quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis:

 


VISÃO

A LUIZ DE ALVARENGA PEIXOTO

Vi de um lado o Calvário, e do outro lado
O Capitólio, o templo-cidadela. E torvo mar entre ambos agitado,
Como se agita o mar numa procela.
Pousou no Capitólio uma águia; vinha
Cansada de voar.
Cheia de sangue as longas asas tinha;
Pousou; quis descansar.
Era a águia romana, a águia de Quirino;
A mesma que, arrancando as chaves ao destino,
As portas do futuro abriu de par em par.
A mesma que, deixando o ninho áspero e rude,
Fez do templo da força o templo da virtude,
E lançou, como emblema, a espada sobre o altar.
Então, como se um deus lhe habitasse as entranhas,
A vitória empolgou, venceu raças estranhas, Fez de várias nações um só domínio seu. Era-lhe o grito agudo um tremendo rebate. Se caía, perdendo acaso um só combate, Punha as asas no chão e remontava Anteu.
Vezes três, respirando a morte, o sangue, o estrago,
Saiu, lutou, caiu, ergueu-se...e jaz Cartago;
É ruína; é memória; é túmulo. Transpõe, Impetuosa e audaz, os vales e as montanhas. Lança a férrea cadeia ao colo das Espanhas.
Gália vence; e o grilhão a toda Itália põe.
Terras da Ásia invadiu, águas bebeu do Eufrates,
Nem tu mesma fugiste à sorte dos combates,
Grécia, mãe do saber. Mas que pode o opressor,
Quando o gênio sorriu no berço de uma serva?
Palas despe a couraça e veste de Minerva;
Faz-se mestra a cativa; abre escola ao senhor.
Agora, já cansada e respirando a custo,
Desce; vem repousar no monumento augusto.
Gotejam-lhe inda sangue as asas colossais.
A sombra do terror assoma-lhe à pupila. Vem tocada das mãos de César e de Sila.
Vê quebrar-se-lhe a força aos vínculos mortais.
Dum lado e de outro lado, azulam-se
Os vastos horizontes;
Vida ressurge esplêndida
Por toda a criação.
Luz nova, luz magnífica  
Os vales enche e os montes...
E além, sobre o Calvário,
Que assombro! que visão!
Fitei o olhar. Do píncaro
Da colossal montanha
Surge uma pomba, e plácida
Asas no espaço abriu.
Os ares rompe, embebe-se
No éter de luz estranha:
Olha-a minha alma atônita
Dos céus a que subiu.
Emblema audaz e lúgubre
Da força e do combate,
A águia no Capitólio
As asas abateu.
Mas voa a pomba, símbolo
Do amor e do resgate,
Santo e apertado vínculo
Que a terra prende ao céu.
Depois... Às mãos de bárbaros,
Na terra em que nascera,
Após sangrentos séculos,
A águia expirou; e então
Desceu a pomba cândida
Que marca a nova era,
Pousou no Capitólio,
Já berço, já cristão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário