quinta-feira, 11 de julho de 2019

Poesia De Quinta Na Usina: Machado de Assis:UMA CRIATURA:


 Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as suas forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.

Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.



 Ocidentais
Texto-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, vol. III,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Publicado originalmente em Poesias Completas, Rio de Janeiro: Garnier, 1901.

Poesia De Quinta Na Usina: Fernando Pessoa:Aqui está-se sossegado:


 Aqui está-se sossegado,
Longe do mundo e da vida,
Cheio de não ter passado,
Até o futuro se olvida.
Aqui está-se sossegado.
Tinha os gestos inocentes,
Seus olhos riam no fundo.
Mas invisíveis serpentes
Faziam-a ser do mundo.
Tinha os gestos inocentes.
Aqui tudo é paz e mar.
Que longe a vista se perde
Na solidão a tornar
Em sombra o azul que é verde!
Aqui tudo é paz e mar.
Sim, poderia ter sido...
Mas vontade nem razão
O mundo têm conduzido
A prazer ou conclusão.
Sim, poderia ter sido...
Agora não esqueço e sonho.
Fecho os olhos, oiço o mar
E de ouvi-lo bem, suponho
Que veio azul a esverdear.
Agora não esqueço e sonho.
Não foi propósito, não.
Os seus gestos inocentes
Tocavam no coração
Como invisíveis serpentes.
Não foi propósito, não.
Durmo, desperto e sozinho.
Que tem sido a minha vida?
Velas de inútil moinho —
Um movimento sem lida...
Durmo, desperto e sozinho.
Nada explica nem consola.
Tudo está certo depois.
Mas a dor que nos desola,
A mágoa de um não ser dois

Nada explica nem consola.

Poesia De Quinta Na Usina: Florbela Espanca: ANSEIOS À minha Júlia:



Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade? Toma cautela com a realidade; Meu pobre coração olha cais!
Deixa-te estar quietinho! Não amais A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais
Não valem o prazer duma saudade!
Tu chamas ao meu seio, negra prisão!... Ai, vê lá bem, ó doido coração,

Não te deslumbre o brilho do luar! Não ´stendas tuas asas para o longe... Deixa-te estar quietinho, triste monge, Na paz da tua cela, a soluçar!...

Poesia De Quinta Na Usina: Poema: Farpas.


Com farpas de loucura, acho que não 
tem cura esta desventura com sabor 
amargo e a doçura do não existir.

Quase que por completo, não vejo 
teto acima deste sentimento contraditório.

Então ignora ao meu redor tudo aquilo 
que mais adoro, fecho meus olhos para 
as portas dos desejos, e viro sobejos de uma refeição plena.

D'Araujo.

Poesia De Quinta Na Usina: D'Araújo: Encontro:



Este teu olhar que desnuda a minha esperança
tardia em saber que finalmente chegou
o dia em que o terno se torna eterno.

Teu sorriso me acende um ser que 
repousa sobre a sombra do esperar eterno.

O calor do teu corpo me traz para a vida 
que parou um dia e a felicidade brota em 
meu peito feito grama em solo fértil..

Teu cheiro me faz delirar em pensamentos 
profanos me vejo em outro plano.

A busca termina num solo eterno a tua voz 
soa como um bálsamo dos deuses que acalma 
e sustenta o meu ser.

D'Araujo.