domingo, 17 de julho de 2022

Crônicas de segunda na Usina: Erça de Queiroz: XIV Londres, 28 de Março [de 1878]:



Lord Derby, e com ele toda a Inglaterra, acaba de fazer uma descoberta imensa: Lord Derby descobriu a Grécia. Desde a renovação da questão do Oriente, há dois anos, a Grécia, por um acordo tácito das potências, e com grande alegria da Rússia, tinha sido mantida numa imobilidade obrigatória, nos últimos planos, sem que ninguém parecesse reconhecer a justiça dos seus direitos, ou pensar na utilidade da sua intervenção. Todas as províncias sujeitas à Porta e todos os estados tributários tinham sido autorizados ou chamados a cooperar, pela insurreição ou pela guerra aberta, na destruição do poder otomano. A Rússia tinha ajudado a Sérvia, animado e lisonjeado o Montenegro, e especialmente apelado para a România: todos estes principados cristãos deviam naturalmente, em justificação do seu patriotismo e em demonstração da sua fé, ajudar a grande cruzada da libertação dos cristãos empreendida pelo czar. Acontece, porém, que a Grécia tinha províncias suas, pela religião e pela raça, sob o domínio turco, e ninguém parecia desejar que ela tentasse pelos seus correligionários o que estavam tentando os principados. E todavia o Epiro, a Tessália, a Macedónia, são províncias gregas e cristãs, que a Porta explora e tiraniza, como a Bulgária ou como a Bósnia. Para libertar as suas populações, em idênticas condições, a Sérvia, o Montenegro, a România, tinham tomado as armas com admiração da Europa, e apenas alguns vagos protestos platónicos rosnados em surdina pela Áustria. Mas apenas a Grécia mostrou um desejo de libertar as suas províncias os protestos vieram de todas as partes, muito precisos, muito impacientes: a Rússia ficou indignada, a Áustria descontente, a Inglaterra nervosa. Às primeiras veleidades belicosas do ministério de Atenas todos os representantes das potências, com uma rara uniformidade, correram a impor-lhe uma inacção forçada. Quando o Governo grego, arrastado pela pressão iniludível do sentimento popular, fez mobilizar o pequeno exército grego, as grandes potências ameaçaram-na claramente de a deixar exposta as vinganças da Porta, e de não impedir o bombardeamento do Pireu pela esquadra de Hobbart Paxá. Quando num momento de impulso patriótico o Governo grego, indiferente às advertências da Europa, ou não as julgando sinceras e apenas pró-forma, fez avançar tropas na Tessália, as potências obrigaram-na, quase sob pressão de um ultimato, a fazer retroceder o exército e dar explicações ao sultão. A Grécia roeu o seu freio e limitou-se a manter na Tessália e no Epiro uma pequena insurreição inflama-tória, para não deixar morrer o fogo patriótico e para dar ocupação aos temperamentos mais exaltados. Mal sabia a Grécia, tão descontente então, que estava nas vésperas de ser chamada pela Inglaterra a representar um grande papel na questão do Oriente; ou, se o sabia, com a sua finura habitual esperava, fazendo um rosto triste que iludiu os mais astutos, a ocorrência gloriosa. Ela não tardou a aparecer sob a forma da proposta de Lord Derby na sua grande campanha diplomática. Opor ao pan-eslavismo o helenismo é sem dúvida um belo pensamento, e a oposição impaciente e quase rancorosa que a Rússia fez à proposta inglesa mostra, só por si, como ela julgou a grande obra eslava profundamente ameaçada pela aparição em cena deste novo factor, a Grécia. Lord Derby jogou uma brilhante carta: fazer entrar a Grécia no congresso, mesmo sem voto, era ipso facto levantar no congresso a questão grega: a Rússia, mesmo a seu pesar, não poderia opor-se a que a sua obra de libertação fosse completada, restituindo-se à Grécia a Macedónia, a Tessália e o Epiro, Creta, etc. Quem se bateu para libertar os cristãos da Bulgária não pode opor-se a que se libertem os cristãos das outras províncias. Com estes novos territórios, tão férteis, a Grécia ganha uma força inesperada e torna-se uma potência forte. Os cristãos do ex-Império Turco vêem-se assim colocados entre a influência de dois países da sua religião: mas um, a Rússia, despótico e opressivo – outro, a Grécia, constitucional e liberal; um puramente militar, outro exclusivamente comercial; um pensando em conquistar, o outro em enriquecer. E naturalmente as simpatias dos cristãos irão para a Grécia; esta anexação moral de simpatias transformar-se-á mais tarde em anexação material de territórios. A Bulgária cristã do rito grego penderia fatalmente para a Grécia. Que daqui a anos reapareça a questão do Oriente sob a forma mais resumida e mais directa de saber a quem em definitivo deve pertencer Constantinopla – e apresenta-se uma solução natural, pacifica, que é não deixar Constantinopla nem aos Russos nem aos Ingleses, e dá-la simplesmente aos Gregos, seus donos por direito histórico. E aqui temos um forte império helénico, fazendo barreira as tendências invasoras do império eslavo. Esta solução não poderia levantar oposição no povo russo, porque o seu interesse na questão do Oriente é todo de religião. E que maior satisfação que ver os gregos em Constantinopla e Santa Sofia catedral do rito grego? O povo na Rússia não é pan-eslavista; o pan-eslavismo é um fanatismo puramente militar do estado-maior e de alguns oficiais exaltados: o povo o que deseja é mais pão, menos tributo, uma constituição talvez (e isto os mais ilustrados), e que os seus correligionários