sábado, 23 de outubro de 2021

Domingo na Usina: Biografias: João Vário:



João Vário (Mindelo, São Vicente, 7 de Junho de 1937 — Mindelo, São Vicente, 7 de Agosto de 2007), principal pseudónimo de João Manuel Varela, que também assinou como Timóteo Tio Tiofe e Geuzim Té Didial, foi um escritor, neurocientista, cientista e professor cabo-verdiano.[1][2]
Estudou medicina nas universidades de Coimbra e de Lisboa e doutorou-se na universidade de Antuérpia, na Bélgica, onde foi investigador e professor de neuropatologia e neurobiologia. Ao jubilar-se, regressou à sua Mindelo natal.
Deixou uma obra poética extensa, mas ainda pouco conhecida do grande público. Foi muito influenciado pela cultural ocidental, tendo como referências Saint-John Perse, T. S. Eliot, Ezra Pound, Aimé Césaire, Dante e a própria Bíblia.[1][2]
Exemplos 1-9, de João Vário, volume que reúne os Exemplos Geral (1966), Relativo (1968), Dúbio (1975), Próprio (1980), Precário (1981), Maior (1985), Restreint (1989), Irréversible (1989), e Coevo (1998).

O Primeiro e o Segundo Livros de Notcha (poesia), de Timóteo Tio Tiofe.

Contos da Macaronésia, de G. T. Didial.

O Estado impenitente da Fragilidade (romance), de G. T. Didial.

Bibliografia

Cristóvão, Fernando (dir. e coord.) (2005). Dicionário Temático da Lusofonia. Lisboa: Texto Editores. ISBN 972-47-2935-4

SERRANO, Luís. «João Vário, Esse Grande Escritor Cabo-Verdiano». Aveiro: 2007, in O Portal das Memórias de África e do Oriente.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_V%C3%A1rio

Domingo na Usina: Biografias: João Cleofas Martins:



João Cleofas Martins, também conhecido como Djunga Fotógrafo (28 de agosto de 1901 — 27 de agosto de 1970) foi um escritor e fotógrafo cabo-verdiano.
Trabalho
Começou a trabalhar na Western Telegraph Company e, em 1928 partiu para Lisboa e especializou-se em fotografia. Em 1931, ele fundou a 'Foto Progresso', no Mindelo.
Também dedicou toda a sua vida ao lar de crianças ao velho Albergue do S. Vicente (hoje ' Lar de Nhô Djunga '). Fazia também crónicas à Rádio Barlavento, com Sérgio Frusoni.
Peça de teatro

Vai-te treinando desde já.

fonte de origem:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cleofas_Martins 

Domingo na Usina: Biografias: Yolanda Morazzo:



Yolanda Morazzo (São Vicente, 16 de dezembro de 1927 - Lisboa, 27 de janeiro de 2009)[1] foi uma escritora e poetisa Caboverdiana de língua portuguesa.
Biografía
É diplomada com o curso superior de Francês e o curso superior de Moderna Literatura Francesa, da Alliance Française e com o curso de Ingês do Instituto Britânico.
Em 1958, parte para Angola acompanhando o marido e aí permanence no período convulso da guerra colonial, de 58 a 68. Findo esse tempo foi viver para Luanda onde lecciona no ensino particular, trabalhando ao mesmo tempo na Embaixada da Jugoslávia.
Neta de José Lopes, um dos maiores e mais cultos poetas de Cabo Verde, cedo revelou a sua poesia, tendo feito parte do Grupo do Suplemento Cultural.
Obras

Cantico de ferro: Poesia de Intervenção (Edições Petra, 1976).[2]

Poesia completa: 1954-2004. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2006.[3]

Curiosidades

Um poema seu, Barcos, encontra-se no CD Poesia de Cabo Verde e sete poemas de Sebastião da Gama, de Afonso Dias.[4]fonte de origem:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Yolanda_Morazzo

Domingo na Usina: Biografias: Yara dos Santos:



Yara dos Santos (Praia, 1979) é uma escritora cabo-verdiana.[1]
Seu primeiro livro, Força de Mulher (Ed. Garrido, 2002) foi um relato de sua experiência como participante do programa de televisão português Confiança Cega.[2] Em seguida, escreveu Cabo Verde: Tradição e Sabores (Ed. Garrido, 2003), sobre as tradições gastronômicas da sua terra natal.
Em 2006, publicou Ildo Lobo, a voz crioula (Ed. Sete Caminhos), sobre a vida e obra do cantor cabo-verdiano Ildo Lobo.[3]

fonte de origem:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Yara_dos_Santos

Domingo na Usina: Biografias: Ivone Aida Lopes Rodrigues Fernandes Ramos:



Ivone Aida Lopes Rodrigues Fernandes Ramos (Santa Catarina, 7 de setembro de 1926 - Mindelo, 3 de março de 2018) foi uma escritora Cabo-verdiana.[1][2]
Biografia
Nasceu na ilha de Santiago, a maior do arquipélago. Filha de Armando Napoleão Rodrigues Fernandes, que publicou o primeiro dicionário de língua crioula-portuguesa em Cabo Verde, pertence a uma família de grandes figuras literárias, incluindo o tio José Lopes da Silva (poeta), os primos António Aurélio Gonçalves (escritor) e Baltazar Lopes da Silva (escritor e poeta), a irmã Orlanda Amarílis Lopes Rodrigues Fernandes Ferreira (escritora), o cunhado Manuel Ferreira (escritor e investigador), e o filho Carlos Filipe Gonçalves (investigador).
Depois regressou a Assomada onde passou seis anos.
Desde criança gostava de leitura. Lia de tudo: romances policiais, de amor, espionagem, medieval passando para livros de história e outros que o pai tinha na biblioteca da casa onde vivia. Dessa forma cresceu instruída e a par dos problemas locais e mundiais.
Já menina, foi para S. Vicente morar na casa da tia, onde encontrou o primo António Aurélio Gonçalves, que a incentivou a escrever livros de histórias folclóricas de Cabo Verde, devido ao facto de saber e gostar de contá-las. Estas histórias haviam sido contadas a ela pelos vizinhos, empregadas da casa, ou pelos mais velhos, em Santa Catarina e em São Nicolau, no quintal ou na porta da casa, com o céu estrelado e os meninos sentados ao pé do contador de histórias. Eram contos de feiticeiras, de pessoas com poderes extraordinários, ou em que o herói empreendeu numa missão cheia de perigos. Ela nunca ligou nem se preocupou com os alvitres do primo... Só muito, muito mais tarde, estas histórias e vivências seriam a inspiração para mais tarde ela escrever uma série de livros. Primeiro o livro de contos " Vidas Vividas" (1990). Seguiram-se "Futcera ta cendê na Rotcha" (2000) e "Exilada" (2005). Em 2009 publicou um livro de contos infantis intitulado “Mam Bia tita conta estória na criol” (Mãe Bia está a contar histórias em crioulo).
Modista/costureira, fazia roupas de senhora por medida e tinha um lado artístico expresso através de peças de artesanato, e confecção de e peças tradicionais, como colchas de retalhos, bolsos dos vendedores no mercado, bordados, bonecas de pano e mil e um artigos de decoração.
Obras

Vidas Vividas (1990)

Futcera ta cendê na Rotcha (2000)

A Exilada (2005)

Mambia tita contá história na criol (Children's Story Book, 2009) [3][4]

Capotóna (Crioulo de São Vicente) obrigado en livro Futcera ta cendê na Rotcha.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ivone_Ramos

Domingo na Usina: Biografias: Henrique Teixeira de Sousa:



Henrique Teixeira de Sousa (São Lourenço, 6 de setembro de 1919 — Oeiras, 3 de março de 2006)[1] foi um médico e escritor cabo-verdiano.
Natural da Ilha do Fogo, de uma velha família branca em terra onde predominam os mestiços. Teixeira de Sousa licenciou-se em Medicina em Lisboa, em 1945, tendo frequentado no ano seguinte o Instituto de Medicina Tropical do Porto. Quando estudante de Medicina, movimentou-se nas lides neo-realistas, juntamente com Francisco José Tenreiro, Manuel da Fonseca, Armindo Rodrigues e o seu compatriota António Nunes[2].
Tirou mais tarde a especialidade de nutricionista, e foi inicialmente colocado como médico em Timor.
Teixeira de Sousa fixou-se no ano seguinte na sua ilha natal do Fogo, onde foi notável a sua acção em prol de estruturas mínimas de saúde pública. Facultou ao geógrafo Orlando Ribeiro relatórios inéditos sobre o estado de nutrição e sanidade da ilha - tudo aproveitado no livro sobre O Fogo, que Orlando lhe pediu para ler em manuscrito, beneficiando das suas sugestões e correcções[3]
Exerceu posteriormente em São Vicente, até se aposentar em vésperas da independência e se fixar em Oeiras, onde viveu até ao fim dos seus dias.
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Obras literárias

Contra mar e vento - livro de contos (1972)

Ilhéu de contenda (primeiro de trilogia) (1978)

Capitão de Mar e Terra (1984)

Xaguate (segundo de trilogia) (1987)

Djunga (1990)

Na Ribeira de Deus (terceiro de trilogia) (1992)

Entre duas Bandeiras (1994)

Oh Mar das Túrbidas Vagas (2005)

Menos um.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Henrique_Teixeira_de_Sousa

Domingo na Usina: Biografia: Germano Almeida:





Germano Almeida (Boa Vista, 1945) é um escritor cabo-verdiano.[1]
Nasceu na ilha da Boa Vista, em Cabo Verde, numa zona intermédia entre rural e urbana. Aos sete anos quase morreu afogado na praia. Em 1965 fez a tropa em Angola, numa zona de confronto. Recebeu uma bolsa da Gulbenkian para estudar Direito na Universidade de Lisboa[2] em 1970. Regressando a Cabo Verde em 1977, dedica-se à advocacia na ilha de São Vicente. Foi deputado eleito pelo Movimento para a democracia de Cabo Verde e exerceu o cargo de Procurador-Geral da República de Cabo Verde.
No campo literário foi um dos co-fundadores da revista literária Ponto & Vírgula (1983-1987).[3] Fundou Ilhéu Editora em 1989 e publicou 16 livros, incluindo 9 romances.[4]Ganhou o Prémio Camões em 2018,tornando-se assim no segundo escritor Cabo-Verdiano a receber tal mérito.[5]
Recebeu duas condecorações de Portugal: a 9 de julho de 1997, o grau de Comendador da Ordem do Mérito, e a 10 de junho de 2019 o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.[6]
Escrita
Seus romances foram traduzidos para diversas línguas. Caracteriza-se por usar o humor e a sátira, denuncia a duplicidade da sociedade cabo-verdiana, caracterizada durante os primeiros anos de independência por um regime de partido único. Exemplo desse humor é O Meu Poeta, romance de grande fôlego onde o autor satiriza com invulgar sarcasmo a realidade cabo-verdiana. É considerado o primeiro romance verdadeiramente nacional.
A sua escrita desmarca-se da geração dos claridosos, não tendo como base as questões da emigração, pobreza, e secas.
Obras

