domingo, 28 de fevereiro de 2021

D'Araújo: "INSÔNIAS"


 

Avesso

 A réstia que corta o horizonte na linha reta

do meu pensar, me dá o repouso do

aconchego do colo da vida que escorrega,

nas mãos do falso destino de menino travesso.

 

Aceitando o avesso da vida.......

Poema na integra no Livro:

"INSÔNIAS"

Crônicas de Segunda Na Usina: BUZO NO ESTADÃO DE HOJE:.


Domingão, 17/11/19, linda matéria assinada por Gilberto Amendola, com o título de "O DEFENSOR DO LUGAR DA LITERATURA PERIFÉRICA", onde fala sobre o fim da Livraria Suburbano Convicto.
A matéria pode não salvar a livraria, mas será um belo documento sobre o fim 13 anos depois.
Muito bem escrito, com sensibilidade e valorizando várias histórias minhas.
Vai a foto do jornal, quando tiver LINK pra ler eu posto.
Alessandro Buzo.


sábado, 27 de fevereiro de 2021

Domingo na Usina: Biografias: Pereira da Silva:


 
Quinto ocupante da Cadeira 18, eleito em 23 de novembro de 1933, na sucessão de Luís Carlos e recebido pelo Acadêmico Adelmar Tavares em 26 de junho de 1934. Recebeu o Acadêmico Múcio Leão.
Pereira da Silva (Antônio Joaquim Pereira da Silva), jornalista e poeta, nasceu em Araruna, Serra da Borborema, PB, em 9 de novembro de 1876, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 11 de janeiro de 1944.
Era filho de Manuel Joaquim Pereira da Silva e de D. Maria Erciliana da Silva. Aos 14 anos foi matriculado no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e começou a trabalhar na Estrada de Ferro Central do Brasil. Fez os preparatórios na Escola Militar. Começou a interessar-se pelos estudos literários, estudou gramática e leu Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Fagundes Varela e Castro Alves. Em 1895, matriculou-se na Escola Militar, onde fez os preparatórios. Em 1897, foi preso em função de movimento revolucionário entre os alunos. Foi implicado e, preso incomunicável, levado para o 13º Batalhão de Cavalaria, no Paraná. Em Curitiba conheceu escritores e poetas, entre os quais Dario Veloso, que muito o influenciou. Depois da prisão, em 1900, desligou-se do Exército. Voltando ao Rio de Janeiro, passou a trabalhar como funcionário postal e cursou a Faculdade de Direito.
Começou sua carreira como crítico literário nos jornais A Cidade do Rio (de José do Patrocínio, onde usou o pseudônimo J. d’Além), Gazeta de Notícias, Época e Jornal do Comércio. Participou do grupo simbolista que publicou a revista Rosa-Cruz, que tinha à frente Félix Pacheco, Saturnino de Meireles, Paulo Araújo e Castro Meneses. Tornou-se um destacado poeta do movimento, de 1903 a 1905.
Casou-se, no Rio, com a filha de Rocha Pombo. Foi nomeado, logo depois de bacharelar-se, juiz de direito no Paraná. Em Curitiba, escreveu Solitudes, seu segundo livro, que mereceu aceitação pública. Lá poderia ter tido um belo futuro, mas decidiu pedir demissão do emprego e voltar para o Rio, em 1918, em companhia da mulher, que não se adaptara ao clima de Curitiba. Conseguiu emprego de escrevente na Central do Brasil e voltou a colaborar na Rosa-Cruz. À noite, trabalhava na Gazeta de Notícias como revisor. Em 1922, a convite do editor Leite Ribeiro, organizou e passou a dirigir a revista Mundo Literário, com Agripino Grieco e Théo Filho.
Abandonado pela mulher, e com um filho aos seus cuidados, eis o quadro da sua vida que irá se refletir na sua poesia. Fernando Góis a define como “a obra de um elegíaco, de um pessimista, um desencantado, cujas temas são a solidão, a dor, a morte, a tristeza”. Já Andrade Murici destaca aspectos da sua obra em que “a poesia está profundamente embebida do espírito do simbolismo: a linguagem alusiva e secreta, o envolvimento em atmosfera de transcendência. (...) A fluidez da expressão simbolista não o conduziu, entretanto, nem à diluição, nem ao informe. Pelo contrário, evitou a descaída para a vulgaridade”.

Atualizado em 14/06/2017.
fonte de origem:

Domingo na Usina: Biografias: Sousa Caldas:



Sousa Caldas (Antônio Pereira de Sousa Caldas), sacerdote, poeta e orador sacro, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 24 de novembro de 1762, e faleceu na mesma cidade, em 2 de março de 1814. É o patrono da cadeira n. 34, por escolha do fundador Pereira da Silva.
Era filho do comerciante Luís Pereira de Sousa e de Ana Maria de Sousa, portugueses, os quais, percebendo no filho a vocação para as letras, tudo fizeram para que florescesse. Aos oito anos de idade, e já evidenciando uma saúde frágil, foi mandado a Lisboa, aos cuidados de um tio. Foi matriculado no curso de Matemática (1778), de que se exigia então um ano para os candidatos ao curso de Cânones, em Coimbra, que ele concluiu em 1782. Prosseguiu no curso de Leis, no qual se formou somente em 1789. Em 1781 foi preso pelo Santo Ofício, por causa de suas “idéias francesas”, e penitenciado no auto-de-fé que se celebrou em 26 de agosto de 1781, sendo condenado por ser “herege, naturalista, deísta e blasfemo”. Foi transferido para o convento de Rilhafoles, a fim de ser ali “catequizado” por seis meses. Os seus biógrafos dizem que de lá saiu “regenerado”, ao ponto de se despertar nele a vocação para a vida eclesiástica. O fato é que em 1784 compõe a “Ode ao homem selvagem”, inspirada em Rousseau, e. em 1785, era apontado como um dos prováveis autores de O reino da estupidez. Antes de se formar, fez uma viagem à França, indo recomendado em Paris ao embaixador de Portugal, o Marquês de Pombal, filho. Depois da formatura (1789) viajou novamente, indo pelo Mediterrâneo até Gênova, recebendo ordens sacras em Roma no ano de 1790. Data dessa época a pequena ode "A Criação", composta ao entrar o estreito de Gênova. A partir daí, teria abandonado a poesia profana, ganhando fama como pregador e poeta sacro.
Os seus biógrafos registram que ele teria recusado dois bispados em Portugal, mas essa informação deve ser encarada com reserva, pois dificilmente tais cargos seriam oferecidos a um homem suspeito às autoridades. Em 1801 veio ao Rio de Janeiro para visitar a mãe e para aí se transferiu definitivamente em 1808. Nessa fase, confirma o renome de orador sacro, sendo significativo que nunca tenha sido nomeado pregador da Capela Real. De 1810 a 1812 compôs as “Cartas”, de que restam apenas umas cinco, quando seriam pelo menos meia centena. Versam sobre a liberdade de opinião, mostrando que a fé religiosa, sincera e forte, coexistia nele com a extrema liberdade intelectual. Desinteressado e modesto, sofrendo a vida toda por sua constituição frágil, faleceu aos 51 anos, sendo enterrado no convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro.
fonte de origem;

Domingo na Usina: Biografias: Evanildo Cavalcante Bechara:

 


Quinto ocupante a Cadeira nº 33, eleito em 11 de dezembro de 2000, na sucessão de Afrânio Coutinho e recebido em 25 de maio de 2001 pelo Acadêmico Sergio Corrêa da Costa.
Evanildo Cavalcante Bechara nasceu no Recife (PE), em 26 de fevereiro de 1928. Aos onze para doze anos, órfão de pai, transferiu-se para o Rio de Janeiro, a fim de completar sua educação em casa de um tio-avô.
Desde cedo mostrou vocação para o magistério, vocação que o levou a fazer o curso de Letras, modalidade Neolatinas, na Faculdade do Instituto La-Fayette, hoje UERJ, Bacharel em 1948 e Licenciado em 1949.
Aos quinze anos conheceu o Prof. Manuel Said Ali, um dos mais fecundos estudiosos da língua portuguesa, que na época contava entre 81 e 82 anos. Essa experiência permitiu a Evanildo Bechara trilhar caminhos no campo dos estudos lingüísticos. Aos dezessete, escreve seu primeiro ensaio, intitulado Fenômenos de Intonação, publicado em 1948, com prefácio do filólogo mineiro Lindolfo Gomes. Em 1954, é aprovado em concurso público para a cátedra de Língua Portuguesa do Colégio Pedro II e reúne no livro Primeiros Ensaios de Língua Portuguesa artigos escritos entre os dezoito e vinte e cinco anos, saídos em jornais e revistas especializadas.
Concluído o curso universitário, vieram-lhe as oportunidades de concursos públicos, que fez com brilho, num total de onze inscritos e dez realizados. Aperfeiçoou-se em Filologia Românica em Madri, com Dámaso Alonso, nos anos de 1961 e 1962, com bolsa oferecida pelo Governo espanhol. Doutor em Letras pela UEG (atual UERJ), em 1964.
Convidado pelo Prof. Antenor Nascentes para seu assistente, chega à cátedra de Filologia Românica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UEG (atual UERJ) em 1964. Professor de Filologia Românica do Instituto de Letras da UERJ, de 1962 a 1992. Professor de Língua Portuguesa do Instituto de Letras da UFF, de 1976 a 1994.
Professor titular de Língua Portuguesa, Lingüística e Filologia Românica da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques, de 1968 a 1988. Professor de Língua Portuguesa e Filologia Românica em IES nacionais (citem-se: PUC-RJ, UFSE, UFPB, UFAL, UFRN, UFAC) e estrangeiras (Alemanha, Holanda e Portugal).
Em 1971-72 exerceu o cargo de Professor Titular Visitante da Universidade de Colônia (Alemanha) e de 1987 a 1989 igual cargo na Universidade de Coimbra (Portugal).
Professor Emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1994) e da Universidade Federal Fluminense (1998).
Dentre suas teses universitárias contam-se os seguintes títulos: A Evolução do Pensamento Concessivo no Português (1954), O Futuro em Românico (1962), A Sintaxe Nominal na Peregrinatio Aetheriae ad Loca Sancta (1964), A Contribuição de M. Said Ali para a Filologia Portuguesa (1964), Os Estudos sobre Os Lusíadas de José Maria Rodrigues (1980), As Fases Históricas da Língua Portuguesa: Tentativa de Proposta de Nova Periodização (1985). Autor de duas dezenas de livros, entre os quais a Moderna Gramática Portuguesa, amplamente utilizada em escolas e meios acadêmicos, e diretor da equipe de estudantes de Letras da PUC-RJ que, em 1972, levantou o corpus lexical do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, sob a direção geral de Antônio Houaiss.
Orientador de dissertações de Mestrado e de teses de Doutoramento no Departamento de Letras da PUC-RJ, no Instituto de Letras da UFF e no Instituto de Letras da UERJ, desde 1973. Membro de bancas examinadoras de dissertações de Mestrado, de teses de Doutoramento e de Livre-Docência na Faculdade de Letras da UFRJ, no Instituto de Letras da UERJ e em outras IES do país, desde 1973. Membro de bancas examinadoras de concursos públicos para o magistério superior no Instituto de Letras da UFF, no Instituto de Letras da UERJ e no Departamento de Letras da USP, desde 1978.
Foi Diretor do Instituto de Filosofia e Letras da UERJ, de 1974 a 1980 e de 1984 a 1988; Secretário-Geral do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro, de 1965 a 1975; Diretor do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, de 1976 a 1977; Membro do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro, de 1978 a 1984; Chefe do Departamento de Filologia e Lingüística do Instituto de Filosofia e Letras da UERJ, de 1981 a 1984; Chefe do Departamento de Letras da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques, de 1968 a 1988.
fonte de origem:

