quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Acorde:


Porque você vai continuar aí sentado?
Acorde levante-se. Corra!
O mundo está esperando por você para ser salvo.
Pule, grite se faça ouvir.
Porque o mundo só muda se você mudar.

Outros povos não podem te ver.
Mas poderão te ouvir se você não desistir.
Não fale aos que te ouvem
Mas sim, para aqueles que fingem ser surdos.

Vamos, mostre as verdades do mundo.
Para aqueles que fingem ser cegos.

Acorde!
Hoje temos mais uma manhã de primavera
E continuamos a sua espera.
Vamos juntos salvar o mundo da hipocrisia
Da falta de alegria e gritar heresias.

Para enlouquecer aqueles que em seus
Palacetes de Mármore,
Tão frios quanto os seus sentimentos
Ignoram nossa existência.

Vamos acorde, antes que a eternidade nos leve
Em seus Navios dos acomodados.
Vamos todos somos Soldados
Juntos irão salvar a humanidade
Deste Planeta que nos resta.

Então faremos a nossa festa.
Com toda esperança que nos resta.
Vamos irmãos não temos o que temer.
Pois a eternidade dos sonhos nos espera.
E sempre haverá uma nova Primavera à nossa espera.


Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: O tempo:



O tempo que muda o tempo todo.
Todo o tempo muda todos
Com a precisão do tempo.
Todos querem mudar o tempo
Sem perceber que o tempo
Não tem tempo de esperar um tempo.

Eu tenho o tempo
Que o tempo me dá de tempo.
Fugindo do tempo, não tenho eu tempo
Para saber o tempo que me resta.

Vivemos e morremos o tempo todo.
Afinal é o passar do tempo
Que nos tira o tempo que nos resta.
Desculpe, preciso de tempo

Para refletir sobre como recuperar o tempo.
Pois andei perdendo tempo,
Tentando ganhar tempo,
Para não mais perder meu tempo,
O tempo todo.

 

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Fui, sou ou serei:



Sendo o que sou
Diante do que me poderia ser
Mas não sendo.
E ao mesmo tempo sendo o que fui
Mas que talvez não pudesse ter sido.

Traz-me o desejo de saber
O que seria se eu não fosse.
Assim sendo, serei sempre o que fui o 
Que sou e o que poderei ser.
Com a certeza do ontem, 
o viver do hoje e a possibilidade do amanhã.



Poesia de Quinta na Usina: Mário Quintana: A MANEIRA DE DIRCEU :


Eis que um dia na mata se banhava Cupido... 
e estava nu, inteiramente, Pois que deixara à margem da corrente 
O arco terrível e a repleta aljava.
Marília que, às ocultas, o espreitava Só aguarda ocasião... 
E, de repente As armas furta sorrateiramente.
Enquanto o deus as costas lhe voltava. Surgem então as fauces escarninhas 
Dos silvanos e sátiros astutos.
Põem-se a vaiar o Amor, sem mais cautelas
- Ah! Temíeis as frechas quando minhas! (E o deus sorri) 
Vereis agora, ó brutos. O que Marília há de fazer com elas! (1942)


Poesia de Quinta na Usina: Mário Quintana: Reincidência:



Não, não pude mais com essas cantigas que nos davam um mórbido prazer!
Cansei-me de cantá-las - bom que o diga - para a minha Princesa adormecer...
Me cansei de guardar cartas antigas que só faziam amarelecer...
E as palavras tão doces, tão amigas,
numa bela fogueira as fiz arder.
À sua voz fechei os meus ouvidos. Mas esqueci-me de fechar os olhos... 
E assim, não eram dias decorridos, comecei a servir outros sete anos
e a plantar, entre cardos e entre abrolhos, mais um lindo jardim de desenganos!

 

Poesia de Quinta na Usina: Mário Quintana: Soneto póstumo:


- Boa tarde... - Boa tarde! - E a doce amiga E eu, de novo, 
lado a lado vamos! Mas há um não sei quê, que nos intriga:
Parece que um ao outro procuramos... E, 
por piedade ou gratidão, tentamos Representar de novo a história antiga.
Mas vem-me a idéia... nem sei como a diga... 
Que fomos outros que nos encontramos!
Não há remédio: é separar-nos, pois.
E as nossas mãos amigas se estenderam:
- Até breve! - Até breve! - E, com espanto 
Ficamos a pensar nos outros dois.
Aqueles dois que há tanto já morreram... 
E que, um dia, se quiseram tanto!
(junho de 1952)







Poesia de Quinta na Usina: Cruz Sousa: DORMINDO...:



Pálida, bela, escultural, clorótica Sobre o divã suavíssimo deitada, 
Ela lembrava — a pálpebra cerrada — Uma ilusão esplêndida de ótica.
A peregrina carnação das formas,
— O sensual e límpido contorno, Tinham esse quê de avérnico e de morno, 
Davam a Zola as mais corretas normas!...
Ela dormia como a Vênus casta E a negra coma aveludada e basta 
Lhe resvalava sobre o doce flanco...
Enquanto o luar — pela janela aberta —
— Como uma vaga exclamação — incerta Entrava a flux 
— cascateado — branco!!...


Poesia de Quinta na Usina: Cruz Sousa: APÓS O NOIVADO:


Em flácido divã ela resvala
Na alcova — bem feliz, alegremente,
E o fresco penteador alvinitente,
De nardo e benjoim o aroma exala.
E o noivo todo amor, assim lhe fala,
Por entre vibrações do olhar ardente:
Pertences-me afinal, pomba dormente,
Parece que a razão de gozo, estala.
Mas eis — corre-se então nívea cortina;
E a plácida, a ideal, a branca lua
Derrama nos vergéis a luz divina...
Depois... Oh! Musa audaz, ousada, e nua, 
Não rompas esse véu de gaze fina
Que encerra um madrigal — Vamos... recua!...


Poesia de Quinta na Usina: Cruz Sousa: NA MAZURKA:




Morava num palácio — estranha Babilônia De arcadas colossais, 

de impávidos zimbórios, Alcovas de damasco e torreões marmóreos, 

Volutas primorais de arquitetura jônia.
Assim, quando surgia em meio aos peristilos Descendo, qual mulher de Séfora, 

vaidosa, Envolta em ouropéis, em sedas, luxuosa, Cercavam-na do belo os místicos sigilos!
E quando nos saraus, assim como um rainúnculo, O lábio lhe tremia e o olhar, vivo carbúnculo, Vibrava nos salões, como uma adaga turca,
Ou como o sol em cheio e rubro sobre o Bósforo,
— Nos crânios os Homens sentiam ter mais fósforo...
Ao vê-la escultural no passo da Mazurka...