O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo (1989)

O dia das calças roladas (1992)

O Meu Poeta (1990)

A Ilha Fantástica (1994)

Os Dois Irmãos (1995)

Estórias de dentro de Casa (1996)

A morte do meu poeta (1998)

A Família Trago (1998)

Estórias contadas (1998)

Dona Pura e os Camaradas de Abril (1999)

As memórias de um espírito (2001)

fonte de origem:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Germano_Almeida

Domingo na Usina: Biografias: José Gabriel Lopes da Silva:



José Gabriel Lopes da Silva, conhecido como Gabriel Mariano. Nasceu no dia 18 de Maio de 1928, em Cabo-Verde, Ilha de S. Nicolau, na Vila da Ribeira Brava, também conhecida como Stanxa (Estância).
Gabriel Mariano, desde os tempos de estudante no Liceu Gil Eanes em Mindelo, S. Vicente, Cabo-Verde manteve intensa actividade cultural, escrevendo peças teatrais, como por exemplo Clandestinos no Céu, participou na criação do jornal Restauração, uma revista de oposição estudantil, com Jorge Pedro Barbosa, do Suplemento Cultural com Carlos Alberto Monteiro, que a censura fechou após o primeiro número e do Boletim de Cabo-Verde.
Em 1954 Gabriel Mariano veio estudar para Portugal, Lisboa, na Faculdade de Direito de Lisboa onde se licenciou em Direito. Na cidade de Lisboa viveu em casa de uma tia materna no pitoresco Bairro de Campo de Ourique frequentado, entre outros, o famoso “Café Canas”. Frequentou também a “Casa dos Estudantes do Império”, criada no contexto da política imperial do Estado Novo, cujo chefe de fila era Salazar. Cedo este espaço revelou-se um local de fermentação de uma consciência anticolonial entre os jovens oriundos das colónias a estudar em Lisboa. Gabriel Mariano conviveu com Amílcar Cabral, futuro líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-Verde (PAIGC) e Agostinho Neto futuro líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Como consequência destas actividades Gabriel Mariano foi “fichado” pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado).
O seu desejo sempre foi regressar para as Ilhas do Cabo-Verde. No ano de 1961, por sua opção, foi colocado em S. Tomé e Príncipe como Conservador dos Registos por não existir uma vaga em Cabo-Verde. Naquele tempo o Conservador dos Registos substituía o Juiz. Por regra, nas comarcas de Cabo-Verde e S. Tomé o Conservador era também o Juiz. Não eram comarcas apetitosas como Luanda (Angola) ou Lourenço Marques, hoje Maputo (Moçambique). Em 1963 conseguiu ser transferido para Cabo-Verde, Ilha de Santiago, Cidade da Praia onde foi Conservador dos Registos e Juiz.
A sua actividade cultural era considerada subversiva pelo governo fascista de Salazar e em 1965, como forma de castigo, o senhor Ministro do Ultramar, Silva Cunha, desterrou-o para a Ilha de Moçambique, Moçambique. Na sua companhia foram a sua mulher e três filhos pequenos, João, José e Valdemar.

fonte de origem:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Gabriel_Mariano

Domingo na Usina: Biografias: Francisco Xavier da Cruz:


 

Francisco Xavier da Cruz (B.Leza ou Beléza) foi um músico de Cabo Verde.
Natural do Mindelo, B.Leza inovou a morna ao utilizar frequentemente os acordes de passagem, (chamados de meio-tom brasileiro na gíria dos músicos cabo-veridanos), antes pouco usados nesse género musical.
O seu estilo e a sua obra, que começaram a ter sucesso na década de 1950, marcaram a música de Cabo Verde nos vinte anos seguintes. Compôs dezenas de mornas, entre as quais se destacam Eclipse, Miss Perfumado, Resposta de Segredo Cu Mar e Lua Nha Testemunha, que, diz a lenda, foi composta no leito do hospital, dias antes da sua morte a 14 de Junho de 1958.
Diz também a lenda que muitas pessoas iam ter com o mestre B.Leza para lhe pedir uma morna para a pessoa amada, para uma serenata ou para assinalar um acontecimento. Em questão de dias, B.Leza tinha a obra feita. Moacyr Rodrigues escreve que “influenciado pela música brasileira e argentina – B.Leza – vai enriquecer não só a música com a introdução do meio-tom mas também a letra pelo desenvolvimento de ideias”.
Biografia
Francisco da Cruz nasceu em Mindelo na ilha de São Vicente. B. Leza foi inovado na morna e utilizou frequentemente os cabos de passagem (conhecido como o meio-tom brasileiro , o jargão usado pelos músicos cabo-verdianos).
Ele escreveu vários poemas que apareceram na revisão da revista Claridade. O seu estilo e o seu trabalho, que começou a ter sucesso nos anos 50, marcaram a música cabo-verdiana durante os próximos vinte anos. Ele compôs dezenas de mornas, uma delas intitulada Eclipse, Miss Perfumado, Resposta de Segredo Cu Mar e Lua Nha Testemunha, A lenda tinha sido composta em uma cama de hospital poucos dias antes de sua morte em 14 de julho de 1958
Em 1958, um ano antes de sua morte, BeLeza foi apresentado em uma rodada com o Atum Académica da Coimbra, que aconteceu na ilha de São Vicente.[1]
Obras
Para a cultura cabo-verdiana, B.Leza legou também vários livros.
Uma partícula da Lira Cabo-Verdiana (1933) contém 10 mornas da sua autoria e um texto em que explana as suas ideias sobre a música cabo-verdiana.
Flores Murchas (1938), poesias.
Fragmentos – Retalhos de um poema perdido no naufrago da vida (1948), poesias.
Razão da amizade cabo-verdiana pela Inglaterra (1950).