não estejam sob o domínio odiado do Turco: que a cruz grega volte a dominar nas mesquitas de Constantinopla, e todas as aspirações do povo russo, em matéria de política externa, estão amplamente realizadas. Por seu lado, a Áustria não poderia senão felicitar-se de ver junto às suas fronteiras um reino helénico: as suas províncias eslavas não correm risco de tender então a unir-se .ao império eslavo, o que seria inevitável se em lugar dos Gregos fossem os Russos que se viessem estabelecer junto dela. A Hungria, para quem o ódio do pan-eslavismo é uma tradição sagrada, veria com prazer os Gregos em Constantinopla. A Alemanha não poderia opor-se a uma combinação que impede a Rússia, sua aliada presente e sua inimiga provável, de se estender até ao Mediterrâneo. As potências ocidentais regozijar-se-iam de ver dominar nos Dardanelos uma nação comercial, que não impediria, como a Rússia, o tráfico do mar Negro, antes o facilitaria. E a Inglaterra, tendo feito o império helénico, obtinha o resultado mais agradável e mais seguro; não podendo ela mesmo estabelecer-se nos Dardanelos, colocava lá uma potência amiga e aliada, sua própria obra, governada por uma imitação da sua constituição, reconhecida ao benfeitor, facilmente dominável no caso de ingratidão, sem ambições na Índia, nem interesses no canal de Suez, e que seria no Oriente uma espécie de seu mordomo. A oposição, portanto, só pode vir do czar, da corte e do partido militar na Rússia. Para esses, o estabelecimento de um império grego é a destruição das suas ambições, do seu ideal político e histórico, do que eles chamam a sua missão; seria além disso uma diminuição considerável na autoridade do czar; hoje o imperador é papa; mas que amanhã o patriarca do rito grego se estabeleça em Constantinopla, capital do império Grego, e o sacerdócio moscovita, em breve o povo mesmo, o reconhecerá como seu chefe espiritual. Portanto, o czar vai opor-se à entrada da Grécia no congresso com todas as obstinações, todas as manhas, todos os equívocos, todos os subterfúgios que constituem a perigosa ciência dos diplomatas russos; se assim não obtiver o seu fim, embrulhará a questão de modo que o congresso se não reúna; e em último caso apelará para as armas, porque prefere uma nova guerra, mesmo no estado de fraqueza e de pobreza das suas finanças, a consentir que se agite sequer a questão do império helénico. Por isso eu penso que a resposta de Lord Derby, hábil, racional, útil, é no fim o meio de apressar a crise e de trazer a Inglaterra e a Rússia a um conflito; e ainda que se dêem outras razões de rompimento, no fundo, se a Rússia tira de novo a espada um dos seus fins será impedir uma extensão de território da Grécia, núcleo e base de um império helénico. Mas reunir-se-á esse famoso congresso? As probabilidades diminuem todos os dias: o que o adia hoje, e que talvez o impeça mais tarde, é aparentemente uma simples questão de forma; a Inglaterra pretende que o congresso tenha direito a discutir todos os artigos do tratado de paz russo-turco. A Rússia recusa esta larga liberdade de discussão. Para facilitar uma conciliação, a Inglaterra pede ao menos que a Rússia declare que todos os artigos do tratado estarão sujeitos a discussão, ainda que praticamente estabeleça que alguns não serão discutidos; a Rússia recusa a fazer mesmo esta declaração. Em tais condições, a Inglaterra não vai ao congresso. As razões de Lord Derby são óbvias: se os três imperadores estão de acordo, se a Áustria e a Alemanha estão decididas a aprovar o tratado, se o voto da Itália pertence, como é provável, igualmente à Rússia, que iria a Inglaterra fazer ao congresso? Pôr a sua assinatura num documento que fere os seus interesses? Fazer um simples protesto platónico, que seria como a confirmação pública da sua fraqueza e do seu isolamento? Mais vale, portanto, não ir ao congresso e tomar medidas decisivas para que, sejam quais forem as circunstâncias do futuro, os dois grandes interesses britânicos na Turquia europeia, Constantinopla e Galípoli, sejam conservados intactos e inatacados. Nestas recusas sucessivas da Rússia a toda a conciliação, vê-se bem a intenção que a domina: é impedir a reunião do congresso, com receio de que, além das objecções ao tratado, apareça a terrível questão helénica, sob a protecção da Inglaterra. E da parte da Inglaterra todo o esforço é fazer introduzir esta questão no congresso. A Grécia é, penso, neste momento um pomo de discórdia. E a questão do Oriente toma enfim uma fase mais clara e mais definida: em substituição ao Império Turco a Inglaterra quero estabelecimento de um império grego, que seja uma barreira histórico-militar contra a Rússia; a Rússia opõe-se com todas as suas forças a esta solução ajudada pelos dois imperadores seus aliados, que são movidos por simpatia de corte a corte, em desprezo dos seus verdadeiros interesses nacionais. Mas que fazem as duas outras grandes potências? A Itália hesita, a França cala-se. Se estas duas nações latinas se decidissem a ajudar a ideia inglesa, teríamos assim duas formidáveis coalizões em face uma da outra: de um lado, a Rússia, a Alemanha, a Áustria, espécie de Santa Aliança dos três imperadores autoritários; do outro, a Inglaterra, a França, a Itália, os três estados livres e democráticos: o Oriente contra o Ocidente: o Ocidente querendo o império helénico em substituição do Turco, e o Oriente