uma semana a cidade sob a impressão do desastre da rua da Carioca. A impressão foi tão grande, alargou-se por todas as camadas, que temo não ter sido de tal modo profunda, pois imagino que, quando saírem a luz estas linhas, ela já se tenha apagado de todos os espíritos. 
Todos procuraram explicar os motivos do desastre. Os técnicos e os profanos, os médicos e os boticários, os burocratas e os merceeiros, os motorneiros e os quitandeiros, todos tiveram uma opinião sobre a causa da tremenda catástrofe. 
Uma coisa, porém, ninguém se lembrou de ver no desastre: foi a sua significação moral, ou antes, social. 
Nesse atropelo em que vivemos, neste fantástico turbilhão de preocupações subalternas, poucos têm visto de que modo nós nos vamos afastando da medida, do relativo, do equilibrado, para nos atirarmos ao monstruoso, ao brutal. 
O nosso gosto que sempre teve um estalão equivalente à nossa própria pessoa, está querendo passar, sem um módulo conveniente, para o do gigante Golias ou outro qualquer de sua raça. 
A brutalidade dos Estados Unidos, a sua grosseria mercantil, a sua desonestidade administrativa e o seu amor ao apressado estão nos fascinando e tirando de nós aquele pouco que nos era próprio e nos fazia bons. 
O Rio é uma cidade de grande área e de população pouco densa; e, de tal modo o é, que se ir do Méier à Copacabana, é uma verdadeira viagem, sem que, entretanto, não se saia da zona urbana. 
De resto, a valorização dos terrenos não se há feito, a não ser em certas ruas e assim mesmo em certos trechos delas, não se há feito, dizia, de um modo tão tirânico que exigisse a construção em nesgas de chão de sky-scrapers. 
Por que os fazem então? 
É por imitação, por má e sórdida imitação dos Estados Unidos, naquilo que têm de mais estúpido - a brutalidade. Entra também um pouco de ganância, mas esta é a acoraçoada pela filosofia oficial corrente que nos ensina a imitar aquele poderoso país. 
Longe de mim censurar a imitação, pois sei bem de que maneira ela é fator da civilização e do aperfeiçoamento individual, mas aprová-la quand mème, é que não posso fazer. 
O Rio de Janeiro não tem necessidade de semelhantes "cabeças-de-porco", dessas torres babilônicas que irão enfeá-lo, e perturbar os seus lindos horizontes. Se é necessário construir algum, que só seja permitido em certas ruas com a área de chão convenientemente proporcional. 
Nós não estamos como a maior parte dos senhores de Nova York, apertados, em uma pequena ilha; nós nos podemos desenvolver para muitos quadrantes. Para que esta ambição então? Para que perturbar a majestade da nossa natureza, com a plebéia brutalidade de monstruosas construções? 
Abandonemos essa vassalagem aos americanos e fiquemos nós mesmos com as nossas casas de dois ou três andares, construídas lentamente, mas que raramente matavam os seus humildes construtores. 
Os inconvenientes dessas almanjarras são patentes. Além de não poderem possuir a mínima beleza, em caso de desastre, de incêndio, por exemplo, não podendo os elevadores dar vazão à sua população, as mortes hão de se multiplicar. Acresce ainda a circunstância que, sendo habitada, por perto de meio a um milhar de pessoas, verdadeiras vilas, a não ser que haja uma polícia especial, elas hão de, em breve favorecer a perpetração de crimes misteriosos. 
Imploremos aos senhores capitalistas para que abandonem essas imensas construções, que irão, multiplicadas, impedir de vermos os nossos purpurinos crepúsculos do verão e os nossos profundos céus negros do inverno. As modas dos "americanos" que lá fiquem com eles; fiquemos nós com as nossas que matam menos e não ofendem muito à beleza e à natureza. 
Sei bem que essas considerações são inatuais. Vou contra a corrente geral, mas creiam, que isso não me amedronta. Admiro muito o Imperador Juliano e, como ele, gostaria de dizer, ao morrer: "Venceste Galileu". 
Revista da Época, 20-7-1917


Crônicas de Segunda na Usina: Erça de Queiroz: Londres, 14 de Abril de 1877:




Londres, 14 de Abril de 1877 
Estamos, parece, nas vésperas da guerra. 
