domingo, 30 de janeiro de 2022

Isônias D'Araújo:

 


 Sombras das incertezas

Em suas ruas vazias alguns transeuntes

Atordoados com as profundas tristezas

Que os cercam, aglomeram-se em suas faces

Pálidas e incompreendidas, o desejo do ontem

Que se foi, o suor que já lhe é inevitável diante

o escaldante Sol que lhe encharca suas roupas

como um manto das desgraças vividas.

Suas sombras vagueiam junto aos seus corpos

Debilitados e quase sem vida, mas o corpo segue...


conteúdo do livro:



Crônicas de Segunda na Usina: FÁBIO BELVISO: MEU ANJO TINHA NOME: JUDITE:



(Crônica/amor)

Anjos existem. Uns não acreditam. Eu acredito piamente. Acredito porque tive a oportunidade de conhecer dois deles.
Um, foi numa manhã de extremo frio nunca visto em São Paulo. Dois pulôveres e casaco não atenuavam o frio reinante.
Era uma tarde, saindo do fórum, parei em frente à livraria Saraiva a olhar livros de direito expostos na vitrine. Ao desviar o olhar para o canto da loja vejo agachado um velho senhor, com camiseta rasgada, cabelos brancos, rosto marcado pelas vergadas do tempo, olhar perdido e ao mesmo tempo de socorro, tremia da cabeça aos pés. De repente, não mais que de repente saí da multidão um jovem com amplo sorriso, se aproxima daquele mísero senhor, para em sua frente, estica seu braço, pega na mão do pobre e o levanta. Passa sua mão pelo rosto do infortunado, tira seu estupendo casaco de couro que ia até a metade das pernas, fica só com uma simples camiseta, e imediatamente coloca seu casaco no corpo do infeliz e lhe abraça. Assim como veio, subitamente se perdeu no meio da multidão. Eis o primeiro anjo.
O segundo anjo conheci quando lhe disse: quer namorar comigo?
Imediatamente um sorriso lindo nunca visto me fez flutuar em nuvens de alegria.
Um olhar de amor, de paz invadiu me olhar, chegou até minha alma e a abraçou fazendo o coração acelerar de emoção, e envolta de nós uma claridade diferente, brilhante, apareceu e logo depois se foi após o sim, quero namorar. Aquela claridade, hoje analiso, foi à apresentação do anjo para mim.
No namoro, esse anjo doce, sempre ao meu lado, sempre sorrindo, me acompanhou alegremente e nós caminhamos parceiros no amor; noivamos embalados na felicidade, na cumplicidade e sempre com desvelo me conduzia amorosamente. Casamos, vivíamos momentos de felicidade e o carinho que ela despendia me enchia de orgulho.
Vivemos nesse clima de amor, de respeito, de amizade, de alegrias e as vezes de tristezas, mas que ela em sua pureza angelical sabiamente absorvia.
Caminhamos de mãos dadas, cumplices no amor, na lealdade, na amizade, no amor familiar como mãe e pai por muitos anos até que Nossa Senhora chamou para seu lado meu ANJO. Subiu aos céus com a mesma claridade que nos cobriu no pedido de namoro.
Meu anjo JUDITE foi-se da terra, mas nunca do meu pensamento.
Anjos existem, sim.
Em homenagem ao meu anjo uma foto sua que gostava muito. Olhem que é um anjo.

‎Crônicas De Segunda Na Usina:Emerson Alcalde‎: Slan da Guilhermina:



O Slam da Guilhermina vai ofertar R$500,00 em premiação para os poetas em todas as edições online até o fim da quarentena.
A maioria dos slammers sobrevivem das vendas de seus zines nas rodas culturais e de declamação de poesias dentro do transporte coletivo. E neste período de coronavírus esses jovens periféricos estão passando por dificuldades financeiras e nós do coletivo Slam da Guilhermina, sensíveis a esta causa, decidimos agir para minimizar estes danos. Devidos as nossas limitações de atuação não conseguimos realizar doações de cestas básicas, insumos de higiene e nem confeccionar máscaras, admiramos e apoiamos iniciativas periféricas que estão nesta frente. Objetivamente e concretamente o que podemos fazer é destinar uma pequena, mas significativa, verba para contribuir com pessoas que sempre nos fortaleceram colando nas edições em noites de luas lindas também em dias de chuva e até mesmo quem nunca colou mas assiste os vídeos do nosso canal e divulga nas suas redes. Destinaremos, a partir de maio, uma quantia de R$500,00 por edição, sendo: R$250,00 para o primeiro colocado, R$150,00 para o segundo colocado e R$100,00 para o terceiro colocado. Esta ação durará até o fim da quarentena. E quando tudo se normalizará voltaremos com as edições oficiais na praça da Vila Guilhermina valendo vaga para a final e para a nossa antologia poética. Logo, estas edições virtuais não valem vaga para final e nem para o livro. As inscrições serão feitas via formulário google e será amplamente divulgado dentro das nossas redes sociais. Os jurados serão escolhidos previamente e avaliarão as performances inserindo suas notas nos comentários da live. Já os poetas participarão via chamada de vídeo. O sorteio da ordem das apresentações será feito previamente em uma live no Instagram. Serão abertas 8 vagas (nas primeiras edições), caso necessários abriremos mais vagas. Na primeira rodada todos recitam, na segunda rodada os cinco melhores colocados recitam e na terceira rodada os três recitam. As vagas serão distribuídas da seguinte maneira: 50% das vagas serão destinadas aos frequentadores assíduos do Slam da Guilhermina e a outra metade das vagas para os demais, em ambos os casos será respeitado a equidade de gênero.