querendo a partilha do Império Turco entre si, sendo a maior parte destinada a formar uma dependência moscovita. Não é improvável que a questão do Oriente, num certo tempo, tome estas formidáveis e dramáticas proporções. Mas serão os Gregos gente para constituir e formar um império? Até aqui os Gregos têm sido os mais absurdos políticos da Europa: o Governo de Atenas é uma farsa que About pintou, com muito espírito e muita verdade, como uma das grandes bambochatas constitucionais do século. As suas finanças são deploráveis. A sua administração uma balbúrdia. Mas a isto pode-se dizer que aos Gregos tem faltado uma oportunidade de revelar as suas qualidades industriosas, sagazes, activas, expansivas. O território que possuem é o mais árido e o mais estéril da Europa. Sem agricultura e sem indústria, as forças vitais emigram e vão levar a outras terras a sua perseverança e a sua habilidade. Os gregos mais ricos, mais prósperos, a alta burguesia grega que tem o capital e a iniciativa não está na Grécia; está em Londres, em Berlim, em Viena, em Frankfürt, em Constantinopla, em Sampetersburgo e em Paris. Dê-se-lhe um território fértil, uma cidade como Constantinopla que seja um grande entreposto de comercio, minas a explorar, uma frota de transporte, e não há dúvida que a habilidade comercial do grego, a mais fina raça do Levante, poderia constituir uma nação próspera. A política, a administração, as finanças, não seriam como agora governadas pelos intrigantes de Atenas, mas pelas verdadeiras capacidades gregas que neste momento estão espalhadas pela Europa à testa de grandes firmas comerciais e industriais. E lentamente a experiência da própria força, a responsabilidade de governar uma grande extensão de território, uma comunicação mais directa com a civilização ocidental, a necessidade de se organizarem para se fortalecerem, daria ao povo grego aquela seriedade política e aquela ciência social que fazem os países prósperos. Estão lembrados talvez do desastre sucedido há anos no navio inglês Captain, que de repente, por um tempo quase sereno, na baía de Biscaia, se voltou, como um simples caíque do Tejo, destruindo mais de quatrocentas vidas. Um desastre quase igual acaba de suceder a uma admirável fragata de guerra, a Eurídice, que voltava das Antilhas Inglesas com mais de trezentas pessoas a bordo. Ao avistar a praia de Inglaterra, a distância de tiro da ilha de Wight, navegando com todo o pano, é de repente apanhada por um furacão de neve, embrulhada, e em cinco minutos desaparece no fundo do mar, arrastando todas as vidas num furioso turbilhão de água. Apenas duas pessoas se salvaram. Uma tal catástrofe aterra pela quantidade de existências perdidas e pela facilidade com que foi produzida. Uma fragata de primeira ordem, que em tempo quase sereno navega a todo o pano, parece um maquinismo indestrutível ou, pelo menos, oferecendo uma resistência eficaz; pois bem, levanta-se um sopro de vento, embrulhase a vela e mergulha-a no fundo do mar, com a rapidez com que uma criança afunda com a mão um barquinho de cortiça numa bacia de água! O furacão de neve foi instantâneo e fugitivo como um sopro que apaga uma vela. As pessoas que passeavam na esplanada de Ventuar tinham visto a fragata passando a todo o pano, juntamente com um brigue e uma pequena escuna. De repente abate-se o turbilhão de neve de vendaval. A gente tem apenas tempo de segurar os chapéus e de se abafar nos paletós. Quando, passado o furacão, tornam a olhar para o mar, vêem apenas o brigue e a escuna, seguindo tranquilamente: a fragata tinha desaparecido. Nem a ponta de um mastro era visível: o mar, um pouco grosso, balançava-se tranquilamente e trezentas pessoas estavam agonizando debaixo de água. Que trezentos homens sãos, fortes e alegres, voltando ao país, à família, estejam à vista das suas casas; que passe um sopro de neve e que em alguns segundos os arroje para o fundo do mar, que o céu clareie e que o Sol imediatamente continue a brilhar, como se nada se tivesse passado – é lúgubre! Tinha escrito estas linhas, e ia falar-lhes de algumas curiosas novidades literárias e artísticas, quando notícias inesperadas e surpreendentes me forçaram a voltar de novo à política. Em primeiro lugar, a Rússia deu ontem a sua resposta definitiva à Inglaterra: não admite a livre discussão da totalidade ao tratado de paz e declara que, neste ponto, o seu interesse e a sua honra não lhe permitem nenhuma concessão. Portanto, o congresso não se reúne. Em segundo lugar, Lord Derby deu hoje a sua demissão. Esta demissão, tantas vezes anunciada e contradita em ocasiões em que oferecia uma certa lógica, veio quando parecia quase absolutamente impossível. Ninguém o sabia até ao momento em que, entrando ontem na Câmara dos Lordes, Lord Derby não se sentou no banco dos ministros e foi ocupar um lugar nos bancos da oposição. As suas explicações foram breves e feitas com uma solenidade triste: disse que até àquele dia estivera na mais estreita concordância de ideias com os seus colegas, mas que, tendo eles tomado ultimamente resoluções que lhe pareciam contrárias aos interesses do país, ele vira-se forçado, com mágoa, a separar-se dos seus colegas. Estas palavras causaram na Câmara uma inquietação extrema: que resoluções eram essas? Se Lord Derby, que fora no gabinete o sustentáculo da paz, se retirava, é que essas resoluções que o tornavam incompatível com os seus amigos tinham o carácter de um principio da guerra. Que seria? Estaria a esquadra em Constantinopla? Ter-se-ia tomado Galípoli? Lord Beaconsfield, erguendo-se, pôs um termo às incertezas: começou por fazer o que se poderia chamar a oração fúnebre de Lord Derby: falou na amizade que durante trinta anos de vida pública o ligara a Lord Derby e que ele considerava uma das felicidades e honras da sua carreira; fez, com traços à romancista, como romancista que é, o retrato moral de Lord Derby; e as suas palavras demonstravam uma mágoa tão grave daquela separação e uma estima tão elevada pelo estadista que Lord Derby, sob uma emoção irreprimível, pôs as mãos sobre o rosto e soluçou. A Câmara, impressionada, assustada, não sabia se aquelas lágrimas eram pela perda dos seus amigos, se pelas desgraças que antevia ao seu país. Enfim, Lord Beaconsfield declarou que a resolução tomada e que tinha determinado a demissão de Lord Derby fora a chamada às armas dos corpos de reserva. Desapontamento geral! O quê? Por uma simples medida preventiva, Lord Derby, o chefe da mais ilustre casa tory, separava-se dos tories? E que falta de lógica! Não fora Lord Derby que pelas suas exigências, aliás justificadas, fizera abortar o congresso? Podia ele pois reprovar que o Governo tomasse as precauções que exigiam logicamente os interesses ingleses desde que o congresso falhara? Constituído de boa ou má fé, o congresso era o único meio de trazer uma solução pacífica às questões pendentes, que, tendo ela falhado, só podem ser decididas pelas armas. Como é que Lord Derby, depois de ter pela sua política desarranjado essa solução pacífica, se opõe a que se adoptem prevenções para o caso do conflito armado? A Inglaterra só podia defender os seus interesses ou com razões no congresso ou com canhões no campo de batalha: Lord Derby não quer ir ao congresso das razões e zanga-se porque o Governo, em consequência disso, se prepara a carregar as peças. Por que modo pretende ele então defender os interesses britânicos, de que ele há três anos é o porta-voz e o arauto? Nem pelo direito, nem pela força. Como então? Lord Derby é um homem muito prático para cair numa tal inconsequência. Nem é de supor que vendo diante de si a crise que ele provocou, com razão, pela sua política queira fugir, por timidez e excesso de temperamento pacifico, às responsabilidades que ela traz. Há portanto outra coisa: isto é, a simples chamada da reserva não é toda a razão da demissão de Lord Derby. Se ele se separa dos seus colegas, é porque os seus colegas decerto decidiram alguma outra coisa, bem mais definitiva que uma simples precaução. O quê? That is the question. É o que se saberá dentro de dias. En attendant, o esquema do congresso, do império helénico, etc., todas as belas concepções diplomáticas e geográficas de Lord Derby estão perdidas, ficam nos cartões do Foreign Office. E o que resta é Lord Beaconsfield, com o seu ardente desejo de guerra, livre dos embaraços pacíficos que punha Lord Derby, apoiado pela corte, que também deseja a guerra, e sustentado à outrance pela parte dos tories que não têm repouso nem alegria enquanto se não trocarem entre Ingleses e Russos os primeiros tiros no Bósforo. Esta carta já vai longa. Mas preciso contar-lhes um pequeno facto picante de que falam aqui os jornais da sociedade, e que, sendo para nós apenas engraçado, tem produzido nos Ingleses um furor sombrio. Trata-se, como quase sempre, do príncipe de Gales. Sua alteza, a semana passada estando em Paris, fez uma visita ao Figaro. Até aqui nada de extraordinário. Querendo dar uma tal honra a um jornal francês, escolheu um jornal das cocotes e dos apostadores de corridas, o órgão oficial da vida escandalosa. Até aqui nada de criminoso. A visita foi feita às duas horas da noite, e nas salas do Figaro estavam os artistas mais estroinas de Paris e algumas lindas actrizes que, além da arte dramática, professam acessoriamente o amor livre por preços conhecidos no Bulevar. Até aqui nada de violento. Houve uma ceia, nada mais natural. Mas foi ao fim da ceia que se deu o pequeno facto que causa nos Ingleses desespero soturno; o elegante redactor Francis Magnard ergueu-se e, de copo em punho, propôs uma saúde à rainha Vitória: é do estilo inglês que esta saúde seja seguida de aplausos e é da etiqueta que o sinal dos aplausos seja dado pela pessoa mais respeitável. A pessoa mais respeitável que nessa ocasião bateu as palmas de cerimónia foi Mademoiselle Theo, uma das actrizes dos Buffos, a quem não julgo fazer injúria chamando-lhe uma esbelta e ilustre prostituta. O príncipe de Gales, numa espirituosa resposta, agradeceu a Mademoiselle Theo e a outras cocotes e folhetinistas a honra que faziam em beber às duas horas da noite, na redacção do Figaro, à saúde de sua mãe, a rainha de Inglaterra. Como vêem é apenas picante – mas há ingleses severos a quem tem caído o cabelo de pensar neste toast singular. Um jornal de Londres observa que se têm feito toasts à rainha de Inglaterra nos lugares mais extraordinários, no alto das Pirâmides, nas ruínas de Tebas, nos sertões de África, nos templos de Pequim, no Pólo Norte, nos juncais do Ganges, no alto do Calvário, sobre o Niagara, nas cabanas dos cafres, nos mosteiros do Líbano; mas que é a primeira vez que se faz num lupanar! Lupanar, acho severo para o Figuro. Mas que é um lugar esquisito para uma saúde tão respeitável – é.

Crônicas de Segunda na Usina: SAGA DE BERADEIRO – APERREIO NO ÔNIBUS:


Em tempos atrás, uma cidade do interior só tinha uma empresa de ônibus. Não tinha essa história de alternativos e vans. Na cidade em que eu trabalhei como dentista era nesse modelo, e o dono gostava de dirigir o único ônibus que tinha cadeira semi-reclinável e ar-condicionado, mas sem banheiro. 

Ocorre que esse cidadão é daquele tipo de beradeiro bruto. Do tipo que compra uma galinha viva para o almoço, entrega a mulher e ela pergunta: é para matar? E ele responde: não, dê uma surra e mande embora. Só pra se ter uma ideia. Bem “mansim”. 
Durante as viagens, ninguém tinha coragem de falar com ele. Nem o cobrador. 
Pois bem, um amigo estava nesse ônibus, e para azar dele, sentiu um “vu vu vu” na barriga. Segurou até onde pôde, com medo de ter que falar com o dono/motorista/bruto, pois a próxima parada ainda estava longe. 
Mas, chegou uma hora que a situação ficou crítica, e a “prega mestra” enviou a seguinte mensagem para o cérebro: QSL... Vê se adota providências imediatas... não suportarei por muito tempo essa pressão...estou num cabo-de-guerra sozinha contra uma jamanta...câmbio. 
O amigo, vendo o tamanho do problema, criou cora- gem e foi falar com o tal motorista. Sabe aquele andar de “bi- chinha encabulada”? Um pé na frente do outro, passos curtos e bem devagarzinho. A distância da sua cadeira para a cadeira do motorista tornou-se uma maratona. Nessas horas, as mãos são inúteis, e não adianta correr. É pior. 
Pigarreou e engrenou a pergunta: 
Seu “fulano” estou passando mal e gostaria de saber se o senhor pode parar o ônibus? É uma urgência (na realidade era uma emergência, pois se ocorresse o “derrame” dentro do ônibus, os cinco magrinhos que lá estavam iam morrer na hora). 
O motorista todo invocado disse: você sabe que não posso tá parando pra todo mundo que quer cagar fora de hora, mas como você está muito branco, eu vou parar. Andou ainda mais um pouco, e parou. 
O amigo desceu, e quando olhou ao redor não viu nem uma pedra, uma árvore, uma cerca, um murinho, uma moita... Nada. 
Mas, naquela precisão, correu para detrás do ônibus, e ficou com o fi-o-fó virado para a estrada, correndo o risco de vir outro carro na mesma direção. 
Fez o serviço, usou a cueca para dar uma geral, e jogou em cima da produção. Ficou que nem àquelas cruzes de beira de estrada – marcando a cena e mantendo a lembrança.

Crônicas de Segunda na Usina: Lima Barreto: Ontem e hoje:


Como todo o Rio de Janeiro sabe, o seu centro social foi deslocado da rua do Ouvidor para a avenida e, nesta, ele fica exatamente no ponto dos bondes do Jardim Botânico. 
Lá se reúne tudo o que há de mais curioso na cidade. São as damas elegantes, os moços bonitos, os namoradores, os amantes, os badauds, os camelots e os sem-esperança. 
Acrescem para dar animação ao local, as cervejarias que há por lá, e um enorme hotel que diz comportar não sei quantos milheiros de hóspedes. 
Nele moram vários parlamentares, alguns conhecidos e muitos desconhecidos. Entre aqueles está um famoso pela virulência dos seus ataques, pela sua barba nazarena, pelo seu pince-nez e, agora, pelo luxuoso automóvel, um dos mais chics da cidade. 
Há cerca de quatro meses, um observador que lá se postasse, veria com espanto o ajuntamento que causava a entrada e a saída desse parlamentar. 
De toda a parte, corria gente a falar com ele, a abraçá-lo, a fazer-lhe festas. Eram homens de todas as condições, de todas as roupas, de todas as raças. Vinham os encartolados, os abrilhantados, e também os pobres, os mal vestidos, os necessitados de emprego. 
Certa vez a aglomeração de povo foi tal que o guarda civil de ronda compareceu, mas logo afastou-se dizendo: 
- É o nosso homem. 
Bem; isto é história antiga. Vejamos agora a moderna. Atualmente, o mesmo observador que lá parar, a fim de guardar fisionomias belas ou feias, alegres ou tristes e registrar gestos e atitudes, fica surpreendido com a estranha diferença que há com aspecto da chegada do mesmo deputado. Chega o seu automóvel, um automóvel de muitos contos de réis, iluminado eletricamente, motorista de fardeta, todo o veículo reluzente e orgulhoso. O homem salta. Pára um pouco, olha desconfiado para um lado e para outro, levanta a cabeça para equilibrar o pince-nez no nariz e segue para a escusa entrada do hotel. Ninguém lhe fala, ninguém lhe pede nada, ninguém o abraça - por quê? 
Porque não mais aquele ajuntamento, aquele fervedouro de gente de há quatro meses passados? 
Se ele sai e põe-se no passeio à espera do seu rico automóvel, fica isolado, sem um admirador ao lado, sem um correligionário, sem um assecla sequer. Por quê? Não sabemos, mas talvez o guarda civil pudesse dizer: 
- Ele não é mais o nosso homem. 

