quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Poesia de quinta na Usina: A rua, a praça e a garça:



A Rua a praça e a garça
Qual seriam a graça de uma rua ou praça
Sem a presença das garças.

Oh! Pobre sonhador.
Onde já se viu garças na praça.
Mas qual seria a graça da garça na praça.

Então porque a rua?
Seria ela o caminho da garça
Ou talvez o caminho da praça?
Qual seria a graça de uma rua sem praça.

Porque será que só eu vejo
A graça que tem a garça na praça
Ou será só a rua que passa pela praça
É que vê a graça da garça na praça.
Ora, a rua a garça e a praça
Todas têm lá sua graça.

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Quase eterno:


Como posso ladear teus passos 
Possuir teus beijos,
Cartear teus sonhos, sentir tua voz,
Ouvir teu cheiro,
Corromper meus desejos,

Despir sua alma, falar teu corpo
Pintar seu rosto em uma tela de cores
Incertas como meu coração em festa.

Sentir o calor dos doces ventos
Que nos sopram
Ouvidos da calma, e no cair da noite
Sentir o açoite do prazer
Quase eterno
De ter você de corpo inteiro
No meu pequeno porto de prazer.

Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis: VÁRIA PRELÚDIO:


Lembra-te a ingênua moça, imagem da poesia, 
Que a André Roswein amou, e que implorava um dia, 
Como infalível cura à sua mágoa estranha, Uma simples 
jornada às terras da Alemanha.* O poeta é assim: tem, 
para a dor e o tédio, Um refúgio tranqüilo, um suave remédio. És tu, 
casta poesia, ó terra pura e santa! Quando a alma padece, 
a lira exorta e canta; E a musa que, sorrindo, 
os seus bálsamos verte, Cada lágrima nossa em pérola converte.

Longe daquele asilo, o espírito se abate; 
A existência parece um frívolo combate, 
Um eterno ansiar por bens que o tempo leva, 
Flor que resvala ao mar, luz que se esvai na treva, 
Pelejas sem ardor, vitórias sem conquista! Mas,
 quando o nosso olhar os páramos avista, 
Onde o peito respira o ar sereno e agreste, 
Transforma-se o viver. Então, à voz celeste, 

Acalma-se a tristeza; a dor se abranda e cala; 
a alma e suspira; o amor vem resgatá-la; 
O amor, gota de luz do olhar de Deus caída, 
Rosa branca do céu, perfume, alento, vida. 
Palpita o coração já crente, já desperto; 
Povoa-se num dia o que era agro deserto; 
Fala dentro de nós uma boca invisível; 
Esquece-se o real e palpa-se o impossível. 
A outra terra era má, o meu país é este; 
Este o meu céu azul. Se um dia padeceste 
Aquela dor profunda, aquele ansiar sem termo 
Que leva o tédio e a morte ao coração enfermo; 
Se queres mão que enxugue as lágrimas austeras, 
Se te apraz ir viver de eternas primaveras, 
Ó alma de poeta, ó alma de harmonia,

Volve às terras da musa, às terras da poesia!
Tens, para atravessar a azul imensidade, 
Duas asas do céu: a esperança e a saudade. 
Uma vem do passado, outra cai do futuro; 
Com elas voa a alma e paira no éter puro, 
Com elas vai curar a sua mágoa estranha.
A terra da poesia é a nossa Alemanha.

Poesia de quinta na Usina: Fernando Pessoa: Vaga, no azul amplo solta:


Vaga, no azul amplo solta, Vai uma nuvem errando.

O meu passado não volta. Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente. Entra mais na alma da alma.

Mas como, no céu sem gente, A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza E a lembrança é que entristece,

Dou à saudade a riqueza De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora Na minha amarga ansiedade

Mais alto que a nuvem mora, Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto À alma que o saiba bem.

Visto da dor com que minto Dor que a minha alma tem.

Poesia de Quinta na Usina: Eloy Sánchez Rosillo: TEM VIVIDO:

 


Viver neste mundo maravilhoso
inspira confiança. Quem, com uma
certa experiência de vida, dirá
que tudo foi uma farsa? Se você ouviu
o pintassilgo cantar quando criança,
se tocou a luz, se conheceu
amor e dor, viu a lua,

uma árvore lhe deu sua sombra , caminhou
sozinho ou com alguém à beira-mar ou rio,
sabe muito bem que A vida é verdadeira
e que somos um mistério, que
tudo o que existe, ou é, ou existirá , é um mistério .


Além disso, que você se encontra aqui e que um dia
- um dia milagroso como todos os
outros - eles dizem que você saiu e
sua música ainda é ouvida à distância.

Poesia de Quinta na Usina: Eloy Sánchez Rosillo: BALADA DE UMA MEMÓRIA VIVA:

 



Eu era o dono do mundo,
porque alguns olhos jovens, seus,
apaixonados, olhavam para mim.
Foi na juventude:
belos dias ensolarados e noites enluaradas.

Quando penso em você, ainda ouço
as palavras trêmulas que você costumava me dizer
quando o amor falava comigo pela sua boca.
E vislumbro ao longe
seu sorriso confiante, que por minha causa, às vezes, se
transformava em lágrimas.

É uma coisa do passado quase a vida inteira.
Tomar muito não é um alívio
se o presente der à nossa sede um copo
cheio apenas de melancolia.

E que dor doce sua memória,
que indigência piedosa.