domingo, 4 de dezembro de 2022

Crônicas de Segunda na Usina: Machado de Assis: 1.º DE JULHO DE 1863:


Os homens que se ocupam seriamente das coisas do Brasil tem um duplo título ao nosso reconhecimento: o que resulta do próprio fato e o que procede da singularidade e da estranheza dele, no meio da indiferença e da exageração. Por isso menciono logo no começo da crônica o livro do Sr. Wolff o Brasil Literário, belo volume em francês, que se não encontra ainda ou já se não encontra nas livrarias. 

Tive ocasião de folhear esse volume, mas apenas folhear. O autor procurou ser o mais minucioso possível, e pareceu-me que o foi. Reparei, é certo, na exclusão de alguns verdadeiros poetas e na menção de outros a quem Alceste podia dirigir esta interrogação: 
Quel Besoin si pressant avez-vous de rimer? 
Et qui, diantre, vous pousse à vous faire imprimer? 
Mas tudo é desculpável quando há no livro muito para agradecer. O Sr. Wolff socorreu-se do mais que podia para compor a sua obra; esse interesse e os verdadeiros resultados conseguidos tornam o seu nome digno de gratidão dos brasileiros. 
E relativamente às publicações literárias, como se explica esta tal ou qual indiferença do Brasil vendo morrer um dos seus maiores pensadores? Haverá razões da circunstância e do momento ou vai amortecendo entre nós o amor da glória intelectual? Eu disse em uma das minhas crônicas passadas, dando notícia da morte de Timon, que não acreditava nela, em vista do silêncio que se notava na imprensa portuguesa diante de tal acontecimento. Era apenas uma conjectura de homem a quem parecia que escritores como aquele não são comuns e merecem uma calorosa menção no dia em que passam dos labores da vida para as alegrias imperecíveis da eternidade. Façam-se em todo o império algumas exceções, ninguém mais comemorou a morte de J. F. Lisboa. 
O que é certo é que o país perdeu, e sem remédio, muita página brilhante que o ilustre maranhense se preparava a escrever em honra dele. 
Passemos a outros fatos, leitor, e sem sair do Maranhão. Meu dever de cronista só me deixa tocar nos assuntos. 
O que vou mencionar não é uma novidade, propriamente dita. É mais uma prova do que já está muito sabido. 
Em minha revista passada, falando da missão que cabe ao novo bispo alude ao estado do nosso clero, que é realmente e está a pedir uma mão de ferro em brasa. Nada significa o meu nome e eu não pretendo cadeira no parlamento. O que o leitor talvez não saiba é que, se o humilde cronista tivesse esta pretensão, meia dúzia de ministros do altar lavrariam logo circular conjurando os eleitores a não dar-me um voto sequer. É o que aconteceu agora a um deputado na assembléia maranhense. Tendo ele dito que o clero da província estava desmoralizado, alguns piedosos tonsurados travaram da pena e fizeram circular, pedindo que se não desse votação ao blasfemo e sacrílego Dr. Tavares Belfort. 
Se o deputado Belfort tivesse dito do clero brasileiro o que disse do clero maranhense, de todos os pontos do império surgiriam circulares de excomunhão eleitoral contra ele. 
Isto não faz mal algum, nem a vítima da fúria padresca fica menos do que é no corpo e na alma; mas o que provam estes fatos é que aqueles que pretendem servir a religião andam a expô-la a um grande ridículo, sem proveito para as suas pessoas, nem para ninguém. 
Em um país novo, cuja maioria se divide em dois campos, a indiferença e a carolice, a missão dos ministros do altar era outra, era a missão apostólica, tolerante, elevada, a fim de convencer os incrédulos, e trazer os fanáticos ao conhecimento dos verdadeiros princípios da Igreja. 
Em vez disso, os nossos padres divertem-se em lançar às urnas eleitorais a interdição religiosa, ou escrever gazetas sem tom nem som, a respeito das quais, ninguém sabe o que admirar mais, se a impudência dos redatores, se a paciência dos assinantes. 
Ninguém que deseje a prosperidade do país pode deixar de almejar uma administração perfeitamente convicta da verdade, que tome a peito fazer dos padres apóstolos verdadeiros e dos jornais de sacristia sérias tribunas de propaganda. 
Ponham à frente dos bispados homens tais e verão como as coisas mudam e começa uma era de regeneração. 
Repito, o que indigna hoje, não é só a intolerância, e o ridículo com que ela se apresenta, ridículo funesto aos verdadeiros interesses da Igreja. E o que mais dói é ver que esta intolerância reside em um clero pela maior parte ignorante, sem prestígio, e verdade, mas também sem escrúpulos. 
Dito isto, deixemos em santa paz os padres do Brasil. 
Sua Majestade o Imperador acaba de mimosear o distinto artista português 
Raphael Croner com um magnífico alfinete de brilhantes, como lembrança, diz a 
carta da mordomia, do apreço em, que tem o seu merecimento. 
Este merecimento que o público já teve ocasião de reconhecer e aplaudir é dos mais incontestáveis. Na crônica da última quinzena fiz menção do nome do distinto artista com aquele respeito que me impõem o seu talento e os seus conhecimentos. 
Em seu segundo concerto, dado ultimamente no Ginásio, anunciou o Sr. Croner umas variações de saxofone. O efeito provou mais que muito a expectativa; neste instrumento mostrou o Sr. Croner todos os dotes que o distinguiam no primeiro. Os aplausos do público coroaram o seu precioso trabalho. 
O Sr. Croner vai fazer uma digressão pela província de S. Paulo depois do que voltará a esta Corte, para tomar o paquete da Europa. É natural que ainda se faça ouvir entre nós e confirmar ainda uma vez as boas impressões que lhe deram o nosso público e a nossa terra. 
Outro artista português, e de renome, acha-se, como já sabem os leitores, nesta Corte. É conhecido velho. O menino Arthur está um homem, crescendo-lhe com a idade a rara perícia com que, desde os tenros anos, a todos admira. Deu um concerto no Teatro Lírico onde foi recebido na forma do costume e onde executou como sempre. 
Teve também da parte do Imperador a mesma distinção que recebeu o Sr. Croner. 
Brevemente tem lugar um concerto dado por ele, destinando-se o produto à subscrição nacional. 
Esta oferta do pianista deve ser recebida pelos brasileiros com a maior gratidão. 
Não quis Arthur Napoleão deixar de contribuir com o seu talento para a coleta patriótica a que se procede. É um ato que o honra e de que não nos esqueceremos, aliando sempre ao nome artístico que ele adquiriu, o de um amigo da nação.

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