domingo, 12 de dezembro de 2021

Dante Aliguieri: A Divina Comédia: Inferno:


 



Mas, após grande giro, hemos tocado
Na parte, onde o barqueiro com voz forte
81 — “Saí” — gritou — “à entrada haveis chegado!”
À porta vi daqueles grã coorte
Que o céu choveu; bramiam de despeito:
84 “Este quem é que, antecipando a morte,
“Tem dos mortos no reino sido aceito?” 
— Meu sábio Mestre então lhes fez aceno
87 Para, em secreto, expor-lhe seu conceito.
Contendo um pouco às sanhas o veneno Disseram: 
— “Vem tu só; vá-se o imprudente, 90 Que neste reino entrou, de audácia pleno;
“Só deixe a empresa em que embarcou demente; Tente-o, se sabe; ficarás no entanto;
93 Pois és seu guia à região nocente”. —
Imagina, ó leitor, qual fosse o espanto Meu escutando a horrífica ameaça:
96 Não deixar a mansão temi do pranto.
“Ó Mestre meu, que tanta vez a graça Fizeste de alentar-me o peito aflito
99 No perigo iminente e atroz desgraça,
“Não me deixes” — disse eu — “neste conflito! E, se avante passar é defendido,
102 Ambos voltemos do lugar maldito!” —
Quem tão longe me havia conduzido
— “Não temas” — diz — “não pode ser vedado
105 O passo, que por Deus foi permitido.
“Aqui me espera e o ânimo prostrado Fortalece e alimenta de esperança:
108 Não hás de ser no inferno abandonado”. —
O doce pai se afasta e à porta avança. Ficando assim na dúvida e incerteza,
111 No pró, no contra a mente se abalança.
Não pude o que propôs ouvir; na empresa Curta há sido a detença: de repente
114 Esquivam-se os precitos com presteza.
De roldão cerra a porta a imiga gente Do Mestre à face, que, ficando fora, 
117 A mim se restitui mui lentamente.
De olhos baixos, faltava-lhe a de outrora Afouteza, e dizia suspirando:
120 “Quem me tolhe da dor a estância agora?” —
E logo a minha alteração notando “Não te aflijas; que os óbices te digo
123 Hei de vencer que a entrada estão vedando.