quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Dante Alighieri: A Divina Comédia: Inferno:

 


Entrou, e eu logo, o círculo primeiro
24 Em que o abismo a estreitar-se já começa,
Escutei: não mais pranto lastimeiro Ouvi; suspiros só, que murmuravam,
27 Vibrando do ar eterno o espaço inteiro.
Pesares sem martírio os motivavam De varões e de infantes, de mulheres
30 Nas multidões, que ali se apinhoavam.
“Conhecer” — meu bom Mestre diz — “não queres Quais são os que assim vês ora sofrendo?
33 Antes de avante andar convém saberes
“Que não pecaram: boas obras tendo Acham-se aqui; faltou-lhes o batismo, 36 Portal da fé, em que és ditoso crendo.
“Na vida antecedendo o Cristianismo, Devido culto a Deus nunca prestaram:
39 Também sou dos que penam neste abismo.

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Apenas eu:

 



Nem poeta, nem sonhador.
Apenas um louco que aceitou
A proposta de si mesmo
Em ladear seus pensamentos, desejos e ensejos.

Olhando o mundo do absurdo que hoje eu vejo.
Não me resta mais desejo apenas vê a escuridão
Diante os holofotes das Heresias dos homens,
E a cortesia dos insanos.

Que nos leva a doces enganos.
A indiferença das diferenças
Entre o acaso e o óbvio
A corrida em direção ao inexistente nos torna presentes.

Enfileirados na mesma empática situação do saber
Onde podemos chegar se não ao fim de algo
Que nem se quer começou.
E assim quem sabe um dia eu poderei ser
Apenas eu...

Poesia de Quinta na Usina: D'Araújo: Isso ou aquilo:

 


Tornamo-nos isso por causa daquilo,

Ou aquilo por causa disso?

Isso ou aquilo não importa, apenas

Sejamos nós mesmos.

Poesia de quinta na Usina: D'Araújo: Simplicidade:

 


Em um mundo de grandes ambições

O ser encontra imensa dificuldade 

nas coisas mais simples,

 como a amizade sincera.

Poesia de Quinta na Usina: Laurindo Ribeiro: DE TI FIQUEI TÃO ESCRAVO:


De ti fiquei tão escravo
Depois que teus olhos vi,
Que só vivo por teus olhos,
Não posso viver sem ti.

Contemplando o teu semblante
Sinto a vida me escapar.
Num teu olhar perco a vida,
Ressuscito noutro olhar.

Mas é tão doce
Morrer assim.
Lília, não deixes
De olhar p’ra mim.

Num raio de teus olhares
Minh’alma inteira perdi.
Se tens minh’alma nos olhos,
Não posso viver sem ti.

A qualquer parte que os volvas,
Minh’alma sinto voar,
Inda que livre nas asas,
Presa só no teu olhar.

Mas é tão doce
Prisão assim.
Lília, não deixes
De olhar p’ra mim.

Que era meu fado ser teu
Ao ver-te reconheci,
Não se muda a lei do fado,
Não posso viver sem ti.

Por não ver inda completa
Minha doce escravidão,
Se me ferem teus olhares,
Choro sobre meu grilhão.

Mas é tão doce
Prisão assim.
Lília, não deixes
De olhar p’ra mim.


Poesia de Quinta na Usina: Laurindo Ribeiro: A ROMÃ (lundu):

 



Entre as frutas que há no mundo
Não há uma fruta irmã
Na beleza e na doçura
Da que se chama romã.

Tem coroa de rainha,
Roxa cor na casca tem,
Quando racha, me retrata
A boquinha de meu bem.

Nos meus lábios sequiosos
Dum néctar sinto a doçura
Quando sedento lhe ponho
A boca na rachadura.

Pela primeira vez vi
Num jardim pela manhã,
O meu bem que em vez de flores
Só trazia uma romã.

Poesia de Quinta na Usina: Laurindo Ribeiro: BEIJO DE AMOR:

 




Se me queres ver ainda,
Recobra da vida a flor;
Deixa remoçar-me a vida
Um beijo de teu amor.

De minha vida a ventura
Teus lábios guardam consigo,
Dá-me um só beijo e verás
Se é mentira o que eu te digo.

Como a flor, do sol a um beijo,
Se quiseres, podes ver,
A minh’alma, semimorta,
Num teu beijo reviver.

De minha vida a ventura, etc.
Só esperá-lo me alenta,
Me conforta o fado meu;
Imagina só por isso

Quanto pode um beijo teu.
De minha vida a ventura, etc.

Poesia de Quinta na Usina: Augusto dos Anjos: DOLÊNCIAS:


Eu fui cadáver antes de viver!
Meu corpo, assim como o de Jesus Cristo, 
Sofreu o que olhos de homem não têm visto 
E olhos de fera não puderam ver!

Acostumei-me, assim, pois, a sofrer 
E acostumado a assim sofrer existo...
Existo! -- E apesar disto, apesar disto 
Inda cadáver hei também de ser!

Quando eu morrer de novo, amigos, quando 
Eu, de saudades me despedaçando
De novo, triste e sem cantar, morrer,
Nada se altere em sua marcha infinda -- 

O tamarindo reverdeça ainda,
A lua continue sempre a nascer!





Poesia de Quinta na Usina: Augusto dos Anjos: NOME MALDITO:

 


 

Das trombetas proféticas o alarde Falou-lhe, 
por seus onze augúrios certos: “É maldito o teu nome! 
E aos céus abertos, Não há divina proteção que o guarde!”

Dúvidas cruéis! Momentos cruéis! Incertos 
E cruéis momentos! Ânsias cruéis! E, à tarde, 
Saiu aos tombos, como um cão covarde,
A percorrer desertos e desertos...

E, assombrado, com medo do Infinito,
Por toda a parte, onde, aos tropeços, ia,
Por toda a parte viu seu nome escrito!
Vieram -lhe as ânsias. Teve sede e fome...

E foi assim que ele morreu um dia Amaldiçoado pelo próprio nome!

Poesia de quinta na Usina: Augusto dos Anjos: O CANTO DA CORUJA:

 



A coruja cantara-lhe na porta Sinistramente a noite inteira! 
Indício Mais certo não havia! -- Era o suplício!...
Daí a pouco, ela seria morta.
Saiu. O Sol ardia. A estrada torta

Lembrava a antiga ponte de Sublício...
Havia pelo chão um desperdício
De folhas que a áurea xantofila corta.
Nisto, ouve o canto aziago da coruja! 

-- Quer fugir, e não vê por onde fuja.
Implora a Deus como a um fetihe vago...
- Se ao menos voasse! -- E o horror começa! 
Rasga As vestes; uma convulsão a engasga

E morre ouvindo o mesmo canto aziago!

Dante Alighieri: A Divina Comédia: Inferno:



Tão escuro, profundo e nebuloso
Era, que a vista lhe inquirindo o fundo,
12 Não distinguia no antro temeroso.
“Eia! Baixemos, pois, da treva ao mundo!” 
— O Poeta então disse-me enfiando —
15 “Eu descerei primeiro, tu segundo”. —
Tornei-lhe, a palidez sua notando:
“Como hei-de ir, se és de espanto dominado,
18 Quando conforto estou de ti sperando?” —
“Dos que lá são o angustioso estado 
Causa a que vês no rosto meu impressa, 
21 Piedade, medo não, como hás cuidado.
“Vamos: longa a jornada exige pressa”.