Dante Alighieri: A Divina Comédia: Inferno:


 
DESCI desta arte ao círculo segundo, Que o espaço menos largo compreendia, 
3 Onde o pungir da dor é mais profundo.
Lá stava Minos e feroz rangia: Examinava as culpas desde a entrada, 
6 Dava a sentença como ilhais cingia.
Ante ele quando uma alma desditada
Vem, seus crimes confessa-lhe em chegando,
9 Com perícia em pecados consumada.
Lugar no inferno, Minos, lhe adaptando, Do abismo o círc'lo arbitra, 
a que pertença, 12 Pelas voltas da cauda graduando.
Sempre muitas se lhe acham na presença; Cada qual tem sua vez de ser julgada,
15 Diz, ouve, cai, se some sem detença.....

Contos do Sábado na Usina: Artur Azevedo:


 


A “DONA BRANCA”
A Delgado de Carvalho Júnior. 
No dia 6 de outubro de 1891, quando o senhor Vieira, ás sete horas da manhã, pôs o chapéu para sair, dona Catarina, sua esposa, disse, consertando-lhe o laço da gravata: 
— Sabes de uma coisa? Mana Adelaide mandou convidar-me para ir hoje com ela ao Teatro Lírico. 
— Que idéia! 
— Aí vens tu! Vai-se embora a companhia e eu não assisto a um único espetáculo, podendo ouvir a 
Dona Branca de graça! 
— Mas, filha, não te lembras que dia é hoje? 
— É terça-feira. 
— E então? 
— E então? 
— Pois não sabe que às terças-feiras não dispenso o meu voltaretezinho em casa do compadre? 
— Quem te diz que não vás ao teu voltaretezinho? Mana Adelaide conhece os teus hábitos e as tuas impertinências; foi a mim e não a ti que convidou. 
— Mas... 
— Olha, eu vou jantar com ela nas Laranjeiras e de lá vamos juntas para o teatro; acabado o espetáculo, ela traz-me no seu carro, e deixa-me ficar em casa. Não gastas um vintém, nem te incomodas. 
— Bem sei, mas não é bonito uma senhora casada ir ao teatro sem seu marido. 
— Mas com sua irmã... e com o marido de sua irmã... 
— Bom, bom, vai; não quero que me chamem desmancha-prazeres. Jantarei sozinho. 
O senhor Vieira saiu, foi tratar da vida, e quando, às quatro horas, voltou à casa, já dona Catarina tinha essa ter com a irmã. 
O pobre homem ficou muito aborrecido naquela solidão. Toda sua família era essa bela senhora com quem se casara em 1885 e contava dez anos menos que ele. 
Tinha quarenta e quatro invernos o senhor Vieira, e inteligência bastante para perceber que dona Catarina o não amava; entretanto, contentava-se da respeitosa amizade com que ela se impunha serenamente à sua estima, e preferia mesmo esse discreto sentimento ao amor desordenado e doentio, que produz ciúmes e dispepsias, maus humores e lesões cardíacas. Depositava uma confiança cega em sua mulher e estimava-a deveras. Sentia-se feliz. 
Mais feliz seria, entretanto, se houvesse uma criança naquela casa. Dona Catarina sofria por vezes longos acessos de melancolia; algumas noites deixava o esposo sozinho n larga cama de casados, e ia revolver-se num sofá, suspirando, irrequieta, nervosa, sem poder dormir. Mas esses fenômenos eram passageiros, e o marido, atribuía-os às ausência da prole. 
— Decididamente, falta uma criança nesta casa! 
Depois daquele jantar de solteirão, o senhor Vieira dormiu a sesta, e às sete horas foi para casa do compadre, em São Cristóvão. O senhor Vieira morava no Catete. 
— Bravos! cá está o nosso homem! exclamou o compadre e exclamaram mais dois amigos da vizinhança, que se achavam à espera do parceiro. Vamos ao vício! 
Os quatro companheiros sentaram-se às oito horas e jogaram até perto da meia noite. O senhor Vieira ganhou dezenove mil e quinhentos. Nunca estivera com tanta sorte. 
À meia noite, depois do chá com torradas, o nosso homem saiu, e foi esperar a condução na esquina. 