Domingo na Usina: Biografias: Afrânio Coutinho:


 
Quarto ocupante da Cadeira 33, eleito em 17 de abril de 1962, na sucessão de Luís Edmundo e recebido em 20 de julho de 1962 pelo Acadêmico Levi Carneiro. Recebeu o Acadêmico Eduardo Portella.
Afrânio Coutinho, professor, crítico literário e ensaísta, nasceu em Salvador, BA, em 15 de março de 1911 e faleceu no dia 05 de agosto de 2000 no Rio de Janeiro, RJ.
Filho do engenheiro Eurico da Costa Coutinho e de Adalgisa Pinheiro dos Santos Coutinho, fez o curso primário em escola pública, o secundário no Ginásio N. S. da Vitória, dos Irmãos Maristas, e os preparatórios no Colégio da Bahia. Diplomou-se em Medicina, em 1931, mas não seguiu a carreira médica, entregando-se ao ensino de Literatura e História no curso secundário, foi bibliotecário da Faculdade de Medicina, Professor da Faculdade de Filosofia da Bahia.
Em 1942 foi para os Estados Unidos, convidado para exercer o cargo de redator-secretário da revista Seleções do Reader’s Digest, em Nova York, permanecendo no posto por cinco anos. Durante esse tempo, frequentou cursos na Universidade de Columbia e em outras universidades norte-americanas, aperfeiçoando-se em crítica e história literária com mestres europeus e americanos. Em 1947, de regresso ao Brasil, fixou-se no Rio de Janeiro. Foi nomeado catedrático interino do Colégio Pedro II, na cadeira de Literatura. Efetivou-se na cadeira por concurso, em 1951, com tese sobre o Barroco, de grande repercussão. Também naquele ano fundou, na Faculdade de Filosofia do Instituto Lafayette, a cadeira de Teoria e Técnica Literária, primeira iniciativa do gênero no Brasil.
Em 1948, inaugurou, no “Suplemento Literário” do Diário de Notícias, a seção “Correntes Cruzadas”, que manteve até 1961, debatendo problemas de crítica e teoria literária. Colaborou ativamente na imprensa e em revistas literárias, do país e do estrangeiro. Dirigiu a revista Coletânea (1951-1960) e divulgou os critérios de análise estético-literária formulados pelo New Criticism norte-americano.
Em 1952, foi encarregado pelo professor Leonídio Ribeiro, diretor do Instituto Larragoiti, da Companhia Sul América, de planejar e dirigir a publicação, A literatura no Brasil, com a colaboração de uma equipe de especialistas, obra publicada, em quatro volumes, de 1955 a 1959, sendo ampliada para seis volumes na edição de 1968-1971, revista e atualizada em 1986.
Em 1958, fez concurso para livre-docente da cadeira de Literatura Brasileira na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ, conquistando o título de Doutor em Letras Clássicas e Vernáculas. Em 1963, após a aposentadoria de Alceu Amoroso Lima, foi nomeado professor catedrático interino de Literatura Brasileira. Em 1965, após concurso, foi nomeado catedrático efetivo. Designado, a seguir, para dividir o ensino de letras da Faculdade de Filosofia, criou a Faculdade de Letras da UFRJ, que instalou e organizou. Em 1968, foi nomeado Diretor da Faculdade de Letras da UFRJ, permanecendo no cargo até aposentar-se, em 1980. A ele é devida a criação da Biblioteca da Faculdade de Letras, reconhecida como a melhor do gênero no Rio de Janeiro, bem como lhe é devido o alto nível dos cursos de pós-graduação na área de Letras, dos quais foi coordenador.
Nas décadas de 1960 e 1970, realizou inúmeras viagens para o exterior, como professor visitante em universidades dos Estados Unidos, da Alemanha e da França, também com o intuito de ampliar os estudos brasileiros nas universidades visitadas.

fonte de origem:

https://www.academia.org.br/academicos/afranio-coutinho/biografia

Domingo na Usina: Biografias: Luís Edmundo:


 
Terceiro ocupante da Cadeira 33, eleito em 18 de maio de 1944, na sucessão de Fernando Magalhães e recebido pelo Acadêmico Viriato Correia em 2 de agosto de 1944.
Luís Edmundo (Luís Edmunedo de Melo Pereira da Costa), jornalista, poeta, cronista, memorialista, teatrólogo, historiador e orador, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 26 de junho de 1878, e faleceu na mesma cidade em 8 de dezembro de 1961.
Foram seus pais Edmundo Pereira da Costa e Maria Joana Melo Pereira da Costa. Já aos vinte anos Luís Edmundo fazia parte do grupo simbolista, tendo sido encarregado, por Cardoso Júnior, da direção da Revista Contemporânea, uma dentre as muitas publicações de vanguarda do Simbolismo brasileiro. De 1899 a 1900, trabalhou n’A Imprensa, de Alcindo Guanabara, passando em seguida para o Correio da Manhã, que Edmundo Bittencourt acabava de fundar. Foi, durante muitos anos, corretor de companhias francesas de navegação, tendo feito inúmeras viagens marítimas à Europa.
Publicou seu primeiro livro de versos, Nimbus, em 1899, logo seguido de Turíbulos, em 1900, e Turris Eburnea, em 1902, reunindo-os, mais tarde, no volume das Poesias (1896-1907). Tornou-se um poeta muito popular. Poesias suas, como o soneto “Olhos tristes’, eram declamados nos salões da época. Foi um poeta de cunho impressionista, que misturava elementos do Parnasianismo e do Simbolismo.
Luís Edmundo era um carioca apaixonado de sua cidade. Sentindo que o estro poético se lhe esgotara, transferiu o lirismo e o amor ao ritmo para um prosador que se transformaria no grande cronista da cidade. O boêmio e o poeta foram substituídos pelo bibliófilo e pesquisador do passado, buscando temas para as peças de teatro que viria a escrever. Voltou seu interesse para o século XVIII e imaginou um vasto painel do Rio de Janeiro no tempo dos Vice-reis. Foi a Portugal, pesquisou em arquivos, bibliotecas e conventos de província, depois à Espanha, reunindo material, inclusive iconográfico, para as obras que iria escrever. Encetou a crônica do passado, em O Rio de Janeiro no tempo dos Vice-reis e A corte de D. João no Rio de Janeiro, e também a da vida de sua cidade no tempo em que viveu, em O Rio de Janeiro do meu tempo, sua obra-prima, e nos cinco volumes de suas memórias.

Atualizado em 05/04/2016.

https://www.academia.org.br/academicos/luis-edmundo/biografia

Domingo na Usina: Biografias: Fernando Magalhães:


Fernando Magalhães (Ferrnando Augusto Ribeiro Magalhães), médico, professor e orador, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 18 de fevereiro de 1878, e faleceu na mesma cidade em 10 de janeiro de 1944.
Era filho de Antônio Joaquim Ribeiro de Magalhães e de D. Deolinda Magalhães. Depois de se bacharelar em ciências e letras pelo Colégio Pedro II, doutorou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1899. Ali ingressou como professor interino de Clínica Ginecológica e Obstétrica, em 1900-1901; livre docente de Obstetrícia, de 1901 a 1910; professor de Clínica Obstétrica, de 1911 a 1915; diretor do Hospital da Maternidade do Rio de Janeiro, de 1915 a 1918; catedrático de Clínica Obstétrica, em 1922. Foi diretor da Faculdade de Medicina, em 1930; reitor da Universidade do Rio de Janeiro, em 1913. Além disso, teve atuação na política nacional, como deputado do Estado do Rio de Janeiro à Constituinte em 1934.
Foi o fundador da Pró-Matre, entidade beneficente que ele dirigiu por muitos anos, com altruísmo, enlevo e dedicação. Exerceu a presidência da Academia Brasileira de Letras (em 1929, 1931 e 1932), era membro da Academia Nacional de Medicina, do Conselho Nacional de Ensino; da Sociedade de Medicina e Cirurgia; do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; da Liga de Defesa Nacional, da Academia das Ciências de Lisboa; da Société Obstétrique de Paris e de inúmeras outras associações médicas, nacionais e estrangeiras. Doutor honoris causa das universidades de Coimbra e de Lisboa; e prêmios Alvarenga e Madame Durocher da Academia Nacional de Medicina.
Deixou uma vasta obra médica, da qual se destacam os seis volumes de Clínica obstétrica, as Lições de clínica obstétrica, A obstetrícia no Brasil, Síntese obstétrica e Obstétrica forense, e mais de 200 trabalhos esparsos sobre assuntos médicos. Foi um ilustre orador.
Segundo ocupante da cadeira 33, foi eleito em 22 de julho de 1926, na sucessão de Domício da Gama, e recebido pelo acadêmico Medeiros e Albuquerque em 8 de setembro de 1926. Recebeu os acadêmicos João Neves da Fontoura, Barão de Ramiz Galvão e Alceu Amoroso Lima.
fonte de origem:

Domingo na Usina: Biografias: Domício da Gama:


 

Domício da Gama (Domício Afonso Forneiro, adotou do padrinho o Gama), jornalista, diplomata, contista e cronista, nasceu em Maricá, RJ, em 23 de outubro de 1862 e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 8 de novembro de 1925. É um dos dez acadêmicos eleitos na sessão de 28 de janeiro de 1897, para completar o quadro de fundadores da Academia. Escolheu Raul Pompeia como patrono, ocupando a cadeira n. 33. Foi recebido na sessão de 1º de julho de 1900, por Lúcio de Mendonça.

Cadeira: 
33
Posição: 
Fundador
Sucedido por:
Data de nascimento: 
23 de outubro de 1862
Naturalidade: 
Maricá - RJ
Brasil
Data de falecimento: 
8 de novembro de 1925
Local de falecimento: 

Domingo na Usina: Biografias: Silva Ramos:


 

Silva Ramos (José Júlio da Silva Ramos), nasceu na cidade do Recife, PE, a 6 de março de 1853. Era filho do médico José da Silva Ramos e de Emília Augusto Ramos. Professor, filólogo e poeta, faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 16 de dezembro de 1930.
Passou grande parte da infância em Portugal, educado pelas tias maternas. Depois de uma temporada no Brasil regressou a Lisboa, de onde se transferiu para Coimbra, em cuja Universidade se matriculou em 1872, concluindo o curso de Direito cinco anos depois.
Conviveu com os grandes escritores portugueses da época, incluindo entre eles os poetas João de Deus e Guerra Junqueiro. Em 1881 ainda estava na Europa, tendo residido por algum tempo na Inglaterra. Quando estudante universitário publicou um livro de versos ao qual deu o nome de Adejos (Coimbra, 1871). A volta definitiva ao Brasil começou pela sua cidade natal, Recife, de onde viajou para o Rio de Janeiro.
Na então capital brasileira lecionou em vários colégios. No Pedro II ensinou português, e, na mesma época, colaborou em alguns periódicos, destacando-se entre eles A Semana, dirigida por Valentim Magalhães.
Fez parte do grupo que fundou a Academia Brasileira de Letras, na qual escolheu para patrono de sua cadeira nº. 37 o poeta português Tomás Antônio Gonzaga, embora tivesse manifestado anteriormente preferência pelo nome de Gonçalves Crespo.
Fez parte, na qualidade de Segundo-Secretário, da Diretoria que assinou os primeiros estatutos da Academia, para cuja presidência chegaria a ser eleito em 22 de dezembro de 1927, recusando, contudo, a indicação.