A Turquia deu ao ultimato da Rússia uma verdadeira resposta turca – verbosa, altiva, teimosa, cheia do espírito de fatalismo muçulmano: recusa tudo: fazer concessões ao Montenegro, desarmar, mandar embaixadores a Sampetersburgo, aceitar as intervenções alheias, renovar quaisquer garantias, quase discutir: desprende-se assim violentamente das combinações diplomáticas, carrega a espingarda e espera. Era fácil prever esta reacção do orgulho turco. 
Há um ano que a Sublime Porta vive num estado de humilhação permanente. A Europa tem-na tratado como um seu subalterno dependente e inconsciente: impõe-lhe constituições, governa as suas finanças, discute a sua administração, usa da sua capital como de uma sala de hotel para instalar conferências, manda comissões impertinentes investigar os seus massacres domésticos, dá razão às províncias que se insurreccionam, força-a a constantes renovações do funcionalismo, censura as suas despesas, decide nos seus tribunais, obriga-a a nomear um parlamento, repreende-a, diz-lhe «chut!», desacredita-a, ralha-lhe, ameaça-a, não admite que ela tenha um espírito de raça, uma tradição histórica, uma necessidade religiosa e trata-a absolutamente como se ela fosse uma povoação de negros perdida no Sul da África. 
Esta situação não podia durar. O Turco é inteligente, orgulhoso, bravo, teimoso, fanático; um dia viria em que, enfastiado de ver em roda de si tantos pedagogos a querer dirigi-lo e tantos ferrabrases a franzirem-lhe a testa – devia necessariamente dar dois passos a trás e meter a espingarda à cara. 
Foi o que sucedeu. 
Aceitando tacitamente a guerra, a Sublime Porta foi hábil. Qualquer nova concessão que 
fizesse seria inútil: a Rússia sempre quis a guerra; através das declarações adocicadas de paz, da proposta de conferências, das esperanças nas soluções diplomáticas a Rússia ia lenta e seguramente preparando a guerra. A Turquia não a podia evitar; e indo, decisivamente, ao encontro dela mostra ao menos um sentimento de dignidade e de força. 
Além disso impelia-a a grande corrente do sentimento nacional; a cólera pública, excitada pelos ulemás, pelo partido da Velha, Turquia. é tão forte que concessões demasiadas ou a demonstração evidente de uma submissão à Europa faria correr um grande risco à dinastia dos Osmanlis. 
O actual grão-vizir tinha de mais a mais um interesse de ambição pessoal em se mostrar resistente e enérgico: é que, tendo substituído Midhat Paxá exilado tinha de mostrar as fortes qualidades que o sentimento geral atribui a Midhat: Midhat tem um grande partido, não só em Constantinopla mas em todo o império; ele é considerado como homem capaz de fazer face à Europa, de manter a dignidade da raça turca e de saber morrer com honra: ora o actual grão- vizir quer provar, para se manter, que não é um patriota inferior a Midhat: ninguém, na diplomacia, duvida que esta razão de política pessoal influiu poderosamente para a altiva resposta da Turquia ao ultimato da Rússia. Acresce a estas uma outra razão: é que a Turquia não pode licenciar o seu exército e que para o fazer viver tem de o fazer combater. Os Turcos têm quase duzentos mil homens mobilizados, reunidos na fronteira, com grandes esforços e sacrifícios nos dois últimos anos. Que se faria a este exército desmobilizando-o? Num país em que não há caminhos de ferro, quase não há estradas, estes homens, pertencendo às províncias mais afastadas do império, como poderiam voltar às suas casas? O Estado não tem dinheiro para os transportar. Com que recursos pessoais empreenderão eles a viagem? Nesta época do ano, os trabalhos do campo estão feitos; o Estado não tem trabalho que lhes dar, em que se ocupariam eles? A maior parte, em dois anos de acampamento, têm perdido o hábito do trabalho agrícola; o instinto da raça é militar: todo o turco ganha facilmente o hábito de ser soldado; perde mais facilmente o hábito de ser cultivador. 
Este exército desmobilizado dispersar-se-ia através de províncias pobres, assoladas pela insurreição, e seria um elemento de desordem, de pilhagem, de deboche, e a renovação das cenas da Bulgária: assim o sentimento nacional, estreitas questões de ambição pessoal, inextricáveis dificuldades financeiras – aí está o que leva a Turquia à guerra. 
