quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Poesia De Quinta Na usina:Machado de Assis:


II

A minha alma, talvez, não é tão pura,
Como era pura nos primeiros dias;
Eu sei; tive choradas agonias
De que conservo alguma nódoa escura,
Talvez. Apenas à manhã da vida
Abri meus olhos virgens e minha alma.
Nunca mais respirei a paz e a calma,
E me perdi na porfiosa lida.
Não sei que fogo interno me impelia
À conquista da luz, do amor, do gozo,
Não sei que movimento imperioso
De um desusado ardor minha alma enchia.
Corri de campo em campo e plaga em plaga,
(Tanta ansiedade o coração encerra!)
A ver o lírio que brotasse a terra,
A ver a escuma que cuspisse — a vaga.
Mas, no areal da praia, no horto agreste,
Tudo aos meus olhos ávidos fugia...
Desci ao chão do vale que se abria,
Subi ao cume da montanha alpestre.
Nada! Volvi o olhar ao céu. Perdi-me
Em meus sonhos de moço e de poeta;
E contemplei, nesta ambição inquieta,
Da muda noite a página sublime.
Tomei nas mãos a cítara saudosa
E soltei entre lágrimas um canto.
A terra brava recebeu meu pranto
E o eco repetiu-me a voz chorosa.
Foi em vão. Como um lânguido suspiro,
A voz se me calou, e do ínvio monte
Olhei ainda as linhas do horizonte,
Como se olhasse o último retiro.
Nuvem negra e veloz corria solta,
O anjo da tempestade anunciando;
Vi ao longe as alcíones cantando
Doidas correndo à flor da água revolta.
Desiludido, exausto, ermo, perdido,
Busquei a triste estância do abandono,
E esperei, aguardando o último sono,
Volver à terra, de que foi nascido.
— “Ó Cibele fecunda, é no remanso
Do teu seio que vive a criatura.
Chamem-te outros morada triste e escura,
Chamo-te glória, chamo-te descanso!”
Assim falei. E murmurando aos ventos
Uma blasfêmia atroz — estreito abraço
Homem e terra uniu, e em longo espaço
Aos ecos repeti meus vãos lamentos.
Mas, tu passaste... Houve um grito
Dentro de mim. Aos meus olhos
Visão de amor infinito,
Visão de perpétuo gozo
Perpassava e me atraía,
Como um sonho voluptuoso
De sequiosa fantasia.
Ergui-me logo do chão,
E pousei meus olhos fundos
Em teus olhos soberanos,
Ardentes, vivos, profundos,
Como os olhos da beleza
Que das escumas nasceu...
Eras tu, maga visão,
Eras tu o ideal sonhado
Que em toda a parte busquei,
E por quem houvera dado
A vida que fatiguei;
Por quem verti tanto pranto,
Por quem nos longos espinhos
Minhas mãos, meus pés sangrei!
Mas se minh'alma, acaso, é menos pura
Do que era pura nos primeiros dias,
Por que não soube em tantas agonias
Abençoar a minha desventura;
Se a blasfêmia os meus lábios poluíra,
Quando, depois de tempo e do cansaço,
Beijei a terra no mortal abraço
E espedacei desanimado a lira;
Podes, visão formosa e peregrina,
No amor profundo, na existência calma,
Desse passado resgatar minh'alma

E levantar-me aos olhos teus, — Corina!

Poesia De Quinta Na Usina: Machado de Assis: VERSOS A CORINA:



 Tacendo il nome di questa gentilíssima
DANTE
 I
 Tu nasceste de um beijo e de um olhar. O beijo
Numa hora de amor, de ternura e desejo,
Uniu a terra e o céu. O olhar foi do Senhor,
Olhar de vida, olhar de graça, olhar de amor;
Depois, depois vestindo a forma peregrina,
Aos meus olhos mortais, surgiste-me, Corina!
De um júbilo divino os cantos entoava
A natureza mãe, e tudo palpitava,
A flor aberta e fresca, a pedra bronca e rude,
De uma vida melhor e nova juventude.
Minh'alma adivinhou a origem do teu ser;
Quis cantar e sentir; quis amar e viver
A luz que de ti vinha, ardente, viva, pura,
Palpitou, reviveu a pobre criatura;
Do amor grande elevado abriram-se-lhe as fontes;
Fulgiram novos sóis, rasgaram-se horizontes;
Surgiu, abrindo em flor, uma nova região;
Era o dia marcado à minha redenção.
Era assim que eu sonhava a mulher. Era assim:
Corpo de fascinar, alma de querubim;
Era assim: fronte altiva e gesto soberano,
Um porte de rainha a um tempo meigo e ufano,
Em olhos senhoris uma luz tão serena,
E grave como Juno, e belo como Helena!
Era assim, a mulher que extasia e domina,
A mulher que reúne a terra e o céu: Corina!
Neste fundo sentir, nesta fascinação,
Que pede do poeta o amante coração?
Viver como nasceste, ó beleza, ó primor,
De uma fusão do ser, de uma efusão do amor.
Viver, — fundir a existência
Em um ósculo de amor,
Fazer de ambas — uma essência,
Apagar outras lembranças,
Perder outras ilusões,
E ter por sonho melhor
O sonho das esperanças
De que a única ventura
Não reside em outra vida,
Não vem de outra criatura;
Confundir olhos nos olhos,
Unir um seio a outro seio,
Derramar as mesmas lágrimas
E tremer do mesmo enleio,
Ter o mesmo coração,
Viver um do outro viver...
Tal era a minha ambição.
Donde viria a ventura
Desta vida? Em que jardim
Colheria esta flor pura?
Em que solitária fonte
Esta água iria beber'?
Em que incendido horizonte
Podiam meus olhos ver
Tão meiga, tão viva estrela,
Abrir-se e resplandecer?
Só em ti: — em ti que és bela,
Em ti que a paixão respiras,
Em ti cujo olhar se embebe
Na ilusão de que deliras,
Em ti, que um ósculo de Hebe
Teve a singular virtude
De encher, de animar teus dias,
De vida e de juventude...
Amemos! diz a flor à brisa peregrina,
Amemos! diz a brisa, arfando em torno à flor;
Cantemos esta lei e vivamos, Corina,

De uma fusão do ser, de uma efusão do amor.

Poesia De quinta Na Usina: Fernando Pessoa:


"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem
importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto."
"De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a
compreensão profunda de estar sentindo...Uma inteligência aguda para me destruir, e um
poder de sonho sôfrego de me entreter...Uma vontade morta e uma reflexão que a embala,

como a um filho vivo..."

Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares
Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa)
Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/

Poesia De Quinta Na Usina: Fernando Pessoa:Aqui:



Aqui, neste misérrimo desterro
Onde nem desterrado estou, habito,
Fiel, sem que queira, àquele antigo erro
Pelo qual sou proscrito.
O erro de querer ser igual a alguém
Feliz em suma — quanto a sorte deu
A cada coração o único bem

De ele poder ser seu.

Poesia De quinta Na Usina: D'Araújo:“Templo ou trono”:





Deus só habita um único templo ou trono.
Que é seu coração.
E não precisa pedir ou deixá-lo entrar.
Por que, se somos imagem e semelhança.
De Deus, então eis que somos:
Deus em matéria.
Mas lembre - se sempre, que o amor e o ódio
Caminham lado a lado, e jamais esqueça...
Que a mesma mão que acaricia, mata...


Poesia De Quinta Na Usina: D'Araujo:Poema: Sina.




Em traços melodiosos e ruínas terço 
a minha sina feito a seda do desejo 
da mais pura essência dos verdes 
campos da minha alma.

Alimento a minha alma com o Nec 
ta das flores que tremulam com os 
ventos da paz tão desejada

Entrelaçando meu sono, meu sonho 
e meus inumeráveis pensamentos.

D'Araujo.