quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis: RUÍNAS:



No hay pájaros en los nidos de antaño
Provérbio espanhol

Cobrem plantas sem flor crestados muros;
Range a porta anciã; o chão de pedra
Gemer parece aos pés do inquieto vate.
Ruína é tudo: a casa, a escada, o horto,
Sítios caros da infância.

Austera moça
Junto ao velho portão o vate aguarda;
Pendem-lhe as tranças soltas
Por sobre as roxas vestes.
Risos não tem, e em seu magoado gesto

Transluz não sei que dor oculta aos olhos;
— Dor que à face não vem, — medrosa e casta,
Íntima e funda; — e dos cerrados cílios
Se uma discreta muda
Lágrima cai, não murcha a flor do rosto;

O abatido poeta. Ei-los percorrem Com tardo 
passo os relembrados sítios, Ermos depois que a mão da fria morte
Tantas almas colhera. Desmaiavam,
Nos serros do poente,
As rosas do crepúsculo.
“Quem és? pergunta o vate; o sol que foge

No teu lânguido olhar um raio deixa;
— Raio quebrado e frio; — o vento agita Tímido 
e frouxo as tuas longas tranças. Conhecem-te estas pedras; 
das ruínas Alma errante pareces condenada
A contemplar teus insepultos ossos.
Conhecem-te estas árvores. E eu mesmo

Sinto não sei que vaga e amortecida
Lembrança de teu rosto.
Desceu de todo a noite,
Pelo espaço arrastando o manto escuro
Que a loura Vésper nos seus ombros castos,
Como um diamante, prende. Longas horas
Silenciosas correram. No outro dia,

Quando as vermelhas rosas do oriente
Ao já próximo sol a estrada ornavam
Das ruínas saíam lentamente
Duas pálidas sombras:
O poeta e a saudade.


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