O imperador da Rússia, por seu lado, é impelido também pelo entusiasmo público. 
Um retraimento agora poderia causar como na Turquia um abalo revolucionário em toda a Rússia. E um ódio nacional: os jornais, pela exaltação da sua cólera, pelas narrações permanentes das crueldades e das opressões turcas sobre os cristãos; os comités de Moscovo pela sua vasta influência; o sacerdócio russo por uma prédica irritada e fanática mantêm o espírito nacional num furor permanente contra o Turco; a guerra e considerada santa, sem nenhuma ideia de conquista, de anexação; é possível que a plebe e a rica burguesia mercantil de Moscovo e das cidades pensem em Constantinopla; mas as classes militares, a aristocracia, sabem bem que nem a Inglaterra nem a Áustria lhes permitiriam aumentar o território: e realmente por um puro sentimento, pela libertação dos cristãos que se batem. E no fundo os dois governos – russo e turco são impelidos por um fanatismo contrario. 
Qual será o resultado da luta? A desproporção de forças na fronteira é grave: os Russos têm duzentos e setenta e cinco mil homens de infantaria, vinte mil cavalos e novecentas peças de artilharia. Os Turcos têm cento e cinquenta mil homens de infantaria, três mil cavalos e duzentos e dezasseis canhões. Este número inferior é compensado por esta consideração: que o Turco é atacado e o Russo ataca – ora é conhecido que o Russo é o mais vagaroso e insuficiente dos exércitos de ataque e o Turco é um admirável soldado de defesa. Ninguém como ele para manter uma posição: é ainda uma qualidade que a sua religião lhe deu: a impassibilidade. 
Os Russos decerto podem mobilizar rapidamente grandes forças, mas aos Turcos basta-lhes levantar o estandarte do Profeta para que todo o maometanismo, sejam quais forem as dissidências de seita, corra às armas. 
Kalil Paxá, o embaixador da Turquia em Paris, dizia há dias, como o velhaco sorriso de velho maometano:

Crônicas de Segunda na Usina: Machado de Assis: 1.º DE JULHO DE 1863:


Os homens que se ocupam seriamente das coisas do Brasil tem um duplo título ao nosso reconhecimento: o que resulta do próprio fato e o que procede da singularidade e da estranheza dele, no meio da indiferença e da exageração. Por isso menciono logo no começo da crônica o livro do Sr. Wolff o Brasil Literário, belo volume em francês, que se não encontra ainda ou já se não encontra nas livrarias. 

Tive ocasião de folhear esse volume, mas apenas folhear. O autor procurou ser o mais minucioso possível, e pareceu-me que o foi. Reparei, é certo, na exclusão de alguns verdadeiros poetas e na menção de outros a quem Alceste podia dirigir esta interrogação: 
Quel Besoin si pressant avez-vous de rimer? 
Et qui, diantre, vous pousse à vous faire imprimer? 
Mas tudo é desculpável quando há no livro muito para agradecer. O Sr. Wolff socorreu-se do mais que podia para compor a sua obra; esse interesse e os verdadeiros resultados conseguidos tornam o seu nome digno de gratidão dos brasileiros. 
E relativamente às publicações literárias, como se explica esta tal ou qual indiferença do Brasil vendo morrer um dos seus maiores pensadores? Haverá razões da circunstância e do momento ou vai amortecendo entre nós o amor da glória intelectual? Eu disse em uma das minhas crônicas passadas, dando notícia da morte de Timon, que não acreditava nela, em vista do silêncio que se notava na imprensa portuguesa diante de tal acontecimento. Era apenas uma conjectura de homem a quem parecia que escritores como aquele não são comuns e merecem uma calorosa menção no dia em que passam dos labores da vida para as alegrias imperecíveis da eternidade. Façam-se em todo o império algumas exceções, ninguém mais comemorou a morte de J. F. Lisboa. 
O que é certo é que o país perdeu, e sem remédio, muita página brilhante que o ilustre maranhense se preparava a escrever em honra dele. 
Passemos a outros fatos, leitor, e sem sair do Maranhão. Meu dever de cronista só me deixa tocar nos assuntos. 
O que vou mencionar não é uma novidade, propriamente dita. É mais uma prova do que já está muito sabido. 
