24 DE DEZEMBRO DE 1861.
Paula Brito – Questão diplomática – Palinódia do ministério -O
Sr.Ministro do Império e a “Gazeta da Tarde” – Os homens
sérios; reentrada da artista Gabriela – Partida da companhia
francesa – o Sr. Macedo Soares – Colégio da Imaculada
Conceição.
Mais
um! Este ano há de ser contado como um obituário ilustre, onde
todos,
o amigo e o cidadão, podem ver inscritos mais de um nome
caro ao
coração e ao espírito.
Longa é
a lista dos que no espaço desses doze meses que estão a
expirar,
tem caído ao abraço tremendo daquela leviana, que não
distingue
os amantes, como diz o poeta.
Agora é
um homem que, pelas suas virtudes sociais e políticas, por
sua
inteligência e amor ao trabalho, havia conseguido a estima geral.
Começou
como impressor, como impressor morreu. Nesta modesta
posição
tinha em roda de si todas as simpatias.
Paula
Brito foi um exemplo raro e bom. Tinha fé nas suas crenças
políticas,
acreditava sinceramente nos resultados da aplicação delas;
tolerante,
não fazia injustiça aos seus adversários; sincero, nunca
transigiu
com eles.
Era
também amigo, era, sobretudo, amigo.
Amava a
mocidade, porque sabia que ela é a esperança da pátria, e,
porque
a amava estendia-lhe quanto podia a sua proteção.
Em vez
de morrer, deixando uma fortuna, que o podia, morreu pobre
como
vivera graças ao largo emprego que dava às suas rendas e ao
sentimento
generoso que o levava na divisão do que auferia do seu
trabalho.
Nestes
tempos de egoísmo e cálculo, deve-se chorar a perda de
homens
que, como Paula Brito, sobressaem na massa comum dos
homens.
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Nas
colunas do “Jornal do Comércio” continuam a aparecer os
contendores
da questão diplomática. “Scoevola”, depois de ter feito
sacrifício
da mão direita diante de Porsena, anda mostrando que é
capaz
ainda de outras coisas muito mais asseadas.
O que é
divertido é ver perturbados o remanso e a paz da igreja de
Elvas.
No dize tu, direi eu, declarações de alta importância vieram à
tona do
debate, o que prova desconfianças, e eis que um novo
personagem,
com o seu próprio nome, aparece na discussão, a
tomar
contas aos indiscretos.
Não
entra nas condições exíguas deste escrito, nem que entrasse,
faria
uma mais larga apreciação do debate a que aludo. Menciono
apenas
como obrigação, e para prevenir o leitor menos perspicaz de
que a
coisa vai tomar um aspecto mais importante do que até
agora.
De
política é isso o que oferece algum interesse; no mais, mar morto
e
calmaria podre.
Não deixarei
de consignar mais uma palinódia do ministério, que
pode
chamar-se bem o ministério das palinódias. Já o Sr. Manuel
Felizardo
cantou uma na questão dos correios. Suprimiu umas tantas
agências,
e depois foi restabelecendo-as, já se sabe, com o aplauso
dos
beneficiados.
Dizia
não sei que homem de Estado que é de boa política fazer o
mal,
porque depois toda a concessão é considerada um bem de valor
real.
Este preceito não foi mal compreendido pelo atual chefe da
nação
francesa, que depois de arrecadar todas as liberdades
públicas,
vai agora concedendo, hoje uma largueza à imprensa,
amanhã,
outra ao parlamento, e depois outra no sentido da
autonomia
provincial, e a cada pedaço que larga à nação faminta,
esta
aceita agradecida e tece louvores ao seu protetor.
Também
por cá se dá o mesmo. Preceito tão salutar não podia deixar
de ser
observado neste país. Semelhante à dos correios, houve
ultimamente
uma do Sr. Ministro da Justiça, que acaba de
restabelecer
por um aviso as prisões que competem aos oficiais da
guarda
nacional.
Como
sempre acontece, a reparação foi considerada um benefício
extremo;
a guarda nacional agradeceu ao ministério o seu ato, e
choveram
os louvores.
Isto
provaria contra o país, se não fosse fato observado em outros
países.
Por conhecerem da eficácia do sistema, é que os políticos o
empregam;
lembremo-nos de que, já na Antigüidade, Sócrates
sentia
prazer em começar a perna depois do arrocho.
A este
respeito, os nossos ministros são de boa massa.
O Sr.
Ministro do Império, esse, depois do longo e laborioso trabalho
da
parturição moral, relativamente ao regulamento das
condecorações,
ficou abatido; a crise foi tremenda; as conseqüências
não
podiam ser menos.Acha-se em convalescença; o pequeno está
bom.
A
propósito, lembro-me de uma gazeta que se publica nesta corte,
ao
bater das trindades, e que teve a bondade de ocupar-se de
passagem
com a minha humildade pessoa foi a propósito da
apreciação
dos meus últimos Comentários acerca do Sr. Ministro do
Império.
