quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Poesia de Quinta na Usina: Fagundes Varela: DEIXA-ME!:


 
Quando cansado da vigília insana
Declino a fronte num dormir profundo,
Por que teu nome vem ferir-me o ouvido,
Lembrar-me o tempo que passei no mundo?
Por que teu vulto se levanta airoso,


Tremente em ânsias de volúpia infinda?
E as formas nuas, e ofegante o seio,
No meu retiro vens tentar-me ainda?
Por que me falas de venturas longas,

Por que me apontas um porvir de amores?
E o lume pedes à fogueira extinta,
Doces perfumes a polutas flores?
Não basta ainda essa existência escura,

Página treda que a teus pés compus?
Nem essas fundas, perenais angústias,
Dias sem crenças e serões sem luz?
Não basta o quadro de meus verdes anos

Manchado e roto, abandonado ao pó?
Nem este exílio, do rumor no centro,
Onde pranteio desprezado e só?
Ah! não me lembres do passado as cenas,

Nem essa jura desprendida a esmo!
Guardaste a tua? a quantos outros, dize,
A quantos outros não fizeste o mesmo?

A quantos outros, inda os lábios quentes
De ardentes beijos que eu te dera então,
Não apertaste no vazio seio
Entre promessas de eternal paixão?

Oh! fui um doido que segui teus passos,
Que dei-te em versos de beleza a palma;
Mas tudo foi-se, e esse passado negro
Por que sem pena me despertas n’alma?


Deixa-me agora repousar tranqüilo,
Deixa-me agora dormitar em paz,
E com teus risos de infernal encanto
Em meu retiro não me tentes mais!

Poesia de Quinta na Usina: Fagundes Varela: O VIZIR:

 


-   Não derribes meus cedros! murmurava O gênio da floresta aparecendo Adiante de um vizir, senão eu juro Punir-te rijamente! E no entanto

O vizir derribou a santa selva! Alguns anos depois foi condenado Ao cutelo do algoz. Quando encostava A cabeça febril no duro cepo, Recuou aterrado: - “Eternos deuses! Este cepo é de cedro!” E sobre a terra A cabeça rolou banhada em sangue!

Poesia de Quinta na Usina: Fagundes Varela: NÃO TE ESQUEÇAS DE MIM!:


 
Não te esqueças de mim, quando erradia 
Perde-se a lua no sidéreo manto; 
Quando a brisa estival roçar-te a fronte, 
Não te esqueças de mim, que te amo tanto.

Não te esqueças de mim, quando escutares
Gemer a rola na floresta escura,
E a saudosa viola do tropeiro
Desfazer-se em gemido de tristura.

Quando a flor do sertão, aberta a medo,
Pejar os ermos de suave encanto,
Lembre-te os dias que passei contigo,
Não te esqueças de mim, que te amo tanto.

Não te esqueças de mim, quando à tardinha
Se cobrirem de névoa as serranias,
E na torre alvejante o sacro bronze
Docemente soar nas freguesias!

Quando de noite, nos serões de inverno,
A voz soltares modulando um canto,
Lembre-te os versos que inspiraste ao bardo,
Não te esqueças de mim, que te amo tanto.

Não te esqueças de mim, quando meus olhos
Do sudário no gelo se apagarem,
Quando as roxas perpétuas do finado
Junto à cruz de meu leito se embalarem.

Quando os anos de dor passado houverem,
E o frio tempo consumir-te o pranto,
Guarda ainda uma idéia a teu poeta,
Não te esqueças de mim, que te amo tanto.

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Oratória:

 


Nem mesmo sei a diferença
Entre o canto da ema ou do azulão.
Mas não importa quem canta
E sim a beleza do cantar.

Sendo eu praticamente um analfabeto cultural
Acareando sentimentos
E tornando lúcido o insensato
Com a alegria de um
Verdadeiro criar.

Sem o compromisso da didática
Ou mesmo da diplomacia das oratórias perfeitas
Apenas posto minha alma em desencanto...

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Náufragos:

 




Entrelaçados pelo mesmo ideal
Seguimos nossas trilhas
Com as imensas armaduras de insatisfações.

Sem nos dar conta das frágeis idéias
E sem as consistências necessárias
Para alcançarmos os nossos desejos incomuns.

Dessa forma naufragamos
Em sentimentos individuais e incontestes
Deixando o tempo se esvair
À revelia do nosso desejo ideal.

Então passamos pela vida
Como se ela fosse irreal ou inconsistente
Até os dias últimos
Da nossa frágil
Existência.

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Propósito:

 


A adversidade do ser que apesar de
Viver, na mesma galáxia, no mesmo
Planeta no mesmo continente, no mesmo país, 
na mesma região,

No mesmo estado, na mesma cidade, no mesmo bairro, 
na mesma rua, na mesma casa, no mesmo quarto, 
na mesma cama, 
no mesmo Ventre, no mesmo óvulo.

Como podem ser tão adversos no pensar e nos 
propósitos de um ser que apenas é...

Poesia de Quinta na Usina: Florbela Espanca: SEM PALAVRAS:


 
Brancas, suaves mãos de irmã
Que são mais doces que as das rainhas, 
Hão de pousar em tuas mãos, 
as minhas Numa carícia transcendente e vã.

E a tua boca a divinal manhã
Que diz as frases com que me acarinhas, 
Há de pousar nas dolorosas linhas
Da minha boca purpurina e sã.

Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes; 
Só eles te dirão que tu existes
Dentro de mim num riso d’alvorada! 
E nunca se amará ninguém melhor; 

Tu calando de mim o teu amor,
Sem que eu nunca do meu te diga nada!...

Poesia de Quinta na Usina: Florbela Espanca: QUE IMPORTA?...:

 



Eu era a desdenhosa, a indiferente. Nunca sentira em mim o coração 
Bater em violências de paixão, Como bate no peito à outra gente. 
Agora, olhas-me tu altivamente,
Sem sombra de desejo ou de emoção, 

Enquanto as asas louras da ilusão 
Abrem dentro de mim ao sol nascente.
Minh'alma, a pedra, transformou-se em fonte; 
Como nascida em carinhoso monte,

Toda ela é riso, e é frescura e graça! 
Nela refresca a boca um só instante... 
Que importa?... Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes... quando passa?...

Poesia de Quinta na Usina: Florbela Espanca: QUEM?...:


Não sei quem és. Já não te vejo bem... E ouço-me dizer (ai, tanta vez!...) 
Sonho que um outro sonho me desfez?
Fantasma de que amor? Sombra de quem? 
Névoa? Quimera? Fumo? Donde vem?...

- Não sei se tu, amor, assim me vês!... 
Nossos olhos não são nossos, talvez... 
Assim, tu não és tu! Não és ninguém!... 
És tudo e não és nada... És a desgraça...

És quem nem sequer vejo; és um que passa... 
És sorriso de Deus que não mereço...

És aquele que vive e que morreu... 
És aquele que é quase um outro eu... 
És aquele que nem sequer conheço...