sábado, 2 de maio de 2020

Conto de Sábado na Usina: Fernando Sabino: A mulher do vizinho:



Na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático General do nosso Exército, morava (ou mora) também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia.
Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do General e um dia o General acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para dar um jeito nos filhos do vizinho.
O delegado resolveu passar uma chamada no homem e intimou-o a comparecer à delegacia.
O sueco era tímido, meio descuidado no vestir e pelo aspecto não
parecia ser um importante industrial, dono de grande fábrica de papel (ou coisa parecida), que realmente ele o era. Obedecendo à intimação recebida, compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calado tudo o que
o   delegado tinha a lhe dizer. O delegado tinha a lhe dizer o seguinte:
-   O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode
logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar num troço chamado autoridades constituídas? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe
que existe uma coisa chamada Exército Brasileiro, que o senhor tem de respeitar? Que negócio é esse? Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse a casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: "dura lex"! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o
General, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor.
Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O vizinho do General pediu, com
delicadeza, licença para se retirar. Foi então que a mulher do vizinho do General interveio:
-   Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu marido?
O delegado apenas olhou-a, espantado com o atrevimento.
-   Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o senhor. Meu marido não é gringo nem meus filhos são moleques. Se por
acaso importunaram o General, ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos importunando. E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um Major do Exército, sobrinha de um Coronel, e filha de um General! Morou?
Estarrecido, o delegado só teve força para engolir em seco e balbuciar humildemente:
-   Da ativa, minha senhora?
E, ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços, desalentado:
-   Da ativa, Motinha. Sai dessa.