Vida urbana, 26-6-1915

Crônicas de Segunda na Usina: Machado de Assis:15 DE JANEIRO DE 1863:


A questão das reclamações inglesas ocupou exclusivamente a atenção do público durante esta quinzena. A população da Corte nos primeiros dias do ano ofereceu o mais nobre e consolador espetáculo; a ansiedade ao princípio, e depois, uma vez conhecida toda a correspondência diplomática, a indignação moderada, prudente, sensata; o desafio tácito do direito à força, da legalidade ao abuso, sem desvarios, 
sem ataques individuais. Os dias 5 e 6 principalmente foram os de maior agitação; o imperador com toda a família imperial desceu ao paço da cidade; a confraternização do povo com o chefe do Estado foi mais cordial, a mais expansiva, a mais verdadeira. Às aclamações populares respondia o imperador com protestos vivos de que era brasileiro, e que a sua coroa respondia pela dignidade da nação. 
Em tal situação, e correspondendo a tão patrióticas manifestações, o governo imperial teve a coragem precisa para responder às exigências britânicas com firmeza e energia, pondo acima de todas as mesquinhas considerações a idéia nobre e augusta do decoro nacional. A correspondência diplomática é uma página viva do patriotismo. A razão é nossa, o direito é nosso; se os resultados de um ataque não forem igualmente nossos, que importa isso? A consciência da nossa causa deve dar-nos bastante tranqüilidade diante da vitória da força, que será a vitória da imoralidade. Tal é o transunto das notas do gabinete. 
O representante da Inglaterra cedeu de todas as suas anteriores pretensões; e as condições da nota de 20 de dezembro prevaleceram mais extensas talvez, e, portanto com mais honra para a nação. Levada a questão ao gabinete de Londres, resta saber se o grupo de homens que dirige os destinos da Grã-Bretanha imitará o procedimento do seu representante nesta Corte. Há uma dignidade convencional que consiste em desconhecer o dever e a justiça para dar satisfação ao orgulho do poder. Esta dignidade há de se achar ferida com a altivez do nosso governo; a submissão teria dado à Grã-Bretanha mais uma razão de apertar os vínculos de amizade com o Império! 
Prevendo todas as conseqüências futuras, o país acha-se disposto a depor o que houver de resistência no altar da pátria. Nesta Corte as manifestações desta natureza não se têm feito esperar; recursos de que o governo carece, sem que este tenha reclamado uma subscrição nacional, já vão aparecendo; a câmara municipal já recebeu o nome de muitos voluntários. Uma sociedade que tomou o nome de União e Perseverança formou-se na câmara municipal, domingo último. Mais de duas mil pessoas concorreram aos convites feitos nos jornais. Foi aclamado presidente o Sr. Dr. Saldanha Marinho, e bem assim um diretório composto daquele ilustre jornalista e dos Srs. Theophilo Ottoni e conselheiro Antonio José de Bem. Outra sociedade foi também organizada nesse dia no Pavilhão Fluminense. O mesmo entusiasmo patriótico reina por toda a parte sem distinção de classes. 
Se me é dado conjecturar as emergências ulteriores em relação ao Futuro, deixe o leitor que eu revele a incerteza em que eu estou, os temores que me assaltam, porque não suponho que os ingleses, em caso de ataque, tenham simpatia por coisa nenhuma. Já não é desta opinião o redator principal, que tem entre mãos um romance do Sr. Camilo Castelo Branco, matéria de um grosso volume, e que o redator pretende dar todo no Futuro, capítulo por capítulo, sem receio de bala inglesa. Uma coisa que ele não pode compreender é que a publicação de um romance do Sr. Camilo Castelo Branco depende da vontade de lord Palmerston. Acho-lhe até certo ponto alguma razão. O romance escrito expressamente para o Futuro, e propriedade desta revista, tem por título um provérbio: Agulha em palheiro é este século e a sociedade onde o poeta escreveu; o que o poeta procura é um homem, que chega a encontrar, mais feliz nisto que o vaidoso Ateniense. De mulheres é que não há palheiro no século; o próprio poeta o declara referindo-se à sua heroína: “Paulinas de certo há muitas. As senhoras, em geral, são, como ela, todas, quando encontram homens como aquele.” Não sei se esta regra tão absoluta pode ser admitida, mas, feitas algumas exceções de que rezam até os noticiários, acho que é uma verdadeira regra geral. 
Passo a falar da peça do Sr. S. B. Nabuco de Araújo, ultimamente representada no Ateneu, com fervoroso aplauso. Esse aplauso, creio eu, tem duas significações: uma pelo talento do poeta, outra pela nacionalidade da obra. Em uma terra onde a 
literatura dramática balbucia apenas, os aplausos públicos não podem deixar de ter esta dupla significação; e nesse sentido é que a crítica deve apreciar. 
Sempre que um novo sacerdote se apresenta à porta desta igreja, tão despovoada ainda, deve ser recebido com palmas e cânticos. Transmitir à geração futura os preliminares de uma obra que seja completada com proveito é a ocupação de alguns espíritos amantes das letras e do progresso do país. Sem a solidez intelectual e a capacidade que a esses distingue, mas com o mesmo amor e a mesma perseverança, trabalharei eu, conforme me permitirem as forças de que disponho. 
O autor da Túnica de Nessus merece todas as simpatias, e tem direito a ser recebido no seio da literatura dramática. É assim que o aplaudo e saúdo. Entenda- se, porém, uma coisa: nas minhas observações literárias nunca levo pretensão a crítico. Tal não me suponho, mercê de Deus. A crítica é uma missão que exige credenciais valiosas, de cuja míngua não me coro de vergonha em confessar, como não tenho vaidade em referir as pouquíssimas coisas que sei. 
O que eu confesso é que sou moço, e que como tal, vou ao encontro dos moços com entusiasmo de camarada. Entre os que são da mesma idade é natural e fácil à comunicação das impressões recebidas, e mútuo conselho sempre resulta emenda e progresso. 
Entre mim e o autor da Túnica de Nessus não pode haver senão mútuos e cordiais conselhos. Toca-me a vez, e declaro que o faço com tanto prazer quanta sinceridade, e que a independência, de que não posso prescindir no meu juízo, em nada prejudica o desejo que nutro de lhe aplaudir muitas vitórias dramáticas. 
Começarei pelas belezas ou pelos defeitos da Túnica de Nessus? O próprio poeta impõe-me a escolha destes, visto que, pelo que me consta, é seu principal desejo que lhe apontem as falhas da obra. 
Direi, portanto, que me pareceu descobrir o principal defeito da Túnica de Nessus na ação, que não é suficiente para as proporções da peça, nem caminha sempre pela razão lógica das coisas. No intuito de simplificá-la, fê-la o poeta exígua, diluída nos seus quatro atos; eu a quisera, e dizendo eu suponho falar em nome de uma teoria — eu a quisera mais complexa, mais dramática. Preocupado com a pintura do principal caráter, o poeta esqueceu opor o bem ao mal, estabelecer uma luta, que, satisfazendo as condições da cena, desse explicação a muitas passagens obscuras. Adélia gasta, perde-se, infama-se, sem combate; não é combate à queixa desanimada de Máximo e a exposição de algumas teorias muito sãs de Oliveira. Esta ausência de luta entre os sentimentos tira à peça, apesar de vários lances de muito efeito, a necessária vitalidade dramática. 
Mas o tipo de Adélia, tão exclusivamente tratado, satisfaz as intenções do poeta? Cuido que não. Parece-me indeciso, contraditório às vezes, às vezes tocado de mais. A sua exigência de que o marido se dispa dos hábitos modestos e renegue a arte, é tão cruel, tão arrebatadamente feito, que nos leva insensivelmente a indagar que relações existem entre a verossimilhança e esse ruim capricho. 
No segundo ato, prevendo a miséria, foge com um visconde, a quem pouco antes deixa ver que não ignora todo o horror de uma situação equívoca. Perdida, os seus sentimentos parecem ora bons, ora maus, ora filhos de um espírito indiferente e frio. A filha, que levara de casa de seu marido, está a expirar em um quarto; Adélia parece amá-la, tanto que não tivera forças de deixá-la, fugindo da casa de seu marido; mas, entre o leito da moribunda e a mesa de um festim, Adélia prefere esta, senão de notar que nenhuma consideração impede a contigüidade do lugar da ceia e do lugar da morte. Este contraste, trazido para efeito cênico, derrama mais obscuridade e confusão no caráter de Adélia. 
Nesse ato, porém, refere-se que durante dezesseis anos Adélia não assistira Inês de suas carícias de mãe; em tal caso, trazer consigo a filha da casa de seu marido foi um capricho sem explicação. Mas, posta assim à situação, é preciso atribuir às palavras de Oliveira, na penúltima cena, o aparecimento da ternura maternal no coração de Adélia. Pode-se, sem violência, aceitar esta solução? Pois o que não fizeram longos dias de martírio da enferma, fazem algumas palavras mais ou menos veementes do médico? E aquela alma que recua por vaidade, ao ir, por extrema prova, despedir os banqueteadores, estava acaso preparada para receber a divina faísca do amor maternal? 
Máximo é também um caráter pouco seguro. É um homem fraco, passivo, sem vontade, sem decisão; tudo isto é natural; mas essa passividade, que ele afeta no interior conjugal durante anos, não exclui, e até tem sua razão de ser, na extrema delicadeza de sua alma, na bondade de seu coração, no profundo amor que vota a sua mulher. Tais qualidades não se pervertem no sofrimento, apuram-se; e quando uma cela monacal é o teatro das dores íntimas, o espírito ganha forças, não de combate, mas de clemência e perdão. 
Esse espírito misericordioso é que eu quisera ver nas palavras de Máximo, a uma frase de sua filha, que maldiz o pai desconhecido, conta-lhe a história das suas desventuras conjugais, no ponto de vista interessado de marido; esta represália é própria do Máximo do primeiro ato, e, sobretudo do Máximo religioso? Estabelecer no espírito da moribunda um duelo de sentimentos; opor-se, nessa hora suprema, às dolorosas invenções da mãe, revelações não menos dolorosa do pai; lançar a dúvida naquela alma que se ia embora ignorante das tormentas da vida, eis o que falseia o caráter de Máximo e desmente a sua missão evangélica. Dezesseis anos, a solidão do claustro, as letras divinas, a convivência de Deus, não teriam apaziguado naquela alma as paixões da terra e posto termo aos ódios do passado? 
Resta Oliveira; é um homem nobre e dedicado; a sua estima por Máximo e a sua aversão por Adélia são extremas; esse extremo explica a sua áspera e indiscreta pergunta no final da peça, quando a situação pedia uma complacente concessão. 
Do visconde e de Fernando nada direi; passam a peça como meteoros; mas a passagem do segundo está justificada? Que faz a peça a presença desse Armando passageiro ? Sem o amor de Fernando a peça existia, e quanto ao caráter de Adélia, que o poeta quis melhor definir com essa circunstância, torna-se mais confuso ainda. Para rematar estes senões que me parecem existir na Túnica de Nessus, direi que o estilo peca por demasiadamente lírico; as figuras, os tropos, as parábolas, surgem sobreposse em cada diálogo, até nas falas de Inês, menina moribunda, em cuja boca destoa semelhante linguagem. Será isto um partido tomado, ou resulta da própria tendência do poeta? Seja como seja, o poeta dá-nos algumas figuras bonitas, veste idéias novas em roupas originais, o que não impede por vezes figuras como estas condenadas por sua vulgaridade: 
— Para que fazer-me subir nas asas brancas da esperança até ao céu das ilusões, e depois cair no abismo da realidade? 
Indaguemos agora das qualidades do poeta. A primeira é, sem dúvida, a dos efeitos; feitos as reservas que já apontei, a última cena do primeiro ato impressiona muito; é escrita com fogo e cheia de movimento; no segundo ato, a cena vem encontrar Adélia em colóquio amoroso com o visconde é habilmente trazida; a transição, uma das feições típicas de Adélia, inspira interesse e é conduzida com engenho. 
As cenas da enferma com Oliveira e com Adélia são tocadas com sentimento; há nelas o tom plangente da elegia, e a mais de um tenho ouvido o que eu próprio sinto; são imensamente comoventes. O quarto ato, que é para mim o melhor, no ponto de vista do movimento dramático, inspira nas suas poucas cenas muito interesse; a aparição de Máximo sob a veste monacal, o desespero de Adélia aos 
pés da filha, a figura calma de Oliveira dominando aqueles diversos sentimentos, tudo isso traz suspenso o espírito do espectador; o lance do encontro de Máximo e Adélia é hábil e interessante; no desenlace, Adélia enlouquece, é o complemento da sua desgraça, o termo de sua vida malbaratada. 
Do que levo dito, deve concluir-se uma coisa: que ao autor da Túnica de Nessus falta certo conhecimento da ciência dramática, mas que lhe sobejam elementos que, postos em ação e dirigidos convenientemente, lhe darão eminente posição entre os nossos poetas dramáticos. 
A intuição dos efeitos, a imaginação viva, a paixão abundante, tais são os seus meios atuais; a observação e a perseverança se encarregarão de aplicá-los discretamente, desenvolvê-los, completá-los, e abrir ao poeta no futuro uma carreira que eu profetizo segura e gloriosa. 
Expus com franqueza e lealdade, sem exclusão do natural acanhamento, as minhas impressões; os erros que tiver cometido provarão contra a minha sagacidade literária, nunca contra o meu caráter e a minha convicção. 
Esta glória, que não reputo exclusiva, havia de tê-la o autor da Túnica de Nessus, se, em iguais circunstâncias, tivesse de julgar uma obra minha.