Fonte de origem:

Crônicas de Segunda Na usina: Lima Barreto: polícia suburbana:



Noticiam os jornais que um delegado inspecionando, durante uma noite destas, algumas delegacias suburbanas, encontrou-as às moscas, comissários a dormir e soldados a sonhar.

Dizem mesmo que o delegado-inspetor surripiou objetos para pôr mais à mostra o descaso dos seus subordinados.

Os jornais, com aquele seu louvável bom senso de sempre, aproveitaram a oportunidade para reforçar as suas reclamações contra a falta de policiamento nos subúrbios.

Leio sempre essas reclamações e pasmo. Moro nos subúrbios há muitos anos e tenho o hábito de ir para a casa alta noite.

Uma vez ou outra encontro um vigilante noturno, um policial e muito poucas vezes é-me dado ler notícias de crimes nas ruas que atravesso.

A impressão que tenho é de que a vida e a propriedade daquelas paragens estão entregues aos bons sentimentos dos outros e que os pequenos furtos de galinhas e coradouros não exigem um aparelho custoso de patrulhas e apitos.

Aquilo lá vai muito bem, todos se entendem livremente e o Estado não precisa intervir corretivamente para fazer respeitar a propriedade alheia.

Penso mesmo que, se as coisas não se passassem assim, os vigilantes, obrigados a mostrar serviço, procurariam meios e modos de efetuar detenções e os notívagos, como eu, ou os pobres-diabos que lá procuram dormida, seriam incomodados, com pouco proveito para a lei e para o Estado.

Os policiais suburbanos têm toda a razão. Devem continuar a dormir. Eles, aos poucos, graças ao calejamento do ofício, se convenceram de que a polícia é inútil.

Ainda bem.

Vida urbana, 28-12-1914

Crônicas De Segunda na Usina: Machado de Assis: A “Resignação”.


21 DE NOVEMBRO DE 1861.

Cavaco — Caridade — Thereza Parodi — Coros do teatro lírico.

