Não, não dá pé.
Ele já se sente cansado, mas compreende que ainda precisa nadar um pouco. Dá
cinco ou seis braçadas, e tem a impressão
de que não saiu
do lugar. Pior: parece que está sendo arrastado
para fora. Continua a dar braçadas,
mas está exausto.
A força dos
músculos esgotou-se; sua respiração está curta
e opressa.
É preciso ter
calma. Vira-se de barriga para cima e tenta se manter assim, sem exigir nenhum esforço dos braços doloridos. Mas
sente que uma onda grande se aproxima. Mal tem tempo para voltar-se e
enfrentá-la. Por um segundo pensa que ela vai desabar sobre ele, e consegue dar
duas braçadas em sua direção. Foi o necessário para não ser colhido pela
arrebentação; é erguido, e depois
levado pelo repuxo. Talvez pudesse tomar pé, ao menos por um instante, na
depressão da onda que passou. Experimenta: não. Essa tentativa frustrada irrita-o e cansa-o. Tem dificuldade de respirar, e vê que já vem outra onda. Seria melhor
talvez mergulhar, deixar que ela
passe por cima ou o carregue; mas
não consegue controlar a respiração e fatalmente engoliria água;
com o choque perderia os sentidos. É outra vez suspenso pela água e novamente se deita de
costas, na esperança de descansar um
pouco os músculos e regular a
respiração; mas vem outra onda imensa. Os braços negam-se a qualquer esforço;
agita as pernas
para se manter na superfície e ainda uma vez consegue escapar à arrebentação.
Está cada vez
mais longe da praia, e alguma coisa o assusta: é um grito que ele mesmo deu sem
querer e parou no meio, como se o principal perigo fosse gritar. Tem medo de
engolir água, mas tem medo principalmente
daquele seu próprio grito rouco e interrompido. Pensa rapidamente que, se não
for socorrido, morrerá;
que, apesar da praia estar cheia nessa manhã de
sábado, o banhista da Prefeitura já deve ter ido embora; o horário agora é de
morrer, e não de ser salvo.
Olha a praia e as pedras; vê muitos rapazes
e moças, tem a impressão de
que alguns o olham com indiferença. Terão ouvido seu grito? A imagem que retém
melhor é a de um rapazinho que, sentado na pedra, procura tirar algum espeto do pé.
A idéia de que
precisará ser salvo incomoda-o muito; desagrada-lhe
violentamente, e resolve que de maneira alguma pedirá socorro, mesmo porque naquela aflição já acha que ele não
chegaria a tempo. Pensa insistentemente isto: calma,
é preciso ter
calma. Não apenas para
salvar-se, ao
menos para
morrer direito, sem berraria nem escândalo. Passa outra onda, mais fraca; mas
assim mesmo ela rebenta com estrondo. Resolve que é melhor ficar ali fora do que ser colhido por uma onda: com
certeza, tendo perdido as forças,
quebraria o pescoço
jogado pela água no fundo.
Sua respiração está intolerável, acha que o ar não chega
a penetrar nos pulmões, vai só até a
garganta e é
expelido com aflição; tem uma dor nos ombros; sente-se completamente fraco.
Olha ainda para
as pedras, e vê aquela gente confusamente; a água lhe bate nos olhos. Percebe,
entretanto, que a água o está levando
para o lado das pedras. Uma onda
mais forte pode arremessá-lo contra o
rochedo; mas, apesar de tudo, essa idéia lhe agrada. Sim, ele prefere ser
lançado contra as
pedras, ainda que se arrebente todo. Esforça-se na direção do lugar de onde
saltou, mas acha longe demais; de súbito, reflete que à sua esquerda deve haver também uma ponta de pedras. Olha.
Sente-se tonto e pensa: vou
desmaiar. Subitamente, faz gestos desordenados e isso o assusta
ainda mais; então reage
e resolve, com
uma espécie de frieza feroz,
que não fará
mais esses movimentos idiotas,
haja o que houver; isso é pior do que tudo, essa
epilepsia de afogado. Sente-se um animal vencido que vai morrer, mas
está frio e disposto a lutar, mesmo sem qualquer força; lutar ao menos com a cabeça; não se deixará
enlouquecer pelo medo.