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Domingo na Usina: Biografias: Rodolfo Amoedo:

 


Rodolfo Amoedo (Salvador, 11 de dezembro de 1857 — Rio de Janeiro, 31 de maio de 1941) foi um pintor, desenhista, professor e decorador brasileiro. Era professor na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro e foi considerado um ótimo conhecedor das técnicas artísticas. Ao começar a lecionar, sempre dava grande importância ao método de aprendizado no momento que ensinava seus alunos. Acreditava que o mais significativo não era criar especialistas e sua maior pretensão era que todos aqueles que passassem por suas mãos se tornassem grandes entendedores de arte.[1]
Tinha uma personalidade forte, a ponto de se envolver em diversas brigas. Visto por muitos críticos como um dos pintores que inovou o conceito do que era pintura durante o fim do Brasil Imperial, foi denominado com o atualizador das obras acadêmicas do final do século XIX e começo do século XX.[2] Ao morrer, suas pinturas foram doadas para o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio de Janeiro.[3]
Rodolpho Amoedo em foto de agosto de 1879.
Nascido em um vilarejo em Salvador (Bahia), em 11 de setembro de 1857, Rodolfo Amoedo era filho de pais atores[3] e estudava no Colégio Sebrão, ainda em Salvador. A família do pintor vivia sem luxo e passava por complicações financeiras.[4] Mudou-se com sua família para o Rio de Janeiro quando ainda era criança, em 1868, aos 11 anos de idade e foi matriculado no Colégio Vitorio.[5] Começou a exercer seus primeiros traços de artista quando foi convidado por um amigo pintor-letrista para trabalhar no extinto Teatro São Pedro. Foi admitido no Colégio Pedro II e ficou trabalhando por lá por algum tempo, mas a falta de dinheiro o impedia de concluir o ensino. Depois disso, começou a trabalhar como assistente do pintor-letrista Albino Gonçalves.[1] Volta aos estudos somente em 1873, aos 16 anos, matriculando-se no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, onde foi aluno de Costa Miranda e de Antônio Sousa Lobo, que acabou se tornando uma espécie de protetor de Rodolfo. Lá encontrou também o então jovem artista, Victor Meirelles, que teve um importante papel na construção artística do pintor. Afinal, as pinturas de Victor Meirelles eram repletas de lirismo e influenciaram Rodolfo, mesmo em suas obras mais naturalistas. Rodolfo aprendeu a reproduzir a suavidade e a grande variação de cores por conta do legado das obras impressionantes de Meirelles.[3][6]
O Sacrifício de Abel (1878)
No ano seguinte, graças a uma ajuda de Costa Miranda, Amoedo ingressa na Academia Imperial de Belas Artes (Aiba) como pensionista, onde estudou com outros grandes artistas, como Zeferino da Costa, Agostinho José da Mota e o escultor Chaves Pinheiro. Em 1878, ainda muito jovem, e com uma tela retratando e nomeada como "O sacrifício de Abel", Rodolfo conquistou, em um polêmico concurso, o Prêmio de Viagem à Europa, no qual concorria com Henrique Bernardelli, e com o paisagista e pintor de assuntos históricos Antônio Firmino Monteiro.[2] O concurso se tornou polêmico pelo fato de que a comissão julgadora tinha classificado Amoedo e Bernadelli como os ganhadores, e ambos ficaram em primeiro lugar, considerados pintores de alto nível. Os jurados sentiram-se incapazes de escolher apenas um e pediram para que os concorrentes resolvem o problema na sorte. Na época, o diretor da Academia se recusou a dar continuidade ao que tinha sido proposto e os jurados tiveram que dar um parecer de sua decisão. Então, foi feita uma votação secreta e o resultado deu empate novamente. O diretor da Academia precisou intervir, escolhendo o pintor Rodolfo Amoedo como o ganhador do concurso. Foi assim que o artista conseguiu sua passagem para estudar em Paris.[3][2]
Para os artistas jovens daquela época, estudar na França era muito importante. Afinal, ali estava a mais prestigiada instituição de ensino, a École des Beaux-Arts. Durante o tempo em que ficou no pensionato, começou a se envolver e a se descobrir também como um amante das obras de caráter indianista, consideradas as melhores de sua carreira. Entre elas, podemos citar o “Marabá” (1882), uma obra que representa o realismo e a sensualidade. Considerada uma renovação final da temática indianista do pintor. Mas não foi uma tela que foi aclamada de imediato pelos críticos da época, justamente por ter uma base de concepção moderna para o período histórico. E o “Ultimo Tamoio” (1883), que é considerada uma pintura em que os progressos de Rodolfo são revelados, se trata de uma técnica superior ao da obra "Marabá". Seus traços são considerados mais firmes e decididos, era a afirmação de que o mundo artístico estava em movimento.[2][6][7]
O Último Tamoio (1883), uma das obras mais notórias de Amoedo. Óleo sobre tela, 180,3 x 260 cm. Assinado R. Amoedo 1883 Paris. Está em exibição e pertence ao acervo do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Estudos em Paris
Em 1879 mudou-se para Paris. Foi para a cidade luz com a intenção de trabalhar e estudar. Inicialmente, cursa a Academia Julian. A escola exigia exames de anatomia e perspectiva, história geral e desenho ornamental para que o candidato fosse aceito e fizesse parte do grupo de alunos. Mas só em maio de 1880, após submeter-se duas vezes ao exame de admissão,[5] Rodolfo consegue matricular-se na École des Beaux-Arts. É orientado por Alexandre Cabanel, Paul Baudry e Puvis de Chavannes, renomados pintores acadêmicos do Segundo Império. Com estes orientadores, Rodolfo aprendeu a pintar, tendo como base um desenho meticuloso, aprendeu também a usar cores discretas e a criar uma arte mais objetiva. Características que ficaram presentes em suas obras durante muito tempo. Durante o período que ficou cursando a Academia de Julian, pintou temas tradicionais e buscava se livrar um pouco dos seus traços idealistas.[4][6] Rodolfo também teve a oportunidade de ser um dos alunos de Jules Joseph Lefebvre, um importante pintor acadêmico francês que influenciou uma grande parcela dos artistas que estavam na Academia Julian.[3]
As regras da Academia eram rígidas e Rodolfo Amoedo, ciente deste fato, seguiu os primeiros anos na escola sem fazer nada de errado. No ano de 1882, o pintor começou a elaborar uma obra para que pudesse expor no Salon, que era a grande vitrine artística da época.[2] Participou do Salon de Paris em 1882, 1883 e 1884, passando a desenvolver seus grandes temas em torno da mitologia (A narração de Filectas), dos retratos (Amuada), dos temas bíblicos (Jesus em Cafarnaum, A partida de Jacob) e da literatura brasileira, na qual se destacou pela produção de grandes telas voltadas para o indianismo (O Último Tamoio, Marabá).[2][4]
Outro estilo de obra de Rodolfo Amoedo que mexeram com o imaginário de muitas pessoas durante o Segundo Império brasileiro, seriam os nus que o artista fazia. Ele tratava de representar o corpo como um modelo em um quadro hipotético. Que quase sempre eram localizadas em um ambiente tropical, o que nos dá a ideia de estar representando o período colonial brasileiro. Esses nus brasileiros representam o mito do herói e do anti-herói da literatura indianista. Podemos destacar entre as obras de Amoedo, que se encaixam nesta descrição, a obra “O estudo de mulher (Mulher com Ventarola)” (1884) e o “Marabá” (1883), este que representa um nu muito mais realístico e possui um recorte muito mais focado no corpo. O ambiente que é representado em torno do corpo da índia, possui poucos elementos narrativos. É uma obra em que o pintor representa sua ideia de uma maneira mais dramática. O “Marabá”, quando foi exposto em Paris, recebeu louvações e elogios de Alexandre Cabanel, professor prestigiado de Amoedo na École des Beaux Arts.[8] Em 1883, Benedicto de Souza, um correspondente da Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro publicou suas impressões a respeito do estilo artístico do pintor: “Eu admiro no Sr. Amoedo esta bela qualidade de querer pintar as cousas de seus país. Quando tiver completa sua educação artística, e quando voltar para o Brasil e estiver em contato imediato com a natureza que ele conhece e que ele também sente e compreende, o Sr. Amoedo há de produzir quadros excelentes. É um artista de futuro.".[3]
fonte de origem:

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Contos do Sábado na Usina: Camilo Castelo Branco:

 


 