Crônicas de Segunda na Usina: Cida Pedrosa lança “Solo para Vilarejo” em Bodocó

 


Cida Pedrosa lança “Solo para Vilarejo” em Bodocó 
Cultura, Notícias, Sesc Ler Bodocó | 2 dezembro, 2020 | 0 
O Sesc Ler Bodocó realiza nesta quinta-feira (3/11), a partir das 20h, uma palestra com a escritora bodocoense Cida Pedrosa, seguida do lançamento do livro “Solo para Vilarejo”. A programação, voltada para estudantes do Ensino Médio, artistas, alunos do Núcleo de Literatura e público em geral, é gratuita. Devido às restrições impostas pela pandemia da Covid-19 todos os protocolos de segurança serão adotados, como o uso obrigatório de máscaras, disponibilização de álcool em gel e orientação sobre distanciamento. 
Além de abordar na palestra questões que permeiam sua obra a poeta poderá apresentar aos seus conterrâneos o seu “Solo para Vilarejo”, eleito Livro do Ano na categoria poesia pelo Prêmio Jabuti. A publicação é um poema épico-lírico, que narra o retorno de Cida às origens, numa viagem do litoral ao Sertão. 
Durante a programação poetas locais apresentarão um recital em homenagem a premiação conquistada pela escritora, que saiu do Sertão do Araripe aos 14 anos para morar em Recife, onde foi recentemente eleita vereadora. “Solo para Vilarejo” é o décimo livro da poeta sertaneja. 
Serviço – Palestra e Lançamento do Livro “Solo para Vilarejo” 

Dia 3 de novembro, às 20h 

Local: Sesc Ler Bodocó (Rua Luzia Couto Lóssio de Alencar) 

Acesso gratuito 

Informações: (87) 3878-1724
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