Repara, então,
que, realmente, está agora perto de uma pedra,
coberta
de mariscos
negros e grandes. Pensa: é melhor que venha
uma onda fraca; se vier uma muito forte,
serei jogado ali, ficarei todo cortado,
talvez bata com a cabeça na pedra ou não consiga me
agarrar nela; e se não conseguir me agarrar da primeira vez, não terei mais
nenhuma chance.
Sente, pelo
puxão da água atrás de si, que uma onda vem, mas não olha para trás. Muda de
idéia; se não vier uma onda bem forte, não atingirá a pedra. Junta todos os restos de forças; a onda vem. Vê então que foi jogado
sobre a pedra sem se ferir; talvez instintivamente tivesse usado sua
experiência
de menino,
naquela praia onde passava as férias, e se acostumara a nadar até uma ilhota de pedra também coberta de
mariscos. Vê que alguém, em uma pedra mais alta,
lhe faz sinais
nervosos para que
saia dali, está em um lugar perigoso. Sim, sabe que está em um
lugar perigoso, uma onda pode cobri-lo e arrastá-lo, mas
o aviso o irrita; sabe
um pouco melhor
do que aquele
sujeito o que é morrer e o que é salvar-se, e demora ainda
um segundo para se erguer, sentindo um prazer extraordinário em estar deitado
na pedra, apesar
do risco. Quando chega
à praia e senta na areia está sem poder respirar, mas sente mais vivo do que antes o medo do perigo
que passou.
"Gastei-me
todo para salvar-me, pensa, meio tonto; não valho mais nada." Deita-se com
a cabeça na areia e confusamente ouve a conversa de uma barraca perto, gente
discutindo uma fita de cinema. Murmura, baixo,
um palavrão para eles; sente-se superior a eles,
uma idiota superioridade de quem não morreu, mas podia
perfeitamente estar morto, e
portanto nesse caso não teria
a menor importância, seria até ridículo de seu ponto
de vista tudo o que se
pudesse discutir sobre uma fita de cinema. O mormaço lhe dá no corpo inteiro um
infinito prazer.
Tangerine-Girl
Rachel de Queiroz
De princípio a
interessou o nome da aeronave: não "zepelim" nem dirigível, ou
qualquer outra coisa antiquada; o grande fuso
de metal brilhante chamava-se modernissimamente blimp. Pequeno como um
brinquedo, independente, amável. A algumas centenas de metros da sua casa
ficava a base
aérea dos soldados americanos e o poste de
amarração dos dirigíveis. E de vez em quando eles deixavam o poste e davam uma volta, como pássaros
mansos que abandonassem o poleiro num ensaio de vôo.
Assim, de começo,
aos olhos da menina, o blimp existia como uma coisa em si - como um animal de
vida própria; fascinava-a como prodígio mecânico
que era, e
principalmente ela o achava lindo, todo feito de prata, igual a uma
jóia,
librando-se majestosamente pouco abaixo das nuvens. Tinha coisas de ídolo,
evocava-lhe um pouco o gênio escravo de Aladim. Não pensara nunca em entrar
nele; não pensara sequer que pudesse alguém
andar dentro dele. Ninguém pensa em cavalgar uma águia, nadar nas costas de um golfinho; e, no entanto, o
olhar fascinado acompanha tanto quanto pode
águia e golfinho, numa admiração gratuita - pois parece que é mesmo uma das
virtudes da beleza essa renúncia
de nós próprios que nos impõe,
em troca de sua contemplação pura e simples.
Os olhos da
menina prendiam-se, portanto, ao blimp sem nenhum
desejo
particular, sem a sombra de uma reivindicação. Verdade que via lá dentro umas
cabecinhas espiando, mas tão minúsculas que não davam impressão de realidade -
faziam parte da pintura, eram elemento
decorativo,
obrigatório como
as grandes letras negras U S. Navy gravadas no
bojo
de prata. Ou talvez
lembrassem aqueles perfis recortados em folha que fazem
de chofer nos automóveis de brinquedo.