XVII

Celebrou-se o casamento na capela da quinta da Retorta. Foi o vigário de Caldelas o ministro do sacramento. D. Teresa madrinha, e o padrinho veio do Porto, o barão do Rabaçal, um gordo, casado com as brancas carnes veludosas da filha do Eusébio Macário. O padrinho, muito faceiro, dizia ao Feliciano:
– Mi pérdoe, amigo Prázins, você si casa com minina mágrita, muito seca di encontros. A mi mi dá na tineta para gostar das redondinhas, hem? É a minha filosofia. A mulher si quer roliça, de manêras que a gente ache nos braços ela.
O devasso fazia corar o casto noivo. A Marta, à sobremesa, não lhe percebia umas graçolas obrigatórias em bodas canalhas, que faziam náuseas à aristocrática D. Teresa, muito pontilhosa em não admitir equívocos. O vigário achava no barão a salobra brutalidade que faz nos inteligentes a cócega do riso que o Cervantes, o Rabelais, o Swift e o português Sr. Luís de Araújo nem sempre conseguem quando querem.
A Marta, numa tristeza inalterável, desde que saiu da igreja. Ao fim da tarde, fechou-se com D. Teresa no seu quarto, abriu o baú, e tirou do fundo o pacotinho das cartas do José Dias, e disse-lhe:
– A senhora há-de guardá-las; e, quando eu morrer, queime-as, sim?
– E se eu morrer adiante de ti? – perguntou D. Teresa risonha.
– Diga então ao Sr. Padre Osório que as queime: porque olhe – e abraçou-se nela a chorar, a soluçar – eu... eu morro, ou endoideço. Cheguei a esta desgraça; estou casada rara fazer a vontade a meu pai, cuidando que ele morria; não sei como hei-de sair disto senão acabando de vez ou perdendo o juízo como a minha mãe... bem sabe como ela acabou.
D. Teresa Osório banalmente a consolava com o vulgarismo das coisas que se dizem ao comum das meninas casadas com maridos repugnantes e ricos. – Que se havia de afazer, que tudo esquecia com o tempo. Ela, um pouco aristocrata por bastardia, não acreditava em melindres de sentimentalidade na filha do lavrador parrana e da Genoveva da vida airada. O apaixonar-se pelo Dias, um bonito rapaz de aldeia, parecialhe trivial; tentar suicidar- se quando ele morreu, para uma senhora lida em novelas românticas, era um caso ordinário e pouco significativo; porém, condescender com a vontade do pai, casando com o tio, pareceu-lhe um acto de condição plebeia, a natureza reles da filha do Simeão que afinal dominava estupidamente as indecisas manifestações de uma índole artificialmente delicada.
O padre compreendia mais humanamente Marta, dizendo à irmã:
– Ela quando consentiu em casar com o tio já estava doente da moléstia nervosa que a há-de levar ao
suicídio.
D. Teresa, com o seu critério um pouco adulterado pelas excêntricas heroínas de Sue e Dumas, não podia
entroncar aquela rapariga de uma aldeia minhota na genealogia dessas parisienses naufragadas em romanescas tempestades. E demais, se Marta, como o irmão dizia, estava sob a influência da loucura, a sua desgraça parecia-lhe uma doença e não uma tragédia, segundo as exigências de uma senhora que tinha lido o mais selecto da biblioteca romântica francesa desde 1835 a 1845 – tudo o que há de mais falso e tolo na literatura da Europa. D. Teresa queria mais drama na desgraça de Marta; porque, se alguma poesia elegíaca lhe concedera pela tentativa de matar-se, toda se resolvia em chilra prosa pelo facto de a imaginar no tálamo conjugal com o arganaz do tio.
Eram horas de deitar. O padre tinha ido para Caldelas a fim de dizer a missa de madrugada, e deixara a irmã a pedido de Marta; o barão do Rabaçal escancarava a boca nuns bocejos ruidosos e levantava uma perna espreguiçando-se; o noivo olhava para o mostrador do relógio colado aos olhos; e Marta, muito aconchegada de D. Teresa, queixava-se de cãibras; que lhe zuniam coisas nos ouvidos, que via faíscas no ar, e tinha muito calor na cabeça. D. Teresa dizia-lhe que se fosse deitar, que precisava de recolher-se. Marta pedia-lhe que a deixasse ir dormir ao pé dela, pedia-lho pela alma de sua mãe, pela vida de seu irmão.
A hóspeda compreendia, compadecia-se, receava o ataque epiléptico, precedido sempre das faíscas e cãibras de que se queixava a noiva; mas não sabia como dirigir-se ao marido de Marta a pedir-lhe que se fosse deitar sozinho. Nos seus numerosos romances não achara um episódio desta espécie. Interveio na crítica conjuntura o Simeão, dizendo à filha:
– São horas de ir à deita. O teu marido está a cair com sono.
Marta fixou o pai com os seus olhos esmeraldinos rutilantes de cólera, num arremesso de cabeça erguida, e com os lábios a crisparem. Era a nevrose epiléptica. Seguiram-se as convulsões, o espumar da boca, um paroxismo longo de vinte minutos. D. Teresa pediu que a ajudassem a levá-la para a sua cama, e disse com fidalga impertinência ao Simeão que a deixassem com ela, e não lhe falassem no marido. Simeão coçava-se com grande desgosto. O brasileiro contava ao barão que a sua sobrinha era atreita àqueles ataques; mas que o cirurgião lhe dissera que lhe haviam de passar em casando. O do Rabaçal notou que o remédio então bom era, e seria bom começá-lo quanto antes. Disse mais chalaças a propósito e foi-se deitar. Feliciano ainda foi saber como estava a esposa, mas já não havia luz no quarto de D. Teresa. Recolheuse à cama, e continuou mais uma noite no seu leito solitário, virginalmente.
D. Teresa sentia-se mal, num embaraço quase ridículo, naquele meio. Marta não a largava, parecia uma criança espavorida, agarrada ao vestido da mãe, assim que ouvia os passos do tio. Ele, muito carinhoso, com o monóculo no olho direito, a oferecer-lhe castanhas de ovos, toucinho do céu, a pegar-lhe da mão e a fazer-lhe festas no rosto muito corado de pudor. D. Teresa discretamente deixou-os sozinhos. A Marta ficou a olhar para a porta por onde a amiga se evadira, e fazia uns gestos de quem meditava raspar-se; mas o marido tinha-a segura pelas mãos mimosas, beijando-lhas ambas com uma sensualidade delicada, um pouco babada, mas muito comedida, estendendo os beijos quentes e húmidos até aos pulsos lácteos e redondinhos. Marta, numa impassibilidade, não se recusava às carícias, e pareceu mesmo inclinar um pouco o rosto quando o esposo com um bom sorriso do amor dos quinze anos lhe pediu um beijinho, que foi mais demorado do que era de esperar da sua candura e da inexperiência de tais delícias. Estavam ambos rosados; mas o rubor de Marta era carminado de mais e nos seus olhos havia uma rutilação vaga pela extensão da grande sala. Ela via a sombra de José Dias: era o José Dias em pessoa, dizia ela depois a D. Teresa, quando recuperou os sentidos, e não sabia como a transportaram para a cama da sua amiga. Apenas se lembrava de que o tio, depois que a beijara no rosto, a levara pelo braço e entrara com ela no seu quarto, apertando-a muito ao peito, levantando-a nos braços com muita força, não a deixando fugir e sufocando-lhe os suspiros com os beijos. Não se lembrava de mais nada. E D. Teresa, quanto cabia na sua alçada, contava-lhe o resto imperfeitamente; isto é, que o marido a fora chamar ao laranjal, um pouco aflito, dizendo que a sua esposa estava na cama sem sentidos; e pedia vinagre para lhe chegar ao nariz.
Padre Osório veio jantar e buscar a irmã. Observou no aspecto do brasileiro uma irradiação de felicidade, o júbilo de uni homem que se sentia impavidamente completo, na integridade da sua missão filogínica. Foi então que o padre assentou as suas teonas um pouco flutuantes acerca das vantagens da castidade em benefício das impurezas alheias.
O Feliciano, quando o cirurgião chegou à tarde, contou-lhe com pouco recato de pudicícia conjugal as circunstâncias, particularidades ocasionadas no , dizia ele. O facultativo, um velho patusco, disse que não se admirava, porque a Srª D. Marta era muito nervosa, imperfeita ainda na sua organização, e que as impressões desconhecidas e um pouco violentas nas constituições fracas produziam extraordinárias perturbações; mas que não se assustasse, que não era nada; que as segundas naturezas se faziam com o hábito.
– Banhos de mar – aconselhava – bife na grelha e vinho do Porto, quanto mais choco melhor. O que se quer cá fora é um rapaz; não há como um filho para fortalecer a compleição de uma mulher débil; um filho, quando sai do ventre da mãe, traz consigo para fora os maus nervos, e acabam os chiliques. Ande-me com um rapagão para a frente!
Na ausência de D. Teresa, a melancolia de Marta cerrava-se de dia para dia. O governo da casa era-lhe de todo indiferente, como se fosse hóspeda. O marido não a compelia a interessar-se nesses arranjos de que, dizia o Simeão, ela nunca quisera saber em Prazins. O barão do Rabaçal mandara-lhe do Porto cozinheira e governanta. Marta saía raras vezes de uma saleta onde tinha um oratório que trouxera de casa. Confessavase mensalmente a Frei Roque, o irmão da sua mestra, e professor do de Vilalva, e demorava-se no confessionário com perguntas desvairadas a respeito da alma de José Dias, porque dizia ela ao padre-mestre que o via muitas vezes em corpo e alma, e até o ouvia falar e lhe sentia as mãos no seu corpo. O frade, sem revelar o sigilo da confissão, dizia à irmã que a Marta dava em doida como a mãe.
O Feliciano ficou espavorido quando a mulher, num dos paroxismos epilépticos, se pôs a rir para ele com os olhos espasmódicos e a chamar-lhe José, seu Josezinho. Passada a nevrose, quando ela imergia num torpor físico e mental, o marido contou-lhe o caso de lhe chamar Josezinho. Ela parecia esforçar-se muito para recordar-se, e dizia que não se lembrava de nada. Vinha o cirurgião a miúdo: – que era histerismo, e consolava o marido com a esperança no tal rapagão, esperanças bem fundadas, segundo as confidências do pai; mas, consultado pelo padre Osório, o Pedrosa, um grande clínico, dizia que a brasileira não tinha simplesmente a gota coral; que havia ali epilepsia complicada com delírio, alienação mental intermitente, um estado de inconsciência ou consciência anormal, e que verdadeiramente se não podiam determinar bem quais eram os seus actos de lucidez intercorrente.
– Ela está grávida – observou o vigário de Caldelas. – Parece que este facto denota uma tal ou qual normalidade de consciência, uma concepção racional dos deveres de esposa...
– Não denota nada – refutou o médico. – Faça de conta que é uma sonâmbula. E, como a sua demência é funcional e não orgânica, não há desorganizações físicas que a estorvem de ser mãe. O meu colega que lhe assistiu à última vertigem disse-me que, alguns minutos antes do ataque, ela, numa grande irritabilidade, lhe dissera que fugia para Vilalva, que queria ver o José Dias... O marido felizmente fora nessa ocasião prover-se de vinagre à despensa. Eu considero-a perdida, a menos que se lhe não dê uma pronta e completa diversão ao espírito, e nem assim se consegue senão temporariamente deserdar os desgraçados que tiveram mãe e avó como esta Marta. Eu assisti ao primeiro e ao último período de Genoveva. Repetiram-se as vertigens, veio a decadência gradual da razão, delírios, ideias confusas, concepção difícil, nevroses vesânicas e, por fim, suicidou-se já num estado de demência epiléptica, que os especialistas consideram a mais incurável. Este me parece o itinerário da Mana, e casála com o tio deixou de ser um acto imoral para ser um estúpido arranjo de fortuna por lado do pai e de luxúria por parte do marido. Esta pequena tinha de vir a isto, e há-de ir a demência, mesmo sem drama nem paixão. Tem o cérebro defeituoso assim como podia ter a espinha vertebral raquítica. Como se faz a perda da vista? Pela paralisia dos nervos ópticos; pois a perda da vista normal da alma é também a paralisia de uma porção de massa encefálica. Bem sei que isto embaraça um pouco os senhores teólogosmetafísicos, mas lá se avenham: a verdade é esta.