Em minha revista passada, falando da missão que cabe ao novo bispo alude ao estado do nosso clero, que é realmente e está a pedir uma mão de ferro em brasa. Nada significa o meu nome e eu não pretendo cadeira no parlamento. O que o leitor talvez não saiba é que, se o humilde cronista tivesse esta pretensão, meia dúzia de ministros do altar lavrariam logo circular conjurando os eleitores a não dar-me um voto sequer. É o que aconteceu agora a um deputado na assembléia maranhense. Tendo ele dito que o clero da província estava desmoralizado, alguns piedosos tonsurados travaram da pena e fizeram circular, pedindo que se não desse votação ao blasfemo e sacrílego Dr. Tavares Belfort. 
Se o deputado Belfort tivesse dito do clero brasileiro o que disse do clero maranhense, de todos os pontos do império surgiriam circulares de excomunhão eleitoral contra ele. 
Isto não faz mal algum, nem a vítima da fúria padresca fica menos do que é no corpo e na alma; mas o que provam estes fatos é que aqueles que pretendem servir a religião andam a expô-la a um grande ridículo, sem proveito para as suas pessoas, nem para ninguém. 
Em um país novo, cuja maioria se divide em dois campos, a indiferença e a carolice, a missão dos ministros do altar era outra, era a missão apostólica, tolerante, elevada, a fim de convencer os incrédulos, e trazer os fanáticos ao conhecimento dos verdadeiros princípios da Igreja. 
Em vez disso, os nossos padres divertem-se em lançar às urnas eleitorais a interdição religiosa, ou escrever gazetas sem tom nem som, a respeito das quais, ninguém sabe o que admirar mais, se a impudência dos redatores, se a paciência dos assinantes. 
Ninguém que deseje a prosperidade do país pode deixar de almejar uma administração perfeitamente convicta da verdade, que tome a peito fazer dos padres apóstolos verdadeiros e dos jornais de sacristia sérias tribunas de propaganda. 
Ponham à frente dos bispados homens tais e verão como as coisas mudam e começa uma era de regeneração. 
Repito, o que indigna hoje, não é só a intolerância, e o ridículo com que ela se apresenta, ridículo funesto aos verdadeiros interesses da Igreja. E o que mais dói é ver que esta intolerância reside em um clero pela maior parte ignorante, sem prestígio, e verdade, mas também sem escrúpulos. 
Dito isto, deixemos em santa paz os padres do Brasil. 
Sua Majestade o Imperador acaba de mimosear o distinto artista português 
Raphael Croner com um magnífico alfinete de brilhantes, como lembrança, diz a 
carta da mordomia, do apreço em, que tem o seu merecimento. 
Este merecimento que o público já teve ocasião de reconhecer e aplaudir é dos mais incontestáveis. Na crônica da última quinzena fiz menção do nome do distinto artista com aquele respeito que me impõem o seu talento e os seus conhecimentos. 
Em seu segundo concerto, dado ultimamente no Ginásio, anunciou o Sr. Croner umas variações de saxofone. O efeito provou mais que muito a expectativa; neste instrumento mostrou o Sr. Croner todos os dotes que o distinguiam no primeiro. Os aplausos do público coroaram o seu precioso trabalho. 
O Sr. Croner vai fazer uma digressão pela província de S. Paulo depois do que voltará a esta Corte, para tomar o paquete da Europa. É natural que ainda se faça ouvir entre nós e confirmar ainda uma vez as boas impressões que lhe deram o nosso público e a nossa terra. 
Outro artista português, e de renome, acha-se, como já sabem os leitores, nesta Corte. É conhecido velho. O menino Arthur está um homem, crescendo-lhe com a idade a rara perícia com que, desde os tenros anos, a todos admira. Deu um concerto no Teatro Lírico onde foi recebido na forma do costume e onde executou como sempre. 
Teve também da parte do Imperador a mesma distinção que recebeu o Sr. Croner. 
Brevemente tem lugar um concerto dado por ele, destinando-se o produto à subscrição nacional. 
Esta oferta do pianista deve ser recebida pelos brasileiros com a maior gratidão. 
Não quis Arthur Napoleão deixar de contribuir com o seu talento para a coleta patriótica a que se procede. É um ato que o honra e de que não nos esqueceremos, aliando sempre ao nome artístico que ele adquiriu, o de um amigo da nação.