O seu primeiro
contato com a tripulação do dirigível começou de maneira puramente ocasional. Acabara o café da manhã; a menina tirara a mesa e fora
à
porta que dá para
o laranjal, sacudir
da toalha as migalhas de pão. Lá de cima um
tripulante avistou
aquele pano branco
tremulando entre
as árvores espalhadas e
a areia,
e o seu coração solitário comoveu-se. Vivia naquela base como um frade
no seu convento - sozinho entre soldados e exortações patrióticas. E ali
estava,
juntinho ao
oitão da casa de telhado vermelho, sacudindo um pano entre a mancha verde das
laranjeiras, uma mocinha de cabelo ruivo. O marinheiro agitou-se todo
com aquele adeus.
Várias vezes já sobrevoara aquela
casa, vira gente
embaixo entrando
e saindo; e pensara quão distantes uns dos outros vivem os homens, quão indiferentes passam
entre si, cada
um trancado na sua vida.
Ele estava voando por cima das pessoas, vendo-as, espiando-as, e, se
algumas erguiam
os olhos,
nenhuma pensava no navegador que ia dentro;
queriam só ver a beleza prateada vagando pelo céu.
Mas agora aquela
menina tinha para ele um pensamento, agitava no ar um pano, como uma bandeira;
decerto era bonita - o sol lhe tirava
fulgurações de
fogo do cabelo, e a silhueta esguia se recortava claramente no
fundo
verde-e-areia. Seu coração atirou-se para a menina
num grande impulso agradecido; debruçou-se à janela, agitou
os braços, gritou:
"Amigo!, amigo!"- embora soubesse que o vento, a distância, o
ruído do motor não deixariam ouvir-se nada.
Ficou incerto se ela lhe vira os gestos
e quis lhe corresponder de modo mais tangível. Gostaria de lhe atirar
uma flor, uma oferenda. Mas que podia haver dentro de um dirigível da Marinha
que servisse para ser oferecido a uma pequena? O objeto mais delicado que
encontrou foi uma grande caneca de louça branca, pesada como uma bala
de canhão,
na qual em breve lhe
iriam servir o café.
E foi aquela caneca que o navegante atirou; atirou, não:
deixou cair a uma distância prudente da figurinha iluminada, lá embaixo; deixou-a cair num gesto delicado, procurando abrandar a força da gravidade, a fim de que o objeto não chegasse sibilante como um
projétil, mas suavemente, como uma dádiva.
A menina que
sacudia a toalha erguera realmente os olhos ao ouvir o
motor do blimp.
Viu os braços do rapaz se agitarem lá em cima. Depois viu
aquela coisa branca fender
o ar e cair na areia; teve um susto, pensou numa
brincadeira de mau gosto - uma pilhéria rude de soldado estrangeiro. Mas quando
viu a caneca branca pousada no chão, intacta, teve uma confusa intuição do
impulso que a mandara; apanhou-a, leu gravadas no fundo as mesmas letras que
havia no corpo do dirigível: U S. Navy. Enquanto isso, o blimp, em lugar de ir
para longe, dava mais uma volta lenta
sobre a casa e
o
pomar. Então a mocinha tornou a erguer
os olhos e, deliberadamente dessa vez, acenou com a toalha, sorrindo
e agitando a cabeça. O blimp fez mais duas voltas e lentamente se afastou - e a
menina teve a impressão de que ele
levava saudades. Lá de cima, o tripulante pensava também - não em saudades, que
ele não sabia português, mas em qualquer coisa pungente e doce, porque, apesar
de não falar nossa língua, soldado americano também tem coração.
Foi assim que se
estabeleceu aquele rito matinal. Diariamente
passava
o
blimp e diariamente a menina o esperava;
não mais levou a toalha branca, e às vezes nem sequer agitava
os braços: deixava-se estar imóvel, mancha
clara na terra banhada de sol. Era uma espécie de namoro de gavião com
gazela: ele, fero soldado cortando os ares; ela, pequena, medrosa, lá embaixo,
vendo-o passar com os olhos
fascinados. Já agora,
os presentes, trazidos de propósito da base, não eram mais a
grosseira caneca improvisada; caíam do céu números da Life e da Time, um gorro
de marinheiro e, certo dia, o tripulante tirou do bolso o seu lenço
de seda vegetal
perfumado com essência sintética de violetas. O lenço abriu-se
no ar e veio voando como um papagaio de papel; ficou preso afinal nos
ramos de um cajueiro, e muito trabalho custou à pequena arrancá-lo de lá com a
vara de apanhar cajus; assim mesmo
ainda o rasgou um pouco, bem no meio.