Contos do Sábado na Usina: Camilo Castelo Branco:

 


 

XVI


Relatava o vigário de Caldelas:
– O cérebro do Simeão, se era refractário aos golpes da dignidade, não era mais sensível às comoções das pauladas. Duas vezes feliz quanto à cabeça: nem honra nem predisposições inflamatórias. Cicatrizou a ferida; começou a comer galinhas com a fome de um canibal e com o prazer carnívoro de uma raposa. Dera tacitamente Marta o consentimento de casar com o tio; esperava em soturno abatimento que a casassem; e, se minha irmã lhe
tocava nesse assunto, dizia: . Quanto ao casamento – prosseguiu o padre Osório – eu cismava se a primeira noite nupcial seria a véspera de escandalosas desavenças, arrependimentos, choradeiras, divórcio, vergonhas, coisas; mas ocorria-me que Feliciano me confessara repetidamente que saíra da sua aldeia aos doze anos e tornara casto e puro como saíra. E eu então, atendendo a que a castidade, além de ser em si e virtualmente uma coisa boa, tem umas ignorâncias anatómicas, e umas inconscientes condescendências com as impurezas alheias, descansava, tranquilizava o meu espírito escrupuloso. Uma falsa compreensão da honra alheia às vezes me aconselhava que mandasse o brasileiro conversar sobre o assunto com o operário que o luar enganara em certa noite; mas a honra, como a consciência, não são quantidades constantes no geral das pessoas; são condições da alma tão variáveis como a matéria exposta às mudanças climatéricas. Ora as condições mentais e morais de Feliciano Prazins eram as melhores e as mais garantidas para a sua felicidade. Com que direito ia eu estragar aquele excelente organismo?
Até aqui o padre Osório com a sua grande prática etnológica dos usos e costumes dos maridos sertanejos do
Minho.
O mano lavrador não era mais apontado em melindres de pundonor. Assim como curara em silêncio o
coração, golpeado pelas deslealdades da defunta Genoveva, do mesmo modo se acomodara com os estragos sofridos nos tegumentos da cabeça. Dizialhe o administrador que querelasse contra o Zeferino, porque havia testemunhas indicativas que faziam prova. Não quis. – Depois é que me dão cabo do canastro; – dizia com um dom profético, e circunspecção admirável num homem sem instrução primária.
No entanto, Zeferino debatia-se num azedume de desesperado, muito má-língua, insano de paixão, a degenerar para facínora em teorias de escavacar meio mundo. Começou a superar-lhe nas entranhas o vício do pai com sedes ardentes de vinho do Porto e genebra. Sentia alívios, consolações inefáveis, quando se embebedava; rejuvenescia; a vida encarava-se-lhe melhor. Arranchava com vadios nas noitadas das tavernas onde se jogava esquineta e monte. Trocava na mesa da tavolagem peças de duas caras que comprara no tempo em que amealhara dez mil cruzados com dez anos de trabalho. Os parceiros roubavam-no. Vinham de noite de Famalicão a Landim, perto das Lamelas, jogadores professos, armar a forquinha ao pedreiro com cartas marcadas e pego. Depois das perdas, quando se via atascado na esterqueira do jogo e da borracheira, embriagava-se de novo, e nessas alucinações ia a Prazins, de clavina ao ombro, com o Tagarro de Monte Córdova, e falava alto, com petulância, paira que Marta o ouvisse. O brasileiro e o Simeão tinham-lhe medo e não abriam as janelas depois do Sol posto.
Espalhou-se então a notícia de que o brasileiro ia efectivamente casar com a sobrinha.
O Zeferino escreveu ao Feliciano uma carta anónima, que era um traslado aumentado do depoimento do pedreiro que vira o José Dias saltar da janela. E por fim ameaçava-o: – que, se casasse com a Marta, não a havia de gozar muito tempo. O Feliciano mostrou a carta ao irmão. Concordaram que era o pedreiro com a sua paixão, danado de raiva. O brasileiro entrou a cismar que o celerado era capaz de levar a vingança ao cabo – bater-lhe, matá- lo. Os tiros desfechados à sua honra de marido de Marta resvalavam-lhe na couraça da consciência: , dizia ele; mas a ideia de um tiro ao seu físico, inquietava-o deveras. , dizia o brasileiro ao mano, num grande mistério.
Lembrou-lhe o seu compadre, o Francisco Melro da Pena, um taverneiro de olhos estrábicos, de alcunha o Alma Negra, um que o tinha avisado, quando a malta da patuleia tencionava agarrá-lo. O Melro rompera relações com o Zeferino, por causa da partilha de uns dinheiros apanhados na mala do correio de Guimarães, e dizia hiperbolicamente ao seu compadre que o Zeferino, quando andara na patuleia, era ladrão como rato.
O Melro era má bisca. Estivera três anos na Relação como cúmplice num homicídio que se fizera na sua tasca. Vivia apertadamente com mulher e quatro filhos, e não cessava de pedir empréstimos ao compadre desde que o avisara. Quando o Simeão foi espancado, o Melro logo lhe disse era segredo que quem lhe batera fora o Zeferino, com as costas guardadas par dois pimpões do Monte Córdova. E acrescentou: – Ele bem sabe a quem as faz. Havia de ser comigo ou com pessoa que me doesse...
O Feliciano deu um passeio para os lados da Pena, onde morava o compadre. Disse-lhe que ia ver a quinta da Comenda que se vendia; que lha fosse mostrar. Conversaram; e, no regresso, pararam em frente de uma casa com três janelas e um quintal espaçoso.
– É aqui – disse o Melro.
O brasileiro pôs o monóculo e leu um bilhete pregado na porta com quatro tachas: Domingo, às 10 da manhã, depois da missa, vai à praça a quem mais der sobre a avaliação judicial de 500$000 réis esta casa, dízima a Deus, para partilhas. O Feliciano leu, retirou-se apressado para que o não vissem, murmurando quaisquer palavras a que o compadre Melro respondeu:
– Vossoria então está a ler! Tão certo tivesse eu o Céu como tenho a casa...
Feliciano seguiu para Prazins e o Melro disse aos fregueses da taverna que o seu compadre ia comprar a quinta da Comenda, e que estivera a ler o escrito da casa do Cambado que se vendia, e dissera que talvez a comprasse para a dar a um afilhado...
– Ao teu pequeno?! – perguntavam.
– Pois a quem há-de ser! Aquilo é que é um homem às direitas!
– Ele não sabe o que tem de seu. Tanto lhe monta dar-te a casa como a mim pagar-te um quarteirão de aguardente – encareceu uni pedreiro. – Anda agora a trabalhar no palácio da Retorta. Que riqueza! Parece um mosteiro. Pelos modos vai para lá viver logo que case com a Marta. Lá o mestre Zeferino rebenta que o leva os diabos! Isso diz que dá cada arranco...
– O Zeferino, a falar a verdade, tem razão – disse o Melro. – O Simeão tinha-lha prometido. Gente sem palavra que a leve o Diabo! Eu, se fosse comigo... Mas, enfim, é irmão do meu compadre... não devo dizer nada. Que se governem.
O Melro, às 8 da noite, quando os fregueses desalojaram, fechou a taverna; e, espreitando se os pequenos dormiam, disse à mulher:
– A casa do Cambado é nossa, mas é preciso vindimar o Zeferino...
– Credo! – exclamou a mulher com as mãos na cabeça. – Nossa Senhora nos acuda!
– Leva rumar! – e punha o dedo no nariz.
– Ó Joaquim, ó marido da minha alma, lembra-te dos três anos que penaste na cadeia! Olha para aqueles quatro filhos!..
– Já te disse que me não cantes – e relançava-lhe o seu formidável olhar vesgo incendido como os lampejos da candeia em que afogueava o cachimbo de pau. Depois, foi tirar de entre a cama de bancos e a parede uma velha clavina. Sentou-se à lareira e disse à mulher que tivesse mão na candeia. Enroscou o saca-trapo na ponta da vareta de ferro e descarregou a arma, tirando primeiro a bucha de musgo, e depois, voltando o cano, vazou o chumbo na palma da mão.
– Ó Joaquim, vê lá o que vais fazer! – insistia a mulher, limpando os olhos com a estopa da camisa. E ele, assobiando o hino da Maria da Fonte, despejava a pólvora da escorva, desaparafusava a culatra e tirava as duas braçadeiras. A mulher soluçava, e ele cantando numa surdina rouca:
Leva avante, portugueses, Leva avante, e não temer...
– Pelas chagas de Nosso Senhor, lembra-te dos nossos pequenos. E o Melro numa distracção lírica:
Pela santa liberdade, Triunfar ou padecer...
Depois, bufava para dentro do cano e punha o dedo indicador no ouvido da culatra para sentir a pressão do sopro, que fazia um frémito áspero impedido pelas escórias nitrosas. Pediu à mulher umas febras de algodão em rama, enroscou-as numa agulha de albarda e escarafunchou o ouvido do cano.
– Está suja – disse ele – dá cá um todo-nada de aguardente.
– Joaquim, vamo-nos deitar, pelas almas. Não te desgraces!
– Traz aguardente e cala-te, já to disse, mulher, com dez diabos! – E pôs-se a assobiar a Luisinha. Enroscou algodão embebido em aguardente no saca-trapo e esfregou repetidas vezes o interior do cano até saírem brancas e secas as últimas farripas da zaracoteia. Soprou novamente e o ar saia sem estorvo pelo ouvido com um sibilo igual. Parecia satisfeito, e cantarolava, mezza voce:
Agora, agora, agora, Luisinha, agora.
Armou a clavina, aparafusou as braçadeiras, a culatra e a fecharia, introduzindo a agulha. Aperrou e desfechou o cão repetidas vezes, acompanhando o movimento com o dedo polegar, paira certificar-se de que o desarmador, a caixeta e o fradete trabalhavam harmonicamente. Levantou o fuzil de aço, que fez um som rijo na mola, e friccionou-o com pólvora fina; e, com o bordo de um navalhão de cabo de chifre, lascou a aresta da pederneira que faiscava.
– Valha-me a Virgem! valha-me a Virgem! – soluçava a mulher. E ele, zangado com as lástimas da mulher, com expansão raivosa, num sfogato:
E viva a nossa rainha, Luisinha
Que é uma linda capitoa...
– Vai à loja atrás da seira dos figos e traz o maço dos cartuchos e uma cabacinha de pólvora de escorvar que está ao canto.
A mulher dava-lhe as coisas, a tremer, e fazia invocações ao Bom Jesus de Braga, e às almas santas benditas. Ele encarou-a de esconso, e regougou:
– Mau!... mau!..
Carregou a. clavina com a pólvora de um cartucho; bateu com a coronha no sobrado, e deu algumas palmadas na recâmara para fazer descer a pólvora ao ouvido. Fez duas buchas do papel do cartucho, bateu-as com a vareta ligeiramente, uma sobre a pólvora e a outra sobre a bala.
Agora, a gora, agora, Luisinha, agora.
Depois, pegou da clavina pela guarda-mata, e pôs-se a fazer pontarias vagamente, passeando um olho, com o outro fechado, desde a mira ao ponto.
A mulher fora sentar-se no sobrado, à beira da enxerga de três filhos a chorar; o mais novo esperneava, dava vagidos na cama a procurá-la. Ó Alma Negra fora dentro beber uns tragos de aguardente, voltou enroupado num capote de militar, despojo das batalhas da Maria da Fonte.
– Ora agora – disse ele – ouviste? porta da cozinha e a cancela da horta aberta, porque eu venho pelo lado do pinhal.
– Vai com Nossa Senhora – disse a mulher; e pôs-se de joelhos a una estampa do Bom Jesus a rezar muitos
padre-nossos, a fio.
Era uma noite de Fevereiro, de névoa cerrada, um céu de carvão pulverizado em brumas molhadas, sem clareira onde lucilasse uma estrela. Não se agitava um galho de árvore nua movido pelo ar nem ondulava uma erva. Era a serenidade negra e imota das catacumbas. As vezes rugia nas folhas ensopadas de nebrina no chão esponjoso das carvalheiras a fuga rápida das hardas, dos toirões e das raposas que se avizinhavam do povoado a fariscarem as capoeiras. O Joaquim Melro estremecia e punha o dedo no gatilho. O restolhar de um gato-bravo, o pio da coruja no campanário distante punham arrepios de medo na espinha daquele homem que ia matar outro – chamá-lo à janela e vará-lo à traição com uma bala. – Era o traçado.
– Que raio de escuro! – dizia, esbarrando nos espinheiros perfurantes.
Em noites assim, o Universo seria o imenso vácuo precedente ao Fiat genesíaco, se os viandantes não esbarrassem com as árvores e não escorregassem nos silvedos das ribanceiras. O noctívago sente na sua individualidade, nos seus calos e no seu nariz, a doce impressão panteísta das árvores e dos calhaus. Que este globo está muito bem feito. Os transgressores do descanso que Deus estatuiu nas horas tenebrosas, os celerados das aldeias que larapeiam o presunto do vizinho, que fisgam a moça incauta ou empunham o trabuco homicida, se não temem encontrar as patrulhas cívicas das grandes municipalidades, encontram os troncos hostilmente nodosos das árvores que são as patrulhas de Deus. Alguns, porém, protegidos pelo Mefisto a quem venderam a alma pelo preço da consciência eleitoral, ou mais barata, chegam incólumes ao delito, passando ilesos como o lobo e o javali por entre os troncos das carvalheiras esmoitadas, hirtas, com os galhos a esbracejarem retorcidos numa agonia patibular.
O Melro, como o porco-montês e o lobo-cerval, embrenhara-se por pinhais e carvalheiras; às vezes, parava a orientar-se pelo cucuritar dos galos tresnoitados e latir dos cães. Ao fundo das bouças ladeirentas, rugia o rio Pele nos açudes das azenhas e nas guardas dos pontilhões. Lamelas era da parte de além. Mas o rio, de monte a monte, rugia intransitável nas pequenas pontes. Foi à de Landim, uma aldeia engravatada, onde ainda se avistavam clarões de luz nas vidraças das famílias distintas que jogavam a bisca em ricos saraus do faubourg Saint-Honoré, com uns deboches sardanapalescos de sueca a feijões.
Havia também um rumorejo de vozes que altercavam na taverna do Chasco. Tinia dinheiro lá dentro.
Jogava-se o monte.
O Melro cuidou ouvir proferir o nome do Zeferino. Abeirou-se, pé ante pé, do postigo da taverna, e convenceu-se de que estava ali o pedreiro. Era ele quem reclamava um quartinho que pusera de porta, e o banqueiro recolhera com as paradas que estavam dentro, quando tirou a contrária de cara.
Que não admitia ladroeiras!
E o banqueiro desfeiteado observava-lhe que nada de chalaças a respeito de ladroeiras; que todos os que estavam daquela porta para dentro eram cavalheiros. O Zeferino replicava que não queria saber de cavalheiros; que queria o seu quartinho ou que se acabava ali o mundo. Que quem queria roubar que fosse para a Terra Negra.
A alusão era muito certeira e inconveniente. Estavam na roda dos cavalheiros alguns veteranos da antiga quadrilha do Faísca, na Terra Negra, muito desfalcada pelo degredo e pela força. Travou-se a luta a soco e pau; havia lampejos de navalhas que davam estalos nas molas; o Tagarro de Monte Córdova tinha feito afocinhar o banqueiro sobre os dois galhos do baralho com um murro hercúleo, fenomenal. O taverneiro abriu a porta para escoar o turbilhão. Eles saíram de roldão; e, quando entestaram com a treva exterior, quedaram-se cegos como num antro de caverna. Um, porém, dos que estavam, não saiu; encostara-se ao mostrador com as mãos no baixo ventre, gritando que o mataram; e, vergando sobre os joelhos, num escabujar angustioso, caiu de bruços, quando o taverneiro e o Tagarro o seguravam pelos sovacos. Era o Zeferino.
Quando, à meia-noite, o Alma Negra entrava em casa pela porta do quintal, encontrou a mulher ainda de joelhos diante da estampa do Bom Jesus do Monte. Ao lado dela estavam duas filhas a rezar também, a tiritar, embrulhadas numa manta esburacada, aquecendo as mãos com o bafo.
O Melro mandou deitar as filhas, e foi à loja contar à mulher, lívida e trémula, como o Zeferino morreu sem ele pôr para isso prego nem estopa. Ela pôs as mãos com transporte e disse que fora milagre do Bom Jesus; que estivera três horas de joelhos diante da sua divina imagem. O marido objectava contra o milagre – que o compadre não lhe dava a casa, visto que não fora ele quem vindimara o Zeferino; e a mulher – que levasse o demo a casa; que eles tinham vivido até então na choupana alugada e que o Bom Jesus os havia de ajudar.
Ao outro dia, o Joaquim Melro convenceu-se do milagre, quando o compadre, depois de lhe ouvir contar a morte do pedreiro, lhe disse:
– Enfim, você ganha a casa, compadre, porque mátava Zéférino, se os outros não matam ele, hem?