Passados uns vinte minutos, apareceu um bonde, mas em sentido contrário, e parou para fazer saltar o Lamenha, que era vizinho paredes meias do compadre. 
— Olá! a estas horas, seu Lamenha? perguntou o senhor Vieira. Já sei que vem do Lírico; foi ouvir a 
Dona Branca. 
— Ora deixe-me com a Dona Branca! Se soubesse... 
— Então a ópera não presta? 
— Não sei; o espetáculo não passou do começo! 
— Ora essa! Por que? 
— NO fim do primeiro ato o público das torrinhas chamou à cena o empresário para ferrar-lhe uma pateada, não sei porque motivo. O empresário não quis vir. O público zangou-se. A polícia interveio, e agora é que são elas! Ah, seu Vieira, que rolo!... 
— Deveras? perguntou o outro empalidecendo. 
— Os soldados da polícia acutilavam a torto e a direito, os bancos voavam, os globos dos candeeiros partiam-se, as famílias separavam-se numa confusão medonha, as senhoras tinham chiliques e soltavam gritos... 
— As senhoras?... Meu Deus!... e a minha!... 
— Há muita gente ferida, e não será para admirar que houvesse mortes! Eu escapei por milagre! 
— E minha mulher que foi a este espetáculo!... 
— Sua senhora? Não a vi. Só vi sua cunhada, a Dona Adelaide, sozinha, correndo e gritando que parecia uma louca! 
— Pois estavam juntas!... Felizmente aí vem o bonde... Quem sabe se não vou encontrá-la morta? Eu bem que queria que não fosse à tal Dona Branca! Ora esta!... 
E o senhor Vieira tomou o bonde, sem mesmo se despedir de Lamenha. 
Imaginem o desassossego com que o pobre diabo fez a viagem de São Cristóvão ao largo de São Francisco. Aí tomou um tílburi. O cocheiro confirmou a informação do Lamenha, acrescentando que tinham morrido duas senhoras, sendo uma de susto. 
Ao passar pela Guarda Velha, o senhor Vieira notou que o Lírico estava imerso nas trevas e no silêncio. 
Chegou à casa, e expectorou um grande suspiro de alívio ao entrar na alcova: dona Catarina dormia tranqüilamente, envolvida no seu lençol. 
O marido despiu-se em silêncio e deitou-se ao lado da senhora. Ela despertou: 
— Ah! és tu? 
Ele, completamente serenado, resolveu gracejar e perguntou-lhe sorrindo: 
— Então, minha senhora, que me diz de Dona Branca? 
— É uma ópera muito bonita. 
— Hein? 
— O último ato principalmente, acrescentou dona Catarina com muita convicção. 
O senhor Vieira sentiu o sangue lhe subir à cabeça, mas conseguiu dissimular, e perguntou se a ópera tinha sido bem cantada. 
— Perfeitamente cantada, respondeu ela, mentindo como só as mulheres sabem mentir. 
— E não houve novidade durante o espetáculo? 
— Nenhuma. O Gabrielesco esteve sublime! 
— O Gabrielesco? No último ato? 
— Em todos os atos. É um tenorão! 
— Está bem. 
O senhor Vieira apagou a vela e fingiu que se aninhava para dormir. 
— Aí está você amuado! Eu por seu gosto não saía de casa, não me divertia, vivia metida entre quatro paredes! Que homem!... 
Ele resmungou uns sons inarticulados; não respondeu. 
— Será possível que o Lamenha me enganasse? pensava o marido. Não; - e o cocheiro do tílburi?... 
O senhor Vieira passou, talvez pela primeira em sua vida, uma noite completamente em claro. Ergueu- se logo ao amanhecer, saiu, convenceu-se de uma verdade terrível, e nesse mesmo dia separou-se para sempre de dona Catarina. 
Na terça feira seguinte, o senhor Vieira não faltou ao voltaretezinho do compadre. 
Quando este lhe perguntou: — Então?... que foi isso?... a comadre? - ele respondeu melancolicamente: 
— A comadre ouvia-me dizer que em nossa casa faltava uma criança e quis arranjá-la fora... Deixa lá! - Vamos ao vício! 
Nessa noite perdeu quinze mil e oitocentos.

Contos do Sábado na Usina: Machado de Assis: LINHA RETA E LINHA CURVA IV:


No dia seguinte, ao meio-dia, Diogo apresentou-se ao Tito, e depois de falar sobre diferentes coisas, tirou do bolso uma cartinha, que fingira ter esquecido até então, e a qual mostrava não dar grande apreço. - Que bomba! disse ele consigo, na ocasião em que Tito rasgou a sobrecarta. Eis o que dizia a carta: "Dei-lhe o meu coração. Não quis aceitá-lo, desprezou-o mesmo. A sua bota magoou-o demais para que ele possa palpitar ainda. Está morto. Não o censuro; não se deve falar de luz aos cegos; a culpada fui eu. Supus que pudesse dar-lhe uma felicidade, recebendo outra. Enganei-me. "Tem a glória de retirar-se com todas as honras de guerra. Eu é que fico vencida. Paciência! Pode zombar de mim; não lhe contesto o direito que tem para isso. "Entretanto, devo dizer-lhe que eu bem o conhecia; nunca lho disse, mas conhecia-o; desde o dia em que o vi pela primeira vez em casa de Adelaide, reconheci na sua pessoa o mesmo homem que um dia veio atirar-se aos meus pés... Era zombaria então, como hoje. Eu já devia conhecê-lo. Caro pago o meu engano. Adeus, adeus para sempre." Lendo esta carta, Tito olhava repetidas vezes para Diogo. Como é que o velho se prestara àquilo? Era autêntica ou apócrifa a tal carta? Sobre não trazer assinatura, tinha a letra disfarçada. Seria uma arma de que o velho usara para descartar-se do rapaz? Mas, se fosse assim, era preciso que ele soubesse do que se passara na véspera. Tito releu a carta muitas vezes; e, despedindo-se do velho, disse-lhe que a resposta iria depois. Diogo retirou-se esfregando as mãos de contente. É que a carta cuja leitura os leitores fizeram ao mesmo tempo que o nosso herói não era a que Emília lera a Diogo. Na minuta apresentada ao velho a viúva declarava simplesmente que se retirava para a corte, e acrescentava que entre as recordações que levava de Petrópolis figurava Tito, pela figura que ele havia representado diante dela. Mas essa minuta, por uma destreza puramente feminina, não foi a que Emília mandou a Tito, como viram os leitores. À carta de Emília respondeu Tito nos seguintes termos: "Minha senhora, "Li e reli a sua carta; e não lhe ocultarei o sentimento de pesar que ela me inspirou. Realmente, minha senhora, é esse o estado do seu coração? Está assim tão perdido por mim? "Diz Vossa Excelência que eu com a minha bota machuquei o seu coração. Penaliza-me o fato, sem que eu entretanto o confirme. Não me lembra até hoje que tivesse feito estrago algum desta natureza. Mas, enfim, Vossa Excelência o diz, e eu devo crê-lo. "Lendo esta carta Vossa Excelência dirá consigo que eu sou o mais audaz cavalheiro que ainda pisou a terra de Santa Cruz. Será um engano de observação. Isto em mim não é audácia, é franqueza. Lastimo que as coisas chegassem a este ponto, mas não posso dizer-lhe nada mais que a verdade. "Devo confessar que não sei se a carta a que respondo é de Vossa Excelência. A sua letra, de que eu já vi uma amostra no álbum de D. Adelaide, não se parece com a da carta; está evidentemente disfarçada; é de qualquer mão. Demais, não traz assinatura. "Digo isto porque a primeira dúvida que nasceu em meu espírito proveio do portador escolhido. Pois quê! Vossa Excelência não achou outro senão o próprio Diogo? Confesso que de tudo o que tenho visto em minha vida, é isto o que mais me faz rir. "Mas eu não devo rir, minha senhora. Vossa Excelência abriu-me o seu coração de um modo que inspira antes compaixão. Esta compaixão não lhe é desairosa, porque não vem por sentido irônico. É pura e sincera. Sinto não poder dar-lhe essa felicidade que me pede; mas é assim. 94 "Não devo estender-me e, contudo custa-me arrancar a pena de cima do papel. É que poucos terão a posição que eu ocupo agora, a posição de requestado. Mas devo acabar e acabo aqui, mandando-lhe os meus pêsames e rogando a Deus para que encontre um coração menos frio que o meu. "A letra vai disfarçada como a sua, e; como na sua carta, deixo a assinatura em branco." Esta carta foi entregue à viúva na mesma tarde. À noite Azevedo e Adelaide foram visitá-la. Não puderam dissuadi-la da idéia da viagem para a Corte. Emília usou mesmo de uma certa reserva para com Adelaide, que não pôde descobrir os motivos de semelhante procedimento, e retirou-se um tanto triste. No dia seguinte, com efeito, Emília e a tia aprontaram-se e saíram para voltar para a corte. Diogo ficou em Petrópolis ainda, cuidando em aprontar as malas... Não queria, dizia ele, que o público, vendo-o partir em companhia das duas senhoras, supusesse coisas desairosas à viúva. Todos estes passos admiravam Adelaide, que, como disse, via na insistência de Emília e nos seus modos reservados um segredo que não compreendia. Quereria ela por aquele meio de viagem atrair Tito? Nesse caso era cálculo errado; visto que o rapaz, naquele dia como nos outros, acordou tarde e almoçou alegremente. - Sabe, disse Adelaide, que a esta hora deve ter partido para a cidade a nossa amiga Emília? - Já tinha ouvido dizer. - Por que será? - Ah! isso é que eu não sei. Altos segredos do espírito de mulher! Por que sopra hoje a brisa deste lado e não daquele? Interessa-me tanto saber uma coisa como outra. No fim do almoço Tito, como quase sempre, retirou-se para ler durante duas horas. Adelaide ia dar algumas ordens quando viu com pasmo entrar-lhe em casa a viúva, acompanhada de um criado. - Ah! não partiste? disse Adelaide correndo a abraçá-la. - Não me vês aqui? O criado saiu a um sinal de Emília. - Mas que há? perguntou a mulher de Azevedo, vendo os modos estranhos da viúva. - Que há? disse esta. Há o que não prevíamos... És quase minha irmã... posso falar francamente. Ninguém nos ouve? - Ernesto está fora e o Tito lá em cima. Mas que ar é esse? - Adelaide! disse Emília com os olhos rasos de lágrimas, eu o amo! - Que me dizes? - Isto mesmo. Amo-o doidamente, perdidamente, completamente. Procurei até agora vencer esta paixão, mas não