Mas de todos os
presentes o que mais lhe agradava era ainda
o primeiro: a pesada caneca de pó de pedra. Pusera-a no seu quarto, em cima da
banca de escrever. A princípio cuidara em usá-la
na mesa, às refeições, mas se arreceou da
zombaria dos
irmãos. Ficou guardando nela os lápis
e canetas. Um dia teve
idéia melhor e a caneca de louça passou
a servir de vaso de flores. Um galho de manacá,
um bogari, um jasmim-do-cabo, uma rosa-menina, pois no jardim rústico da casa
de campo não havia rosas importantes nem flores caras.
Pôs-se a estudar
com mais afinco o seu livro de conversação inglesa; quando ia ao cinema,
prestava uma atenção intensa aos diálogos,
a fim de lhes apanhar não
só o sentido, mas a pronúncia. Emprestava ao seu marinheiro as figuras de todos os galãs
que via na tela, e sucessivamente ele era Clark Gable, Robert Taylotõu Cary
Grant. Ou era louro feito um mocinho
que morria numa batalha naval do Pacífico, cujo nome a fita não dava; chegava
até a ser, às vezes,
careteiro e risonho
como Red Skelton. Porque
ela era um pouco míope, mal o vislumbrava, olhando-o do chão: via um
recorte de cabeça, uns braços se agitando; e, conforme a direção dos raios do sol, parecia-lhe que ele tinha o cabelo
louro ou escuro.
Não lhe ocorria
que não pudesse ser sempre o mesmo marinheiro. E, na verdade, os tripulantes se revezariam diariamente: uns ficavam de folga e iam
passear na cidade com as pequenas que por lá arranjavam; outros iam embora de vez para a África, para
a Itália. No posto de dirigíveis criava-se aquela tradição da menina do laranjal. Os marinheiros
puseram-lhe o apelido de "Tangerine-Girl". Talvez por causa do filme
de Dorothy Lamour, pois Dorothy Lamour é, para todas as forças armadas
norte-americanas, o modelo do que devem
ser as moças
morenas da América
do Sul e das ilhas
do Pacífico. Talvez porque
ela os esperava sempre entre as laranjeiras. E talvez porque o
cabelo ruivo da
pequena, quando brilhava à luz da manhã, tinha
um brilho acobreado de tangerina madura. Um a um, sucessivamente, como um bem
de todos,
partilhavam eles o namoro com a garota Tangerine. O piloto da aeronave dava
voltas, obediente, voando o mais baixo que
lhe permitiam os regulamentos, enquanto o outro, da janelinha, olhava e dava adeus.
Não sei por que
custou tanto a ocorrer aos rapazes a idéia de atirar um bilhete. Talvez
pensassem que ela
não os entenderia. Já fazia mais
de um mês que sobrevoavam a casa, quando afinal o primeiro bilhete
caiu; fora escrito sobre uma cara rosada de rapariga
na capa de uma revista: laboriosamente, em letras de imprensa, com os rudimentos
de português que haviam aprendido da boca das pequenas, na cidade: "Dear
Tangerine-Girl. Please você vem hoje (today) base X. Dancing, show. Oito horas P.M." E no outro ângulo da
revista, em enormes letras, o "Amigo", que é a palavra de passe dos americanos entre nós.
A pequena não
atinou bem com aquele "Tangerine-Girl". Seria ela?
Sim, decerto...
e aceitou o apelido, como uma lisonja. Depois pensou que as duas
letras, do fim:
"P.M.", seriam uma
assinatura. Peter, Paul,
ou Patsy, como o ajudante de
Nick Carter? Mas uma lembrança de estudo
lhe ocorreu: consultou as páginas finais do dicionário, que tratam de abreviaturas, e verificou, levemente decepcionada, que aquelas
letras queriam dizer
"a hora depois do meio-dia".