Contos do Sábado na Usina: Camilo Castelo Branco:

 


XV

 

O Simeão de Prazins tinha sido antigamente regedor um ano; depois, caído o ministério e o governador civil que o nomeara, voltou ao poder o Joaquim de Vilalva, cartista puritano, com a restauração da Carta. Duas restaurações boas. O Simeão lembrava-se com saudades da sua importância no ano em que governara a freguesia – o respeito dos rapazes recrutados, as considerações dos taverneiros, que davam jogo em casa, das raparigas solteiras que andavam grávidas, a autoridade do seu funcionalismo na junta de paróquia, etc. Ora, como o Joaquim de Vilalva, desgostoso e doente com a morte do filho, pedira a demissão, o administrador nomeou a regedoria no de Prazins. O brasileiro achou que era bom ter de casa a autoridade para maior segurança dos seus cabedais e pessoa. Foi uma desgraça.
Depois do convénio de Gramido, Zeferino recolhera às Lamelas com alguns dos seus primitivos legionários. Ele tinha passado transes amargos. Juntara-se ao aventureiro Reinaldo MacDonnell, em Guimarães, quando o escocês descia do Marco de Canaveses para Braga; esteve nas barricadas da Cruz da Pedra quando o barão do Casal espatifou a resistência daqueles desgraçados iludidos pelo caudilho estrangeiro; foi dos primeiros a fugir por Carvalho de Este, a compreender a inutilidade da defesa, e por montes e vales deu consigo em Porto de Ave, e daqui foi para Guimarães, onde se aquartelaram o MacDonell com o seu estado-maior. Logo que chegou foi procurar o tenente-coronel Cerveira Lobo, que fazia parte do cortejo do general. Mandaram-no ao palacete do visconde da Azenha, onde o escocês se tinha aquartelado com o seu estadomaior. O Cerveira Lobo estava a beberricar conhaque velho copiosaimente sobre uma ceia farta, comida sem sobressaltos. À mesa, onde faiscavam os cristais dos licores, avultavam, cintilando os metais das suas fardas, o quartel-mestre-general Vitorino Tavares, de Fagilde, José Maria de Abreu, ajudante-de-ordens, o morgado de Pé de Moura, o Cerveira Lobo e o Sebastião de Castro, do Covo, comandante do batalhão de voluntários realistas de Oliveira de Azeméis, que arredondava 42 praças, e seu irmão António Carlos de Castro, ajudante-de-ordens do general – dois homens gentilmente valorosos;
– o coronel Abreu Freire, morgado de Avanca, e o Bandeira de Estarreja que é hoje padre.
A noite era de 27 de Dezembro de 1846, muito fria. Bebia-se forte. A garrafeira da casa do Arco era um calorífico. O MacDonell, muito rubro, naquela bebedeira crónica que lhe assistiu na vida e na morte, esmoía a ceia passeando num vasto salão, de braço dado com uma formosa senhora da casa, D. Emília Correia Leite de Almada. Dirse- ia que o bravo septuagenário tinha vencido uma batalha decisiva, e procurava matizar com flores de Cupido os seus louros de Mavorte. E o Cerveira Lobo bebia e relatava proezas dos seus saudosos dragões de Chaves com gestos bélicos e as pernas desviadas como se apertasse nas coxas a sela de um cavalo empinado no fragor da peleja. Nisto entrou um camarada, às 11 da noite, a chamar apressadamente o quartel-mestre-general, que o procurava com muita urgência um capitão de atiradores do batalhão do Pópulo.
O Vitorino de Fagilde encontrou na sala de espera o capitão Pinho Leal8, um robusto e jovialíssimo rapaz, de trinta anos, com uma fé política, antípoda da sua forte inteligência – uma espécie de poeta medieval com um grande amor romântico às catedrais e às instituições obsoletas e extintas. Ele tinha muitos destes camaradas visionários e respeitáveis na sua falange da Madre-Silva...
– Que há? – perguntou o quartel-mestre-general.
– Há que estamos cercados pelos Cabrais. Os nossos piquetes de Santa Luzia e do Castelo já foram atacados, e ouve-se fogo de fuzil em outros pontos. Veja lá o que quer que eu faça.
O Vitorino ficou passado de terror, e levou o capitão à sala em que o MacDonell passeava pelo braço de D. Emília Azenha, e o visconde, o hospedeiro fidalgo palestrava com numerosos hóspedes, cónegos, abades, capitães- mores, antigos magistrados. Pinho Leal repetiu ao escocês o que dissera ao seu quartel-mestre. Mas a dama assustada desprendeu-se do braço do general, e foi preparar os baús para a fuga; e os do estado-maior compeliram o general a fugir também. Era uma hora da noite quando o exército realista abandonou Guimarães e entrou na estrada de Amarante.
8Era o meu actual e prezado amigo Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho Leal, autor do
Portugal Antigo e Moderno.
Pinho Leal inventara o ataque dos eabralistas para salvar-se a si e aos outros da carniçaria inevitável; porque, ao romper a manhã do dia seguinte, entraram em Guimarães seiscentos soldados do Casal ainda embriagados da sangueira de Braga. Reproduzem-se textualmente no seu estilo militarmente pitoresco os veracíssimos esclarecimentos de Pinho Leal: ...A besta do escocês continuava na sua pânria sem se importar da guerra para nada, e o mesmo faziam os da sua . Eu, vendo que de um momento para outro, podíamos ser surpreendidos e trucidadas pelos Cabrais, aproveitando a circunsttância de estar e tendo na casa da câmara um de cem homens, comandados pelo alferes José Maria (o morgado do Triste) dei-lhe a ele somente parte do que ia pôr em execução. Escolhi da gente do um sargento e quatro soldados da mesma companhia, de todo o segredo e confiança. Saí com eles por um beco e fui com eles pela frente dar uma descarga no nosso piquete de Santa Luzia, e outra no piquete do Castelo. Ao mesmo tempo, não sei quem é que estava num monte ao norte de Guimarães que deu uns poucos de tiros que muito ajudaram o meu plano. O em vista da nossa prévia combinação, mandou tocar a reunir e formou o suporte debaixo dos Arcos da Câmara. Eu e os meus cinco homens viemos sorrateiramente metermo-nos na vila. Fui a tempo em que já na Praça da Oliveira estava muita gente armada9.
E dali, Pinho Leal foi à casa do Arco, a fim de salvar aqueles homens que se ensopavam em bebidas de guerra numa pacificação de idiotas, e retardar alguns dias a benemérita morte do general escocês assalariado por Guizot com credenciais de Costa Cabral.
O Cerveira Lobo, quando soube que a força marchava à uma hora daquela noite frigidíssima, encarregou o Zeferino de lhe comprar uma botija de genebra da fina, Fockink legitima. Tinha um frasco empalhado que punha a tiracolo nas marchas nocturnas. Encheu-o com a ajuda do pedreiro. O tenente-coronel, num grande desequilíbrio, não acertava a despejar a botija no frasco. O Zeferino dizia depois que o vira tão borracho que logo desconfiou que malhava abaixo do cavalo. O Cerveira afirmava que se sentia com os seus trinta anos; que andara a trote largo do seu cavalo treze léguas e não estava cansado. O Zeferino perguntou-lhe se o Casal os apanharia ainda de noite; se estaria tudo acabado com outra mastigada como a de Braga. Cerveira respondeu iracundo que o general era um asno, e que ele estava resolvido e mais o Vitorino a matálo como traidor ao Sr. D. Miguel I.
Moveu-se o exército em direitura à Lixa. O Cerveira ia no grupo do quartelgeneral. MacDonell, de vez em quando, regougava monossílabos em espanhol ao quartel-mestre. O Cerveira retardava-se às vezes um pouco e emborcava o candil, grogolejando e despegando pigarros teimosos. O Vitorino notava-lhe que ele bebia de mais – que o calor da genebra não se espalhava pelo corpo, mas sim concentrava-se na cabeça – que era um perigo. O Cerveira dizia que estava afeito; mas queixava-se de dores nas fontes e zunidos nas orelhas; que não se podia lamber com sono, e que dava cinco mil cruzados por estar na sua cama. E abaixando a voz tartamuda:
– Este ladrão deste inglês meto-lhe a espada até aos copos! Palavra de honra que o mato amanhã!
O Vitorino deu tento de que o tenente-coronel gaguejava; mas atribuiu à embriaguez o embaraço na fala. Entrou a queixar-se o Cerveira de que estava tonto da cabeça, que se queria apear, porque não podia agarraras rédeas; e chamava com ansiedade o Zeferino que vinha muito à retaguarda. O quartel-mestre-general chamou uni ajudante-de-ordens, e pediu-lhe que o ajudasse a apear o tenente-coronel. Cerveira Lobo dobrava o tronco ao longo do pescoço do cavalo que estranhava o peso e o sacudia, sentindo-se livre da pressão do freio.
O apopléctico ia resvalar, quando os dois oficiais o ampararam nos braços, numa síncope. Um deles acende uni palito fosfórico no lume do charuto, e disse que o tenentecoronel tinha o rosto inchado e muito vermelho. Chamavam-no, sacudiam-no; não dava sinal de vida; nem um ronquido estertoroso. Inclinaram-no sobre um combro de mato molhado; não lhe acharam pulso; a boca entortara-se, e os olhos muito abertos com umas estrias sanguíneas. Estava morto, fulminado pela apoplexia alcoólica.
