quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo:

 




Quase

Uma beleza sutil quase plástica
Uma estatura delicada quase
Cristalina
Um olhar suave quase palpável
Um semblante iluminado....

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo:

 


Amor confesso

...Seqüestraria o céu e as estrelas só para te agradar
Atravessaria todo o mar Para te encontrar
Desceria ao inferno
No mais forte calor
Para conquistar teu amor.
Mergulharia num vulcão em chamas na larva ou na lama. 
Pra tê-la em minha cama sem nenhum pudor.
Suportaria por pior que fosse a dor pra te dar todo amor 
Que por ti resplandece e que você esquece
De dar o valor que merece.
Teu sorriso me queima, tua voz me estremece
Teu olhar me enlouquece, o teu corpo eu nem falo,
Mas confesso, me abalo, ao vê-la passar com andar
Deslumbrante, com Passadas cortantes a me rodear......

Poesia de Quinta na Usina: Fernando Pessoa:

 




155. 

"Escrevo demorando-me nas palavras, 
como por montras onde não vejo, e são meios-sentidos, 
quase-expressões o que me fica, como cores de estofos que não vi o que são, 
harmonias exibidas compostas de não sei que objectos. 
Escrevo embalando-me, como uma mãe louca a um filho morto."

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo:

 




Faces da mini-saia

Mini-saia, instrumento de tortura
Largamente usada nos países de clima tropical.
Este objeto tem um efeito
Profundamente degenerativo a sensibilidade masculina.
Mais que na maioria das mulheres
Vêm valorizar suas delicadas silhuetas......

Poesia de Quinta na Usina: Fernando Pessoa:

 




149. 

"Não é fácil distinguir o homem dos animais, não há critério seguro para distinguir o homem dos animais. As vidas humanas decorrem da mesma íntima inconsciência que as vidas dos animais. As mesmas leis profundas, que regem de fora os instintos dos animais, regem, também, de fora, a inteligência do homem, que parece não ser mais que um instinto em formação, tão inconsciente como todo instinto, menos perfeito porque ainda não formado. 
«Tudo vem da sem-razão», diz-se na Antologia Grega." 
"A Ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente. E a ironia atravessa dois estádios: o estádio marcado por Sócrates, quando disse «sei só que nada sei», e o estádio marcado por Sanches, quando disse «nem sei se nada sei». O primeiro passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós dogmaticamente, e todo o homem superior o dá e atinge. O segundo passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós e da nossa dúvida, e poucos homens o têm atingido na curta extensão já tão longa do tempo que, humanidade, temos visto o sol e a noite sobre a vária superfície da terra."

Poesia de Quinta na Usina; Fernando Pessoa:

 




152. 

"Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender. Este livro é a minha cobardia."

Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis:

 




ITE MISSA EST

Fecha o missal do amor e a bênção lança
À pia multidão
Dos teus sonhos de moço e de criança;
A bênção do perdão.
Soa a hora fatal, — reza contrito
As palavras do rito:
Ite missa est.
Foi longo o sacrifício; o teu joelho
De curvar-se cansou;
E acaso sobre as folhas do Evangelho
A tua alma chorou.
Ninguém viu essas lágrimas ( ai tantas!)
Cair nas folhas santas.
Ite missa est
De olhos fitos no céu rezaste o credo,
O credo do teu deus;
Oração que devia, ou tarde ou cedo,
Travar nos lábios teus.
Palavra que se esvai qual fumo escasso
E some-se no espaço. Ite missa est.
Votaste ao céu, nas tuas mãos alçada,
A hóstia do perdão,
A vítima divina... e profanada Que chamas coração.
Quase inteiras perdeste a alma e a vida
Na hóstia consumida.
Ite missa est.
Pobre servo do altar de um deus esquivo
É tarde; beija a cruz;
Na lâmpada em que ardia o fogo ativo,
Vê, já se extingue a luz.
Cubra-te agora o rosto macilento
O véu do esquecimento.
Ite missa est.

Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis:


 

MANHÃ DE INVERNO

Coroada de névoas, surge a aurora
Por detrás das montanhas do oriente;
Vê-se um resto de sono e de preguiça,
Nos olhos da fantástica indolente.
Névoas enchem de um lado e de outro os morros
Tristes como sinceras sepulturas, 
Essas que têm por simples ornamento
Puras capelas, lágrimas mais puras.
A custo rompe o sol; a custo invade
O espaço todo branco; e a luz brilhante 
Fulge através do espesso nevoeiro,
Como através de um véu fulge o diamante.
Vento frio, mas brando, agita as folhas
Das laranjeiras úmidas da chuva;
Erma de flores, curva a planta o colo,
E o chão recebe o pranto da viúva.
Gelo não cobre o dorso das montanhas,
Nem enche as folhas trêmulas a neve; 
Galhardo moço, o inverno deste clima
Na verde palma a sua história escreve.
Pouco a pouco, dissipam-se no espaço
As névoas da manhã; já pelos montes
Vão subindo as que encheram todo o vale;
Já se vão descobrindo os horizontes.
Sobe de todo o pano; eis aparece
Da natureza o esplêndido cenário; 
Tudo ali preparou co’os sábios olhos
A suprema ciência do empresário.
Canta a orquestra dos pássaros no mato
A sinfonia alpestre, — a voz serena
Acordo os ecos tímidos do vale;
E a divina comédia invade a CENA...

Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis:

 


VISÃO

A LUIZ DE ALVARENGA PEIXOTO

Vi de um lado o Calvário, e do outro lado
O Capitólio, o templo-cidadela. E torvo mar entre ambos agitado,
Como se agita o mar numa procela.
Pousou no Capitólio uma águia; vinha
Cansada de voar.
Cheia de sangue as longas asas tinha;
Pousou; quis descansar.
Era a águia romana, a águia de Quirino;
A mesma que, arrancando as chaves ao destino,
As portas do futuro abriu de par em par.
A mesma que, deixando o ninho áspero e rude,
Fez do templo da força o templo da virtude,
E lançou, como emblema, a espada sobre o altar.
Então, como se um deus lhe habitasse as entranhas,
A vitória empolgou, venceu raças estranhas, Fez de várias nações um só domínio seu. Era-lhe o grito agudo um tremendo rebate. Se caía, perdendo acaso um só combate, Punha as asas no chão e remontava Anteu.
Vezes três, respirando a morte, o sangue, o estrago,
Saiu, lutou, caiu, ergueu-se...e jaz Cartago;
É ruína; é memória; é túmulo. Transpõe, Impetuosa e audaz, os vales e as montanhas. Lança a férrea cadeia ao colo das Espanhas.
Gália vence; e o grilhão a toda Itália põe.
Terras da Ásia invadiu, águas bebeu do Eufrates,
Nem tu mesma fugiste à sorte dos combates,
Grécia, mãe do saber. Mas que pode o opressor,
Quando o gênio sorriu no berço de uma serva?
Palas despe a couraça e veste de Minerva;
Faz-se mestra a cativa; abre escola ao senhor.
Agora, já cansada e respirando a custo,
Desce; vem repousar no monumento augusto.
Gotejam-lhe inda sangue as asas colossais.
A sombra do terror assoma-lhe à pupila. Vem tocada das mãos de César e de Sila.
Vê quebrar-se-lhe a força aos vínculos mortais.
Dum lado e de outro lado, azulam-se
Os vastos horizontes;
Vida ressurge esplêndida
Por toda a criação.
Luz nova, luz magnífica  
Os vales enche e os montes...
E além, sobre o Calvário,
Que assombro! que visão!
Fitei o olhar. Do píncaro
Da colossal montanha
Surge uma pomba, e plácida
Asas no espaço abriu.
Os ares rompe, embebe-se
No éter de luz estranha:
Olha-a minha alma atônita
Dos céus a que subiu.
Emblema audaz e lúgubre
Da força e do combate,
A águia no Capitólio
As asas abateu.
Mas voa a pomba, símbolo
Do amor e do resgate,
Santo e apertado vínculo
Que a terra prende ao céu.
Depois... Às mãos de bárbaros,
Na terra em que nascera,
Após sangrentos séculos,
A águia expirou; e então
Desceu a pomba cândida
Que marca a nova era,
Pousou no Capitólio,
Já berço, já cristão.