Não pudera
acenar uma resposta porque só vira o bilhete ao abrir a revista, depois
que o blimp se afastou.
E estimou que assim
o fosse: sentia-se tremendamente assustada e
tímida ante aquela primeira aproximação com o seu aeronauta. Hoje veria
se ele era alto e belo, louro ou moreno. Pensou
em se esconder por trás das colunas do portão, para o ver chegar - e não
lhe falar nada. Ou talvez tivesse
coragem maior e desse a ele a sua mão; juntos
caminhariam até a base, depois
dançariam um fox langoroso, ele lhe faria
ao ouvido declarações de amor em inglês, encostando a face queimada de
sol ao seu cabelo. Não pensou
se o pessoal de casa lhe deixaria
aceitar o convite. Tudo se ia passando como num
sonho - e como num sonho se resolveria,
sem lutas nem empecilhos.
Muito antes do
escurecer, já estava penteada, vestida. Seu coração batia, batia inseguro, a
cabeça doía um pouco, o rosto estava em
brasas. Resolveu não mostrar
o convite a ninguém; não
iria ao show;
não dançaria, conversaria um pouco com ele no portão.
Ensaiava frases em inglês e
preparava o ouvido para as doces palavras
na língua estranha. às sete horas
ligou o rádio
e ficou escutando
languidamente o programa de swings. Um irmão
passou, fez troça do vestido bonito,
naquela hora, e ela nem
o ouviu. Às sete e meia já estava
na varanda, com o olho no portão e na estrada. Às dez para as oito, noite fechada já há muito, acendeu a pequena
lâmpada que alumiava o portão e saiu para o jardim. E às oito em ponto ouviu
risadas e tropel de passos na
estrada, aproximando-se.
Com um recuo
assustado verificou que não vinha apenas o
seu marinheiro enamorado, mas um bando ruidoso deles. Viu-os aproximarem-se,
trêmula. Eles a
avistaram, cercaram o portão - até parecia manobra militar
-' tiraram os
gorros e foram se apresentando numa algazarra
jovial.
E, de repente,
mal lhes foi ouvindo os nomes, correndo os olhos pelas caras imberbes, pelo sorriso esportivo e juvenil dos rapazes,
fitando-os de um
em um,
procurando entre eles o seu príncipe sonhado - ela compreendeu tudo. Não
existia o seu marinheiro apaixonado - nunca
fora ele mais do que um mito do seu coração. Jamais houvera um único, jamais "ele" fora o
mesmo. Talvez nem sequer o próprio blimp fosse o mesmo...
Que vergonha,
meu Deus! Dera adeus a tanta gente; traída por
uma aparência enganosa, mandara diariamente a tantos rapazes diversos as mais
doces mensagens do seu coração,
e no sorriso deles, nas palavras cordiais
que dirigiam à namorada coletiva, à pequena Tangerine-Girl, que já era
uma instituição da base - só viu escárnio, familiaridade insolente... Decerto
pensavam que ela
era também uma dessas pequenas que namoram os marinheiros de passagem, quem
quer que seja... decerto pensavam... Meu Deus do Céu!
Os moços, por
causa da meia-escuridão, ou porque não cuidavam
naquelas nuanças
psicológicas, não atentaram na expressão de mágoa e susto que confrangia o rostinho redondo da amiguinha. E,
quando um deles, curvando-se, lhe ofereceu o braço, viu-a com surpresa recuar,
balbuciando timidamente:
-
Desculpem... houve engano... um engano...
E os rapazes
compreenderam ainda menos quando a viram fugir, a
princípio
lentamente, depois numa carreira cega. Nem desconfiaram
que ela fugira a trancar-se no quarto e, mordendo o travesseiro, chorou as lágrimas mais amargas e mais quentes que
tinha nos olhos.
Nunca mais a
viram no laranjal; embora insistissem em atirar presentes, viam que eles
ficavam no chão, esquecidos - ou às vezes eram
apanhados pelos moleques do sítio.