A respeito deste desastroso remate do ébrio ilustre, escreve Pinho Leal: Nesta retirada pelas duas ou três horas da noite, morreu em marcha com unia apoplexia fulminante o F...10 Coitado! quando me lembra isto ainda tenho cá meus remorsos de consciência. Quem sabe se seria eu a causa da morte daquele pobre diabo? Consolame porém a certeza de que, mesmo que eu fosse a causa indirecta da morte do fidalgote, poupei muitas vidas de gente moça (e a minha que era o principal para mim); e o morto já poucos anos podia durar, pois estava no calçado velho11.
Zeferino e alguns homens da comitiva do Cerveira passaram o restante da noite à beira do cadáver do fidalgo de Quadros. À claridade fusca da manhã invernosa viramlhe o semblante que metia pavor. Quiseram cerrar- lhe as pálpebras que resistiam à distensão, coriáceas, num retesamento orgástico. A maxila inferior parecia deslocada e torta, repuxando a comissura direita dos lábios num esgar de escárnio ou de angústia dilacerante. A cor do rosto era agora de unia amarelidão de barro, molhado pelo orvalho que se filtrara através do lenço com que lho cobriram. Tinha os dedos aduncos, inflexíveis, e uma das mãos afincada como garra nas correias da pasta.
Carta de 10 de Junho de 1877.
10Quando Pinho Leal publicar as suas Memórias, então se saberá o verdadeiro nome do morto.
11Carta citada.
O Zeferino disse que o seu tenente-coronel devia trazer um cinturão com dinheiro em ouro; mas ninguém ousou desabotoar a farda do morto defendido pelo sagrado terror da morte. Apenas uma das sentinelas intanguidas de frio, votou que se bebesse o resto da genebra. Assim que foi dia claro, o Zeferino desceu à igreja próxima, a Margaride, avisar o pároco que tinha morrido na estrada um fidalgo do exército do Sr. D. Miguel. O padre, estremunhado e liberal, respondeu que não era coveiro; que se dirigisse ao regedor. A autoridade, sem as delongas dos processos legais, depositou o cinturão com as peças na mão do administrador, e mandou abrir uma cova no adro da igreja, onde o baldearam com um responso económico. Passavam jornaleiros para as roças. Punham as enxadas no chão e encostavam às mãos calosas as caras contemplativas. O regedor contava que lhe acharam mais de um conto de réis em ouro.
– Toma! – disse um dos jornaleiros – um conto de réis! – E inclinando-se à orelha de outro jornaleiro: – Ó Tónio, se temos ido mais cedo para o monte... e topámos o morto...
– Que pechincha!...
Restos de virtudes antigas. Estavam a fazer um idílio em prosa.
O Zeferino acompanhou a guerrilha até que mataram o general em Trás-os- Montes os soldados do Vinhais; depois passou com alguns chefes realistas para a Junta do Porto; e, acabada a luta, foi para casa e entregou a espada ao pai, que o recebeu com estas carícias:
– Eu sempre te disse que eras uma cavalgadura! Que te não fiasses no bêbedo de Quadros; que não saísses a campo sem lá ver o morgado de Barrimau. Agora, pedaçode- asno, torna a começar com as paredes, e tem cuidado que te não deitem a unha. Lembra-te que prendeste o regedor de Vilalva, e quiseste agarrar o brasileiro de Prazins que tem agora demais a mais o irmão regedor. Olha se te lembras... A mãe do José Dias anda por aí a berrar que a Marta e mais tu lhe matas-te o filho. Lume no olho, homem, lume no olho!
– Se alguém embarrar por mim, dou-lhe cabo da casta! – protestava o pedreiro, cortando com o braço e punho fechado punhadas aéreas. – Se me matarem... até lho agradeço! – E com desalento: – Sou o maior infeliz e desgraçado que cobre a rosa do Sol! Veja você: há três anos que não tenho uma migalha de estifação, c'um raio de diabos! Isto acaba mal, digo-lho eu! Você verá, sor pai, que ou me matam ou eu acabo numa forca pr'ámor daquela rapariga que foi o Diabo que me apareceu, e não me passa daqui! – e apertava o gorgomilo nodoso entre dois dedos como quem apanha uma pulga.
Os administradores de concelho receberam ordem de recolherem as espingardas reiunas que se encontrassem nas aldeias, em poder do povo. Para as cabeças dos distritos ramificaram-se destacamentos a fim de coadjuvarem a autoridade. Simeão de Prazins, como regedor, foi chamado a Famalicão e incumbido de dirigir a diligência militar que devia dar um assalto a Lamelas, a casa do Zeferino, onde se haviam denunciado as espingardas com que alguns miguelistas se tinham recolhido, contra as condições estipuladas no protocolo de Gramido. O regedor compreendeu o perigo da empresa; pediu que o demitissem; mas a autoridade impôs-lhe com azedume o cumprimento dos seus deveres, e negou-lhe a demissão.
Quando o Zeferino, sucumbido à carga dos reveses, indiferente à vida e à morte, se chamava infeliz e desgraçado, o destino implacável preparava-lhe novo desastre. Ele, ao romper da manhã, depois de uma insónia febril, sonhava que era sargento-mor das Lamelas e assistia à formatura do regimento de milícias de Barcelos debaixo do solar de D. Maria Pinheiro. Na janela gótica do velho edifício da época de D. Afonso IV estava D. Miguel I assistindo ao desfilar do seu exército vencedor, em que havia muitas músicas marciais, de fulgurantes trompas, tocando o Rei-chegou; e o abade de Calvos, dentro de um carroção e vestido de pontifical, borrifava o povo com hissopadas de água benta, cantando o Bendito. As tropas estendiam-se até Barcelinhos, e pelo Cávado abaixo velejavam muitos barquinhos embandeirados de galhardetes com as bandas musicais de Santiago de Antas de Ruivães tocando a Cana-verde e Água leva o regadinho. Num desses bergantins com pavilhão de colchas vermelhas vinha sentada a irmã do padre Roque, mestre de latim, com os seus óculos, a fazer meia; e ao lado dela, vestida de cetim branco e borzeguins vermelhos dourados, com os cabelos soltos, vestida como os anjos da procissão da Senhora da Burrinha em Braga, a Marta de Prazins. Ele estava na ponte, absorto na visão da noiva que chegava pelo Cávado para se casar quando um vizinho lhe bateu com o cabo da sachola na janela três pancadas. Saltou da cama atordoado.
Que fugisse pelo quintal que já estavam soldados a entrar nas Lamelas com o regedor.
Zeferino ganhou de pronto os desvios de um pinhal, e por detrás de um socalco enxergou o Simeão ao lado do sargento da escolta parar em frente da sua casa e apontar para as janelas. Ouviu bater estrondosas coronhadas no portal, e viu alguns soldados invadirem depois o quintal, e entrarem pela porta da cozinha que ficara aberta. Depois avistou a escolta a retirar-se com dois homens carregados de armas.
O velho alferes, entrevado, estava muito aflito quando o filho entrou. O sargento quisera levar--lhe a sua espada; e compadecera-se dele quando o vira a chorar e a dizerlhe que era um alferes do antigo exército, e que o deixasse morrer ao lado da sua espada, já que ele não podia defendê-la porque estava tolhido.
O Zeferino perguntou pacificamente:
– E o Simeão que dizia?
– Não dizia nada. Eu é que lhe disse... Arrieiros somos, na estrada andamos, vizinho Simeão.
O pedreiro quedou-se longo tempo sentado com as mãos fincadas na cabeça: olhava para o canto em que tivera duas dúzias de espingardas compradas pelo Cerveira Leite, e dizia com resignação contrafeita:
– Elas assim com'ássim já não serviam de nada... A guerra acabou... Que leve o Diabo tudo... – E, passados alguns segundos de recolhida angústia: – Veja você, sor pai! O Simeão dá-me a filha, depois diz que ma não dá; isto não se fazia a um homem que põe navalha na cara... Eu levava a minha vida muito direita, estava muito bem, você bem sabe; deitei-me a trabalhar quanto podia; e vai depois, por causa da minha paixão, fiquei areado do juízo, deixei a arte, andei por esse mundo a gastar à minha custa, ao frio e ao calor, em términos de me levar o Diabo com uma bala; e vai agora o Simeão entra-me pela porta dentro, leva-me as armas, e, se me pilha, metia-me uma baioneta no corpo...
– Homem – atalhou o pai com juízo – não fosses tu lá a Prazins embirrar com o brasileiro...
– Eu tenho a minha paixão – objectou o filho com transporte – tinha cá dentro do peito esta navalha de ponta espetada; e ele... que mal lhe fiz eu p'ra me querer mal?... Sabe você que mais?... Assim com'ássim, estou perdido...
Saiu arrebatadamente e foi para o Monte Córdova conversar com o Patarro, um velho celerado que se batera em Braga com a cavalaria do Casal e pudera salvar-se com o sacrifício de três dedos e do nariz acutilados.
Na semana seguinte, quarta-feira, era o mercado de Famalicão. O regedor tinha comprado duas juntas de bois para o caseiro da Retorta, uma quinta solarenga, torreada, com o brasão dos Brandões, que o brasileiro comprara a um fidalgo de Afife. O negócio deitara a tarde. Simeão saíra ao desfazer da feira com o caseiro da Retorta e mais dois lavradores de outra freguesia que montavam éguas andadeiras de muitos brios. O Simeão cavalgava a sua velha ruça, de uma pachorra mansa, invulnerável à espora. Recebia as chibatadas encolhendo os quadris e andando para trás. Ela não podia manifestar de um modo mais sensível a sua repugnância pelas pressas. O dono gabavase de só ter caído juntamente com ela poucas vezes. Saíram da feira conversando a respeito de Marta. Constava aos outros que ela se quisera matar à conta do José Dias. O Simeão achava que sim, que ela quisera atirar- se ao rio; mas que estava quase boa em Caldelas; que o vigário e mais a irmã lhe tinham dado um jeito ao miolo; e logo que ela estivesse fina, casava com o tio.
