quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Poesia de Quinta na Usina: Paulo Leminsk:

 




Ainda vão me matar numa rua. 
Quando descobrirem, principalmente,
que faço parte dessa gente que pensa que a rua
é a parte principal da cidade.

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Sou o que todos somos (orgulho e pó):



Posso ler seu pensamento

Mesmo antes de ser pensado

Posso ouvir a sua voz  

Mesmo que não tenha falado.

 

Sou o avesso da vida

Porém não sou a morte

Sou apenas o prêmio

Pela sua grande sorte.

 

Não sou bruxo, poeta 

Ou profeta mais pode ler seu desejo

Mesmo antes de ser desejado

Posso ler todo o seu passado.

 

Interagir no seu presente e

Até mudar o seu futuro

Posso tornar claro o caminho escuro

Vejo a noite como o dia,

Faço o dia virar noite

Transformo o sol em lua

Sou o tudo ou o nada

O começo e o fim de toda estrada.

 

Sou fogo sou água

O fim de suas grandes mágoas

Não sou o mau nem tão pouco o bem

Sou aquilo que lhe convém

 

A arma de sua morte.

O renascer de um novo dia

Sou o guia da sua sorte

Ou a sorte que não veio

O vento que não soprou

A vela que não acende  

O sonho que não se entende.

 

Sou a vida, sou morte, sou sorte

Sou tudo que queres ser

A mão que não se estende

A carne que não vende

A terra, sol ou lua

 

Sou a vontade sua crua ou nua.

Sou o que todos somos

Orgulho e pó...

Sexta na Usina: Poetas da Rede: Samuel da Costa: Simples xilografias:



Nas tuas triviais xilografias

Nas tuas vãs abstrações

Quasímodas

Eu não sou eu mesma

Eu sou outra coisa qualquer

Ao teu dispor

***

Nas tuas xilografias digitais

Eu sou um objeto inanimado

Qualquer

Eu não sou mais eu mesma

***

No frescor surreal

Da minha dourada alvorada rubra

Eu posso mergulhar

Os meus diáfanos pés descalços

Nas areias ebúrneas

De uma praia imaginativa

E os ventos alísios

Flainam o trigal dos meus cabelos

Nessa hora derradeira

Eu sou eu mesma

Por fim

Samuel da Costa

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Zona Morta:



 

Zona morta porta torta

Alma morta ou mesmo torta

Plantado feita horta.

Não importa a cor da porta.

 

Porta, do passado ou futuro.

Escuro, depois do murro

Que nos transporta para a zona morta

Que fica atrás da porta torta.

 

Corpo de gente mão sem luva

Dia sem chuva caminho sem curva

Água turva

Tempestade sem vento.

Apenas tento...

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Sabor amargo:



Amargo ao sabor do vento amargo

Amargo ao sabor do tempo amargo

Amargo ao sabor do nada amargo

Amargo ao sabor do tudo amargo

Amargo ao sabor da vida amarga

Amargo ao sabor do vinho amargo

Amargo ao sabor do amor amargo

Amargo ao sabor do sonho amargo

Amargo ao sabor do sim amargo

Amargo ao sabor do não amargo

Amargo ao sabor do véu amargo

Amargo ao sabor do fel amargo

Amargo ao seu amargo sabor...

Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis: MUSA DOS OLHOS VERDES:



Musa dos olhos verdes, musa alada,
Ó divina esperança, Consolo do ancião no extremo alento,
E sonho da criança;
Tu que junto do berço o infante cinges
C’os fúlgidos cabelos;
Tu que transformas em dourados sonhos
Sombrios pesadelos;

Tu que fazes pulsar o seio às virgens;
Tu que às mães carinhosas
Enches o brando, tépido regaço
Com delicadas rosas;

Casta filha do céu, virgem formosa
Do eterno devaneio,
Sê minha amante, os beijos meus recebe,
Acolhe-me em teu seio!
Já cansada de encher lânguidas flores

Com as lágrimas frias,
A noite vê surgir do oriente a aurora
Dourando as serranias.
Asas batendo à luz que as trevas rompe,
Piam noturnas aves,

E a floresta interrompe alegremente
Os seus silêncios graves.
Dentro de mim, a noite escura e fria
Melancólica chora;
Rompe estas sombras que o meu ser povoam;
Musa, sê tu a aurora!

Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis: RUÍNAS:



No hay pájaros en los nidos de antaño
Provérbio espanhol

Cobrem plantas sem flor crestados muros;
Range a porta anciã; o chão de pedra
Gemer parece aos pés do inquieto vate.
Ruína é tudo: a casa, a escada, o horto,
Sítios caros da infância.

Austera moça
Junto ao velho portão o vate aguarda;
Pendem-lhe as tranças soltas
Por sobre as roxas vestes.
Risos não tem, e em seu magoado gesto

Transluz não sei que dor oculta aos olhos;
— Dor que à face não vem, — medrosa e casta,
Íntima e funda; — e dos cerrados cílios
Se uma discreta muda
Lágrima cai, não murcha a flor do rosto;

O abatido poeta. Ei-los percorrem Com tardo 
passo os relembrados sítios, Ermos depois que a mão da fria morte
Tantas almas colhera. Desmaiavam,
Nos serros do poente,
As rosas do crepúsculo.
“Quem és? pergunta o vate; o sol que foge

No teu lânguido olhar um raio deixa;
— Raio quebrado e frio; — o vento agita Tímido 
e frouxo as tuas longas tranças. Conhecem-te estas pedras; 
das ruínas Alma errante pareces condenada
A contemplar teus insepultos ossos.
Conhecem-te estas árvores. E eu mesmo

Sinto não sei que vaga e amortecida
Lembrança de teu rosto.
Desceu de todo a noite,
Pelo espaço arrastando o manto escuro
Que a loura Vésper nos seus ombros castos,
Como um diamante, prende. Longas horas
Silenciosas correram. No outro dia,

Quando as vermelhas rosas do oriente
Ao já próximo sol a estrada ornavam
Das ruínas saíam lentamente
Duas pálidas sombras:
O poeta e a saudade.


Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis:

 




VÁRIA PRELÚDIO
....and of dreams
land of song.
Longfellow

Lembra-te a ingênua moça, imagem da poesia,
Que a André Roswein amou, e que implorava um dia,
Como infalível cura à sua mágoa estranha,
Uma simples jornada às terras da Alemanha.*
O poeta é assim: tem, para a dor e o tédio,
Um refúgio tranqüilo, um suave remédio.
És tu, casta poesia, ó terra pura e santa! 

Quando a alma padece, a lira exorta e canta;
E a musa que, sorrindo, os seus bálsamos verte,
Cada lágrima nossa em pérola converte.
Longe daquele asilo, o espírito se abate;
A existência parece um frívolo combate,
Um eterno ansiar por bens que o tempo leva,
Flor que resvala ao mar, luz que se esvai na treva,

Pelejas sem ardor, vitórias sem conquista!
Mas, quando o nosso olhar os páramos avista,
Onde o peito respira o ar sereno e agreste,
Transforma-se o viver. Então, à voz celeste,
Acalma-se a tristeza; a dor se abranda e cala;

Canta a alma e suspira; o amor vem resgatá-la;
O amor, gota de luz do olhar de Deus caída,
Rosa branca do céu, perfume, alento, vida.
Palpita o coração já crente, já desperto;
Povoa-se num dia o que era agro deserto;

Fala dentro de nós uma boca invisível;
Esquece-se o real e palpa-se o impossível.
A outra terra era má, o meu país é este;
Este o meu céu azul.
Se um dia padeceste

Aquela dor profunda, aquele ansiar sem termo
Que leva o tédio e a morte ao coração enfermo;
Se queres mão que enxugue as lágrimas austeras,
Se te apraz ir viver de eternas primaveras,
Ó alma de poeta, ó alma de harmonia,

Volve às terras da musa, às terras da poesia!
Tens, para atravessar a azul imensidade,

Duas asas do céu: a esperança e a saudade. 
Uma vem do passado, outra cai do futuro;
Com elas voa a alma e paira no éter puro,
Com elas vai curar a sua mágoa estranha.
A terra da poesia é a nossa Alemanha.


Poesia de Quinta na Usina: Paulo Leminsk:


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Poesia de Quinta na Usina: Paulo Leminsk:

 


de repente descobri não digo américa 
nem pólvora obra de tantos
conta perdida ficar na ponta dos pés 
além de nobre exercício a mais sábia 
medida para subir na vida