pude; e quando, por vãos preconceitos, tratava de ocultar-lhe o estado do meu coração, não pude, as palavras saíram-me dos lábios insensivelmente... - Mas como se deu isto? - Eu sei! Parece que foi castigo; quis fazer fogo e queimei-me nas mesmas chamas. Ah! não é de hoje que me sinto assim. Desde que os seus desdéns em nada cederam, comecei a sentir não sei o quê; ao princípio despeito, depois um desejo de triunfar, depois uma ambição de ceder tudo, contanto que tudo ganhasse; afinal não fui senhora de mim. Era eu quem me sentia doidamente apaixonada e lho manifestava, por gestos, por palavras, por tudo; e mais crescia nele a indiferença, mais crescia o amor em mim. - Mas estás falando sério? - Olha antes para mim. - Quem pensara?... - A mim própria parece impossível; porém é mais que verdade... - E ele?... - Ele disse-me quatro palavras indiferentes, nem sei o que foi, e retirou-se. - Resistirá? - Não sei. - Se eu adivinhara isto não te insinuaria naquela malfadada idéia. 95 - Não me compreendeste. Cuidas que eu deploro o que acontece? Oh! não! Sinto-me feliz, sinto-me orgulhosa... É um destes amores que brotam por si para encher a alma de satisfação: devo antes abençoar-te... - É uma verdadeira paixão... Mas acreditas impossível a conversão dele? - Não sei; mas seja ou não impossível, não é a conversão que eu peço; basta-me que seja menos indiferente e mais compassivo. - Mas que pretendes fazer? perguntou Adelaide sentindo que as lágrimas também lhe rebentavam dos olhos. Houve alguns instantes de silêncio. - Mas o que tu não sabes, continuou Emília, é que ele não é para mim um simples estranho. Já o conhecia antes de casada. Foi ele quem me pediu em casamento antes de Rafael... - Ah! - Sabias? - Ele já me havia contado a história, mas não nomeara a santa. Eras tu? - Era eu. Ambos nos conhecíamos, sem dizermos nada um ao outro... - Por quê? A resposta a esta pergunta foi dada pelo próprio Tito, que assomara à porta do interior. Tendo visto entrar a viúva de uma das janelas, Tito desceu abaixo a ouvir a conversa dela com Adelaide. A estranheza que lhe causava a volta inesperada de Emília podia desculpar a indiscrição do rapaz. - Por quê? repetiu ele. É o que lhes vou dizer. - Mas antes de tudo, disse Adelaide, não sei se sabe que uma indiferença, tão completa, como a sua, pode ser fatal a quem lhe é menos indiferente? - Refere-se à sua amiga? perguntou Tito. Eu corto tudo com uma palavra. E voltando-se para Emília, disse, estendendo-lhe a mão: - Aceita a minha mão de esposo? Um grito de alegria suprema ia saindo do peito de Emília; mas não sei se um resto de orgulho, ou qualquer outro sentimento, converteu essa manifestação em uma simples palavra, que aliás foi pronunciada com lágrimas na voz: - Sim! disse ela. Tito beijou amorosamente a mão da viúva. Depois acrescentou: - Mas é preciso medir toda a minha generosidade; eu devia dizer: aceito a sua mão. Devia ou não devia? Sou um tanto original e gosto de fazer inversão em tudo. - Pois sim; mas de um ou de outro modo sou feliz. Contudo um remorso me surge na consciência. Dou-lhe uma felicidade tão completa como a que recebo? - Remorso? se é sujeita aos remorsos deve ter um, mas por motivo diverso. A senhora está passando neste momento pelas forcas caudinas. Fi-la sofrer, não? Ouvindo o que vou dizer concordará que eu já antes sofria, e muito mais. - Temos romance? perguntou Adelaide a Tito. - Realidade, minha senhora, respondeu Tito, e realidade em prosa. Um dia, há já alguns anos, tive eu a felicidade de ver uma senhora, e amei-a. O amor foi tanto mais indomável quanto que me nasceu de súbito. Era então mais ardente que hoje, não conhecia muito os usos do mundo. Resolvi declarar-lhe a minha paixão e pedi-la em casamento. Tive em resposta este bilhete... - Já sei, disse Emília. Essa senhora fui eu. Estou humilhada; perdão! - Meu amor lhe perdoa; nunca deixei de amá-la. Eu estava certo de encontrá-la um dia e procedi de modo a fazer-me o desejado. - Escreva isto e dirão que é um romance, disse alegremente Adelaide. - A vida não é outra coisa... acrescentou Tito. Daí a meia hora entrava Azevedo. Admirado da presença de Emília quando a supunha a rodar no trem de ferro, e mais admirado ainda das maneiras cordiais por que se tratavam Tito e Emília, o marido de Adelaide inquiriu a causa disso. - A causa é simples, respondeu Adelaide; Emília voltou porque vai casar-se com Tito. 96 Azevedo não se deu por satisfeito; explicaram-lhe tudo. - Percebo, disse ele. Tito não tendo alcançado nada caminhando em linha reta, procurou ver se alcançava caminhando por linha curva. Às vezes é o caminho mais curto. - Como agora, acrescentou Tito. Emília jantou em casa de Adelaide. À tarde apareceu ali o velho Diogo, que ia despedir-se porque devia partir para a Corte no dia seguinte de manhã. Grande foi a sua admiração quando viu a viúva. - Voltou? - É verdade, respondeu Emília rindo. - Pois eu ia partir, mas já não parto. Ah! recebi uma carta da Europa: foi o capitão da galera Macedônia que ma trouxe! Chegou o urso! - Pois vá fazer-lhe companhia, respondeu Tito. Diogo fez uma careta. Depois, como desejasse saber o motivo da súbita volta da viúva, esta explicou-lhe que se ia casar com Tito. Diogo não acreditou. - É ainda um laço, não? disse ele piscando os olhos. E não só não acreditou então, como não acreditou daí em diante, apesar de tudo. Daí a alguns dias partiram todos para a Corte. Diogo ainda se não convencia de nada. Mas, quando entrando um dia em casa de Emília viu a festa do noivado, o pobre velho não pôde negar a realidade e sofreu um forte abalo. Todavia, teve ainda coração para assistir às festas do noivado. Azevedo e a mulher serviram de testemunhas. "É preciso confessar, escrevia dois meses depois o feliz noivo ao esposo de Adelaide; - é preciso confessar que eu entrei num jogo arriscado. Podia perder; felizmente ganhei." 