– E ele qué-la? – perguntou o Bento de Penso.
– Pois então!... Tomara-a ele já.
– Enfim – tornou o Bento – você há-de perdoar que eu lhe diga o que tenho cá no sentido. O povo diz que o Dias entrava lá de noite. Eu não vi, mas é o que diz o povo. Ora um home sempre se atriga de casar com mulher de maus cretos. O seu brasileiro pelos modos é de bô comer...
– Tem bô estômago, é o que é – confirmou o Belchior da Rechousa.
O Simeão não estranhava estas franquezas muito triviais nas aldeias ainda imaculadas do resguardo das conveniências; mas defendia a honra da filha, atribuindo ao Zeferino as calúnias que espalhava para se vingar.
– Enfim – disse o Belchior – você tinha-lha dado por quinze centos. É o que diz o povo, e palavra d'home não torna atrás.
– Isso cá da minha parte foi chalaça... – defendia-se o Simeão, quando três homens, mascarados com lenços, fincando as argolas dos paus no caminho, saltaram de uma ribanceira, à frente das três éguas que caminhavam a passo. Um dos três jogou uma paulada à cabeça do Simeão e derrubou-o.
Os dois lavradores das éguas travadas deram de calcanhares e pareciam dois duendes de comédia mágica vistos à luz crespuscular. O caseiro abandonou as sogas dos bois, galgou paredes e searas em desapoderada fuga até Famalicão, e à entrada da vila gritou – aqui d'el-rei ladrões! Contou o sucesso ao povo alvorotado, acudiu a autoridade, encheu-se a estrada de gente em cata de Simeão e da malta dos ladrões. Acharam-no prostrado, de costas, arquejando, com a cara empastada de sangue que borbotava empoçando-se dos dois lados da cabeça. A égua rilhava entre os dentes e o freio umas vergônteas tenras de tojo, e de vez em quando tossia a sua pulmoeira com os ilhais enfolipados. O Futrica, um ferrador da Terra Negra, examinou a cabeça do ferido, e disse que tinha o miolo à vista; não podia durar muito, que lhe dessem a santa unção. Pediu-se uma padiola ao lavrador mais próximo e levaram-no para Prazins prometendo duas de doze a dois jornaleiros. O caseiro montou a égua para ir a Santo Tirso chamar o Baptista, o cirurgião da casa; mas a burra, estranhando as esporas dos tamancos, levantou-se com o cavaleiro, deixou-se cair sobre os jarretes traseiros, voltou-se de lado como quem se ajeita para dormir: foi necessário levantá-la. O povo dava risadas estridentes quando o caseiro puxava debaixo do ventre da égua a perna entalada, muito cabeluda; e ali perto estava a padiola com um velho gemente, agonizante, a pedir a confissão.
Assim que a padiola entrou em Prazins, foi aviso à Marta que o pai estava a morrer com pancadas que lhe deram os ladrões de estrada. D. Teresa e o prior acompanharam-na. Quando chegaram, saía o pároco de o confessar e tocava o sino ao viático. Havia uma agitação de angustiosa curiosidade no povo que confluía à igreja chamado pelo sinal. Dizia-se que eram ladrões que saíram ao lavrador em Santiago de Antas; havia opiniões mais individualistas: segredava-se o nome do pedreiro; um pastor de cabras dizia que vira passar de madrugada para as Lamelas o Patarro de Monte Córdova e mais outro mal-encarado; mas todos à uma diziam que não tinham visto nada, nem queriam saber de desgraças, com medo à malta do Zeferino.
O Simeão estava ainda com a face arregoada de sangue, vestido sobre a cama, resfolegando com muita ansiedade, gemendo com dores, e a cabeça um pouco elevada sobre um magro travesseiro muito comprido dobrado em três pelo vigário. Esperava-se o cirurgião. A filha teve um desmaio quando viu a cara ensanguentada do pai, à luz mortiça de uma vela de sebo numa placa de lata. D. Teresa, com a Marta nos braços, disse ao irmão:
– Que miséria de casa! Pede luzes e água para se lavar aquele sangue.
E, assim que Marta voltou a si, levou-a para o seu quarto – que a viria chamar quando o pai a pudesse ver.
Queria retirá-la do espectáculo dos paroxismos.
Quando chegou a extrema-unção com o préstito clamoroso do Bendito e o tilintar espacejado da campainha, Marta carpia-se em altos gritos, e pedia que a deixassem despedir-se de seu pai.
Ela tinha ouvido dizer a uma das vizinhas que lhe invadiram a alcova: – quem lhe bateu, ó mulheres, não foi outro senão o Zeferino das Lamelas. Juro que não foi outro. – Esta afirmativa cravou-lhe no coração o remorso de ser ela a causa da morte do pai. Queda ir pedir-lhe perdão; rogava à sua amiga que pelas chagas de Cristo a deixasse ir ajoelhar-se à beira de seu desgraçado pai. D. Teresa conteve-a, receando novo ataque de loucura; que esperasse que se fizesse o curativo; que o cirurgião não queria no quarto senão o barbeiro que lhe estava a rapar a cabeça.
Pouco depois chegava o tio Feliciano da quinta da Retorta, onde residia assistindo às obras. Vinha aterrado. Disse ao Osório que já estava arrependido de comprar a quinta; que Portugal era uma ladroeira e um bando de facínoras; que se ia embora muito breve. E, entrando no quarto onde a sobrinha chorava, disse-lhe consternadamente que, se morresse o pai, fizesse de conta que tinha em seu tio um segundo pai.
O cirurgião saiu desconfiado do ferimento. Uma das pauladas despegara um pedaço de tegumento, deixando descoberto o crânio, que o ferrador da Terra Negra chamara o miolo. A hemorragia era grande, e havia receio de comoção cerebral. O facultativo, depois de o sangrar, mandou-lhe pôr panos molhados na cabeça, de quarto em quarto de hora. Marta e Teresa não abandonaram um momento o catre do enfermo; o padre Osório passou a noite na saleta atendendo o brasileiro que lhe falava muito na sobrinha, na paixão que ela tivera pelo José Dias, e não lho levava a mal, pelo contrário.
Aí pela madrugada o ferido sentiu-se muito angustiado, tinha estremecimentos, dizia disparates; queria arrancar os pachos da cabeça, bracejava, e puxava para o peito a face da filha lavada em lágrimas. O padre acudiu e mais o Feliciano; receavam que ele estivesse agonizando. Depois aquela agitação esmoreceu num dormitar sobressaltado, com a cabeça no regaço de Marta, que brandamente lhe compunha o pacho da ferida. Quando espertou da modorra conheceu a filha, e repeliu-a. Falou no pedreiro que o matara, e recaiu no estado comatoso. O padre Osório atribuía aquela sonolência a derramamento de sangue no crânio, um sintoma de morte provável. O cirurgião veio de madrugada, mandou-lhe deitar sanguessugas atrás das orelhas, e disse ao vigário de Caldelas que estava mal-encarado o negócio; que aquele diabo de sono lhe parecia de mau agouro. Que ia ver uns doentes e voltava logo.
Marta fazia muitas promessas à Senhora da Saúde; dez voltas de joelhos ao redor da sua capela, um resplendor de prata, jejuar a pão e água seis meses a fio, não comer carne durante um ano, ir descalça à romaria da milagrosa Senhora. Com estas promessas sentia-se menos oprimida do seu remorso; o pai estava ali a morrer por causa dela, e a Maria de Vílalva já dizia também que fora ela a causa da morte do seu filho. Uma desgraçada, que vinha assim a causar a morte do noivo e do pai.
O ferido teve uma intermitência de repousada vigília. Olhou para a filha, e disselhe que morria, que a deixava sem pai nem mãe. O Feliciano acudiu:
– Isso não lhe dê cuidado, mano Simeão. Nada lhe há-de faltar. É minha sobrinha; não tenho mais ninguém neste mundo.
– Eu morria contente – balbuciou o Simeão lacrimoso – se ela fosse sua mulher...
Fez-se um silêncio esquisito. Marta abaixou os olhos; a D. Teresa olhou para o irmão a ver o que ele dizia; o padre Osório olhava para o brasileiro a ver como se expressavam as suas ideias; o Feliciano esperava que os outros dissessem alguma coisa. E então o pai de Marta, aconchegando-a de si, com muita ternura:
– Casas com o teu tio, minha filha? É o último pedido que te faço...
Marta fez um gesto afirmativo, e caiu de joelhos, curvada sobre o leito, a soluçar; depois, deu um grito e escorregou para o chão, em convulsões, com o rosto muito escarlate e a boca a espumar. D. Teresa e o irmão conduziram-na ao seu quarto. Deitaram-na já sossegada, mas numa rigidez insensível, com a boca ligeiramente toda. O cirurgião chegava nesta conjuntura e disse que a rapariga herdara a moléstia da mãe, que eram ataques epilépticos; e ao tio Eeliciano disse-lhe particularmente que o pior da herança não era a epilepsia; era a demência que levou a mãe ao suicídio. Que a rapariga era fraca, e tinha sido criada com umas mimalhices de menina da cidade, que estragam o corpo e a alma; que era preciso ter muito cuidado com ela, não a afligir, distraí- la, casada, enfim, que seria bom casá-la, e dar-lhe vinagre a cheirar, quando viesse outro ataque, e ter cuidado que ela não apanhasse a língua entre os dentes; que lhe metessem um pano entre os dois queixos, quando lhe desse outro ataque.
– Ele disse que o melhor era casar-se – lembrou o Feliciano ao padre Osório.