— Ó pachorra ! Tu és a Circe mais feiticeira que conheço contra quem
não valem todas as advertências de duas Minervas juntas! Adormeci
em teu seio, «amiga velha», como te chamava aquele dom Filinto,
que, além desse, tinha outro ponto de contato comigo, na predileção
pelas trouxas de ovos; adormeci, digo eu, em teu seio, deixei passar
a semana sem vir dizer em letra redonda o que pensava das
ocorrências delas.
Não faltou, porém, quem se encarregasse de comentar, como eu, e
com um brilho de que não é capaz um escritor novel, ou já por
crônica, ou já a propósito de música e de caridade.
E de música foram últimos dias. De tudo o mais, porém, passou
estéril a semana. Música nos teatros, música nos concertos, por
caridade e por prazer.
Pretende Eugênio Pelletan que a mulher, com o andar dos tempos,
há de vir a exercer no mundo um papel político. Sem entrar na
investigação filosófica da profecia, a que dá uma tal ou qual razão a
existência de certas mulheres da sociedade grega e da sociedade
francesa, eu direi que é esse um fato que eu desejava ver realizado,
em maior plenitude do que pensa o autor da “Profession de foi”. Eu
quisera uma nação, onde a organização política e administrativa
parasse nas mãos do sexo amável, onde, desde a chave dos poderes
até o último lugar de amanuense, tudo fosse ocupado por essa
formosa metade da humanidade. O sistema político seria eletivo. A
beleza e o espírito seriam as qualidades requeridas para os altos
cargos do Estado, e aos homens competiria exclusivamente o direito
de votar.
Que fantasia! Mas, enquanto esperamos a realização dessa linda
quimera, à mulher cabem outros papéis, que, se não satisfazem à
inspiração de um humorista, podem contentar plenamente o espírito
de um filósofo e de um cristão. É, por exemplo, o da mãe de família
e o do anjo da caridade; adoçar os infortúnios da indigência e
preparar cidadãos para a pátria, que missão!
Cresce o número das associações de caridade, e as principais
organizadas são compostas de senhoras, que, no meio da abastança,
não se esquecem de que há mães de família, a quem a fortuna não
favorece com esses dons que permitem as primeiras os gozos e os
cômodos da vida. Essas fazem grossa coleta de donativos, e, sem
temer empoeirar o sapato de cetim no lar do pobre, vão repartir aos
famintos o pão da subsistência que a indigência lhes negou.
A “Associação de Caridade das Senhoras” e a “Congregação de Santa
Thereza de Jesus” merecem os mais sinceros encômios pelos fins
santos a que se propõem. Se há glória verdadeiramente real e
verdadeiramente cristã, é essa.
Ao lado do concerto que deu no Cassino a “Associação das
Senhoras”, chamaram a atenção dos “dilettanti”, nestes últimos dias,
os espetáculos líricos da companhia italiana, que nos deu Ernani e
Favorita.
Tive ocasião, nos meus últimos comentários, de falar em Thereza
Parodi e seus companheiros. Acabava de ouvir a Norma, e trazia no
espírito as impressões recebidas pela execução da famosa partitura
de Bellini. A representação de Ernani confirmou-me na primeira
opinião, ou mais, deu-me melhor opinião.
Nessa peça Thereza Parodi ostentou os mesmos esplendores de seu
talento, que já haviam dado ao papel de sacerdotisa gaulesa o cunho
das belas criações, na “cavatina” do primeiro ato, e no “terceto” do
terceiro, sobretudo, seus belos dotes de canto e de arte forma
empregados de um modo, não a satisfazer, mas entusiasmar a
platéia.
Dizem que Thereza Parodi ouviu cantar a Norma à Pasta, de quem
recebeu proveitosas lições. O fato é que o mesmo juízo feito pelos
críticos eminentes à célebre cantarina podem ser aplicados a Thereza
Parodi, guardadas as respectivas distâncias. Nesta, como naquela, a
cantora descora diante da trágica; ambas deram à sua arte esse tom
dramático que é o caráter da escola clássica, em ambas se encontra
esse culto inteligente da plasticidade, de que fala Blaze de Bury a
respeito da primeira.
Vendo e ouvindo Thereza Parodi, nós, que tivemos duas brilhantes
amostras da grande escola em Stolz e De-Lagrange, apreciamos e
dispensamos àquela artista os aplausos com que, honra de um
público inteligente, a arte, a grande arte, a verdadeira arte, costuma
ser festejada.
Depois de Ernani e de Norma foi anunciada a Favorita. As palmas
com que ao terminar a execução da ópera de Donizetti foi Thereza
Parodi chamada à cena, foram à manifestação de um público que,
sem cuidar de comparações, mostrou apreciar o talento, que, sem
pregão nem motim, veio receber no fundo da América uma
confirmação ao batismo que recebera na Europa.
Os outros artistas, à parte alguns senões, satisfizeram o público, com
especialidade o Sr. Walter.
Dizem que a gente experimenta uma certa mudança moral de sete
em sete anos. Consultando a minha idade, vejo que se confirma em
mim a crença popular, e que eu entrei ultimamente no período lírico.
É isso o que explica hoje a minha preferência pelas representações
deste gênero, e que me fazem adepto fervente da música. Como se
vê, não me devo em parte lastimar, porque com esta mudança
coincidiu o movimento lírico, que se vai observando na atualidade.
Oxalá que, a par do bom que se me dá no velho Provisório,
figurassem sempre os coros. Diz Alexandre Dumas que para os
ouvidos se fizeram “Guilherme Tell”, os pianos de Erard e as trompas
de Sax; evidentemente não se fizeram também os coros do teatro
lírico, pelo menos se tratando de ouvidos bem educados. Há ocasiões
em que é preciso muito boa vontade para ouvi-los à sangue frio.
Uma novidade dramática aguarda o público: um novo drama do
Dr.Achilles Varejão, autor da Época. Como estas coisas não são
secretas, e mais ou menos transparecem, pela louvável indiscrição
dos que, conhecendo uma peça, não se eximem de antecipar a
opinião, fazendo o seu juízo, direi que não tenho ouvido a respeito
da “Resignação” senão palavras de louvor e de ardente aplauso. É
uma composição escrita nesse tom familiar, que tornam notáveis
muita das composições modernas. Deve subir a cena esta semana;
nos meus próximos “Comentários” farei detalhada análise.

Gil.