Contos do Sábado na usina: Humberto de Campos:

 




O seringueiro V 
O sertão estava, então, todo seco, sem a sombra de arvoredo ou vestígio dágua, entre o sopé da Ibiapaba e a linha da Estrada de Ferro. Na quietude da tarde, João Lucrécio sentia isso. Ao fundo, no horizonte, a serra azulava, como se corresse para ele, tão perto lhe parecia, na atmosfera sem vapores. De um lado e de outro do caminho, os mofumbos e marmeleiros agrestes estavam reduzidos a talos comburidos, como um tabocal após a passagem do fogo. A noite caía lenta, envolvendo tudo, como um sudário imenso, lançado sobre a terra pela piedade divina. O céu, estrelado e baixo, parecia a cúpula enorme da tenda suntuosa de um poderoso rei oriental. As estrelas luziam tanto, e pareciam tão próximas, que iluminavam a estrada. Uma coruja começou a gargalhar à pequena distância, no galho em cruz de uma árvore morta. João Lucrécio persignou-se, arrepiado. Lembrou-se que nunca fizera isso no Amazonas, porque, por lá, mesmo nas horas de medo, nunca se lembrara de Deus. O cavalo e os burros resfolegavam, sopravam forte, quebrando a serenidade da noite. Grilos ziniam, insistentes. E ele, vivo, marchava, a passo, como um fantasma, pela tristeza dos caminhos mortos. 
Em certo momento divisou, porém, à margem da estrada, uma casa humilde, sem luz. Resolveu fazer alto ali, para continuar a viagem pela manhã. Aproximou-se tocando o cavalo na frente, puxando os muares pelo cabresto. 
- Ó, de casa! - chamou. 
A porta de madeira tosca abriu-se timidamente, e uma figura humana desenhou-se na meia escuridão. 
- Boa noite! - saudou o paraoara. 
- Deus lhe dê boa noite - respondeu uma voz de homem. 
- Seria possível, amigo, eu passar a noite aqui, para seguir de madrugada? 
- Se quiser, pode; mas, como o senhor sabe, por aqui não tem água nem p'ra bicho, nem p'ra gente. 
- Isso é o menos - atalhou João Lucrécio, apeando-se. - Eu trago ração de milho e uma borracha com água. O que eu quero é só licença para ficar. 
Meia hora depois, na salinha da casa pobre, ceava o paraoara o rancho comprado em Sobral: um pedaço de carne, farinha, um quilo de bolacha, uma lata de sardinha e uma garrafa de vinho. Ao lado dele, junto ao tamborete improvisado em mesa, o dono da casa um caboclo de 
musculatura forte, escaveirado, acompanhava-o na refeição, a que se associava a mulher, esquelética, em cujos olhos afundados nas órbitas luziam a dor e a fome. Em poucos instantes o pequeno farnel foi todo devorado. E como se sentissem, todos, por um momento, felizes, o seringueiro pôs-se a falar, com a indiscrição alegre da meia embriagues. 
- O senhor não é mesmo daqui.. - aventurou o dono da casa, atordoado também pelo vinho que aceitara dó hóspede, e que começava a atuar sobre a sua debilidade. 
- Não, senhor - informou o paraoara - Eu sou do Rio Grande do Norte. Vim por aqui para passear... Fui p'ra Amazonas e fui feliz. Ganhei um dinheirinho, e agora vim ver isto por aqui... 
Quero ver se compro alguma fazenda barata, lá para o pé da serra... 
E, jovial, por efeito do álcool, e, não menos, por vaidade, para escandalizar a miséria alheia: 
- Dinheiro é que não falta! 
E arrancou do bolso um forte maço de cédulas, capeado por duas de quinhentos mil réis, que passou às mãos trêmulas do sertanejo e da mulher, que as examinaram, piscando. 
Em seguida, os donos da casa armaram, mesmo na sala humilde, a rede do hóspede. Desejaram- lhe boa noite, e recolheram-se, pensativos, para o fundo da cabana. Voava-lhes no cérebro o bando agoureiro pensamentos sinistros, que nenhum dos tinha coragem de confessar ao outro.