quarta-feira, 15 de julho de 2020

Poesia de quinta na Usina: D'Araújo: Fome:


O que é fome para você?

Fome é amar

E não ser correspondido

Suplicar e não ser atendido

 É correr e não chegar nunca

Ao destino desejado.

Fome é gritar e não ser ouvido

 É achar que é livre

Mas não poder gozar da liberdade

Ou não saber utilizá-la  

 Fome é sonhar um sonho falso

É viver sem laços e morrer no abraço

Ou sentir cansaço.

 Fome é acordar sozinho

E não ter caminho

Por onde seguir

 Fome é deitar no leito

E pensar a respeito

Da fome que há.

 Fome é ter comida

E não poder comer  

É chorar sem lágrimas

É gritar sem dor

 É sentir pavor de um dia

Ver que a fome

Está em tudo que há

E que não vai parar.

Fome é correr sem direção

É sofrer por uma grande paixão

Fome é justiça tardia

 É o cair do dia

Com agonia da fome que dá

Ao se lembrar

Da fome que há

E para você o que é fome?


Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: O grito:



Então nós não vamos fazer nada.
A truculência vencendo o bom censo.
A violência estampada na cara
De cada um de nós.

Até quando vão tombar,
Manoel, João e Joaquim?
Até quando os eleitos vão ficar
Trancados em seus palacetes
A ignorar a realidade que os cercam.

Até quando vamos blindar nossas fortalezas
Enquanto os filhos da corrupção em seus barracões
Tramam mais uma ação?

Será que todos eles vão fechar os olhos
E entupir os próprios ouvidos
Com os dólares da nação
Enquanto mais um nos semáforos da vida
Estende-nos a mão.

E todos nós com aquele olhar superior não Chegamos 
a enxergar sequer a dor daquele que não vê amor
E sim a dor do abandono.

Até quando vamos assistir
A meia dúzia de hipócritas
Levar o sonho de nossas crianças
Pelo ralo do poder?

E todos nós tendo que nos esconder de nós mesmos.
Até quando você vai ficar aí parado
Sem ter a coragem de sequer olhar pro lado?
Olhe, veja, fale grite, se faça ouvir, porque o futuro, e hoje é aqui.

Poesia de Quinta na Usina: Mário Quintana: PARA ELENA QUINTANA:


As coisas que não conseguem ser olvidadas continuam acontecendo. 
Sentimo-las como da primeira vez, sentimo-las fora do tempo, 
nesse mundo do sempre onde as datas não datam. Só no mundo 
do nunca existem lápides... Que importa se - depois de tudo 
- tenha ela partido, casado, mudado, sumido, esquecido, enganado, 
ou que quer que te haja feito, em suma? Tiveste uma parte da sua 
vida que foi só tua e, esta, ela jamais a poderá passar de ti para ninguém. 
Há bens inalienáveis, há certos momentos que, ao contrário do que pensas, 
fazem parte da tua vida presente e não do teu passado. 
E abrem-se no teu sorriso mesmo quando, deslembrado deles, 
estiveres sorrindo a outras coisas. 
Ah, nem queiras saber o quanto deves à ingrata criatura... 
A thing of beauty is a joy for ever 
- disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer.

Poesia de Quinta na Usina: Mário Quintana: Astrologia:




Minha estrela não é a de Belém:
A que, parada, aguarda o peregrino. Sem importar-se com qualquer destino
A minha estrela vai seguindo além...
- Meu Deus, o que é que esse menino tem? já suspeitavam desde eu pequenino.
O que eu tenho? É uma estrela em desatino... E nos desentendemos muito bem!
E quando tudo parecia a esmo
E nesses descaminhos me perdia Encontrei muitas vezes a mim mesmo... 
Eu temo é uma traição do instinto
Que me liberte, por acaso, um dia Deste velho e encantado Labirinto.


Poesia de Quinta Na Usina: cruz Sousa: SONETO: (O desembarque de Julieta dos Santos):


Chegou enfim, e o desembarque dela Causou-me 
logo uma impressão divina!
É meiga, pura como sã bonina, 
Nos olhos vivos doce luz revela! 
É graciosa, sacudida e bela, 
Não tem os gestos de qualquer menina: 
Parece um gênio que seduz, fascina, 
Tão atraente, singular é ela! 
Chegou, enfim! eu murmurei contente! 
Fez-se em minh’alma purpurina aurora, 
O entusiasmo me brotou fervente! 
Vimos-lhe apenas a construção sonora, 
Vimos a larva, nada mais, somente 
Falta-nos ver a borboleta agora!