Acha
ela que o Sr. Ministro do Império, longe de ser vulgar na
tribuna
e no gabinete, é uma figura eminentíssima tanto neste como
naquela
; acredite quem quiser na sinceridade da gazeta de luscofusco,
eu não;
sei bem que ela..ia escrevendo um verbo que ainda
não
adquiriu direito de cidade ; direi por outro modo : sei que ela faz
a corte
ao Sr. ministro. Está no seu direito; mas agora, querer
encaracolar
os cabelos de S. Excia. à minha custa, isto é que é um
pouco
duro.
Passemos
leitor, ao teatro.
O
Ginásio representou domingo um drama do repertório português,
Os homens sérios, de Ernesto Biester, para
reentrada da Sra.
Gabriela
da Cunha.
A
reentrada de uma artista como a Sra. Gabriela não é um fato
comum e
sem valor; ocorre-me, portanto, o dever de mencioná-lo
nesta
revista.
O drama
de Ernesto Biester é para mim uma composição de bom
quilate.
Bem travado e bem deduzido, interessa, comove, oferece
lances
bem preparados e cenas traçadas por mão hábil. Dos dramas
que
conheço deste autor é este o que se me afigura mais completo.
Desapareceram
nos Homens sérios os defeitos que eu sempre achei
no Rafael.
Há na peça de que trato mais movimento que nesta
última,
e menos expansão da fibra lírica, que tornava o Rafael uma
elegia,
bem escrita é verdade, mas uma elegia, que não pode ser um
drama.
Não
menos pelo escritor se recomendam Os homens sérios; o estilo
brilhante
e conciso, o diálogo travado sem esforço, o epigrama fino,
a frase
sentimental, a expressão sentenciosa, cada coisa no seu
lugar
tudo a propósito, tais e outras belezas são atestadas que
Ernesto
Biester dá de seu talento, e que não podem ser recusados
por
falta de reconhecimento legal.
O papel
de Amélia, a protagonista, é um belo, mas difícil papel: a
Sra.
Gabriela deu-lhe esse tom dramático que caracteriza as suas
melhores
criações.
Os que
confiavam no seu talento (e não há duas opiniões a respeito)
não se
admiraram; aplaudiram e sabiam que haviam de aplaudir.
Não
esqueceu o menor toque exigido pelo original do poeta; no 2.º
e 4.º
atos, principalmente, esteve brilhante.
Um
poeta dizia que eram flores que a artista deitava à sua antiga
platéia.
Flores por flores, também o público as teve, e muitas para
pagar
as que lhe deu.
Se eu
fizesse crítica de teatros, entraria em apreciação mais detida
do
desempenho. Mas não é assim. Só me cabe apontar muito de leve
os
fatos. O Sr. Joaquim Augusto acompanhou bem a Sra. Gabriela,
no
papel de Luiz Travassos, marido brutal no interior, e delicado e
solícito
em público. Estas duas figuras foram as principais. No papel
da
condessa a Sra. M. Fernanda fez progressos.
Devia
responder agora aos dois artigos que, a respeito do Teatro, a
concorrência e o governo, publicaram
no Correio Mercantil o Sr.
Macedo
Soares é o verdadeiro nome das iniciais M. . S. , com que
saiu o
primeiro artigo.
Permitirá
o meu ilustrado e talentoso contendor que eu fuja ao
debate;
por convicção de erro, não; por medo, fora possível, se eu
atendesse
só a minha inferioridade pessoal, e não à consideração de
que
estou no terreno da verdade.
Mas a
que chegaremos nós? O Sr. Macedo Soares, nos seus dois
últimos
artigos, não pôde, apesar do seu talento e da sua ilustração,
demonstrar
que o teatro não escapa à lei econômica, que rege as
corporações
industriais; eu continuo convencido do contrário. E pelas
condições
deste escrito não me é dado estabelecer uma discussão
sobre a
matéria; com as minhas espaçadas aparições o debate seria
fastidioso.
Tenho
uma observação a fazer: quando eu disse que a opinião do Sr.
Macedo Soares devia ser a última lembrada, se merecesse ser
lembrada, não quis de modo algum exprimir um desdém, que
tomaria
as proporções do ridículo, partindo de mim para com o Sr.
Macedo
Soares.
Termino
mencionando os belos resultados obtidos no colégio da
Imaculada
Conceição, do sexo feminino, em Botafogo. As meninas
mostraram,
perante o numeroso concurso que assistiu aos exames,
um
grande adiantamento mesmo raro, entre nós.
Folgo
sempre de mencionar destas conquistas pacíficas da
inteligência;
são elas, hoje, os únicos proveitos para o presente e
para
futuro.
Fazer
mães de família é encargo difícil; por isso também, quando há
sucesso,
compensam-se os espíritos.