Poesia de Quinta na Usina: Cruz Sousa: JULIETA DOS SANTOS:




Tu passas rutilante em toda a parte
Oh! sol de nossa pátria, oh! sol da arte!...
Virgílio Várzea
Quando eu te vi pela primeira vez no palco
Avassalando as almas,
N'um referver de palmas,
Cheia de vida e cândido lirismo!
Senti na mente uns divinais tremores...
E louco e louco,
A pouco e pouco
Vi rebentar o inferno cataclismo!...
Mil pensamentos galoparam, céleres
Por minha fronte
E do horizonte
Quis arrancar os astros diamantinos,
Para arrojá-los a teus pés mimosos
E arrebatado,
Fanatizado
Por entre um mar de cintilantes hinos!...
Esse teu busto, a genial cabeça Tão bem talhada E burilada
Com o escopro límpido da arte, Tem umas puras fulgurações suaves E a tu'alma
Ardente ou calma
Os corações arrasta por toda a parte!...
A encarnação tu és das maravilhas, A doce aurora,
Branda e sonora
Das teatrais e lúcidas idéias!...
Tens no olhar o filtro que arrebata E és profética
E magnética,
Possuis na voz o som das melopéias!...
És a escolhida para as grandes lutas Esplendorosas
E majestosas!...
E sobre os débeis, delicados ombros, Bem como Homero a sua lira d'ouro, Resplandecente,
Trazes pendente
O Infinito enorme dos assombros!...
Quando apareces tudo ri e chora, Se endeusa, agita,
Como que palpita
N'uma explosão de férvidos louvores!. E o potentado mais febril da terra Gagueja um bravo,
E faz-se escravo
O mais severo e nobre dos senhores!...
A Dejaset, uma Favart, Rachel, O João Caetano
Como um arcano Imperscrutável, hórrido, terrível!...
Quebram as louças sepulcrais e frias E te louvando
Vão recuando...
Dizem que é sonho, é mito, é impossível!
Oh! tu nasceste para suplantar, JULIETA Os grandes mundos,
Os mais profundos D'ess'arte bela, magistral, divina!...
E esse olhar tão expressivo e terno Já eletriza
E cauteriza...
É como um raio que a corações fulmina!...
Que sol é este, vão bradando os pólos, Tão sobranceiro,
Que o brasileiro
O vasto império confundindo está?!...
Venham teólogos, venham sábios... todos Venham troianos,
Venham germanos, Venham os vultos da Caldéia, lá!...
Oh! resolvei o mais atroz problema, Fundo mistério,
Alto, sidéreo
Do gênio altivo na criança, ali!...
Vamos, natura, rasga o véu dos medos, Dizei ó mares,
Falai luares,
Sombras dos bosques, respondei-me aqui!...
Astros da noite, tempestades, ventos Erguei as vozes,
Falai velozes
N’um som estranho, n’um clangor audaz!...
E respondei -me e explicai ao orbe Se essa menina,
Que nos fascina
É um fenômeno ou outro tanto mais!...
Tudo emudece na natura imensa E desde os Andes,
Dos cedros grandes
Ao verme, à pedra, às amplidões do mar!...
Tudo se oculta na invisível raia No espaço a bruma,
No mar a espuma
Vão-se esgarçando também, a se ocultar!...
Tudo emudece na natura imensa Quando na cena
Surges serena
Como a visão das noites infantis! Dos olhos vivos dos que são-te adeptos
Bem como prata
Eis se desata
A aluvião de lágrimas febris!...
É que tu tens esse poder superno Real, sublime
Que até ao crime
Faz arrastar o mísero mortal!
É que tu és a embrionária horrível, Mística, ingente
Que de repente
Fazes de um ser estúpido animal!...
Tudo emudece na natura imensa Desde nos campos
Os pirilampos
Até as grimpas colossais do céu!...
Tudo emudece e até eu JULIETA, Já delirante
Vou vacilante
Cair-te aos pés como um servil, um réu!!...