domingo, 4 de setembro de 2022

Crônicas de Segunda na Usina: machado de Assis: 15 DE MAIO DE 1863:

Se me fosse dado escrever uma crônica política, esta seria de todas as minhas crônicas a mais farta e a mais interessante. Com efeito, a situação a que pôs termo o decreto de 12 do corrente marca, na história do império, um dos mais graves e embaraçosos momentos; e a mais simples exposição do meu pensamento, em relação à gravidade do caso e ao alcance da medida, bastaria para encher o espaço de três crônicas. 
Os ingleses têm, entre outras manias, a mania de grandes e singulares apostas. Não menos ingleses foram muitos dos nossos políticos que, confiado cada qual na sua impressão ou na sua esperança, lançaram-se aventura e ao azar da fortuna. Qual, apostava cem bilhetes da loteria afirmando a conservação da câmara temporária; qual, punha a sua fortuna em jogo, se alguém a quisesse aceitar, afirmando a conservação do gabinete; e neste movimento escoaram-se os dias que mediaram entre a abertura do parlamento e a dissolução da câmara. 
Os mais espertos, dos tais que vivem 
... aux dépens de celui qui l’écoute, afirmavam, uns a dissolução, outros o adiamento, outros a queda dos ministros, isto com um ar de iniciados nos segredos de cima, que faria rir ao mais grave e sisudo deste mundo. 
O que é certo é que o ano de 1863 é e há de ser fecundo em acontecimentos. Aguardamos o que vier, e deixemos a apreciação do decreto de 12 de maio, não sem registrá-lo como uma data de regeneração. Fora da arena política nenhum acontecimento de alta importância prendeu a atenção pública; e se algum houve não teve o devido efeito em meio de tão graves preocupações. 
Estava eu nestes cuidados, quando recebi uma carta acompanhada de um rolo de papel. 
A carta dizia: 
“Aí vão as páginas que te prometi. Não contando que desses publicidade à minha carta, guardava-me para concluir mais detidamente este trabalho. Já que foste indiscreto, paga a culpa da tua indiscrição. O que aí vai foi escrito às pressas; podia valer um pouco mais; assim nada vale. É do teu dever publicar estas linhas, e do meu assinar-me – Teu amigo – S.” 
Abri o rolo e li na primeira página: Um parênteses na vida. A obsequiosidade do meu amigo Faustino de Novaes veio em meu auxílio: o começo de Um parênteses na vida vai publicado neste volume. 
Essa novela é um fato pessoal, ou pura imaginação de poeta? 
Tentei resolver este problema; procurei através de cada período a realidade ou a fantasia do assunto, e confesso que fiquei sabendo o que sabia. Seja como seja, leia o leitor o conto e julgue-o como lhe parecer. 
Com a chegada do inverno vai o público dispensando alguma atenção com os teatros. O lírico, além dessa circunstância, tem a seu favor o fato de haver contratado novos artistas. Entre estes, figura o barítono português Antonio Maria Celestino. 
A circunstância da sua nacionalidade que, por costumes e língua tão irmã é da nossa, serviu-lhe de senha para a simpatia pública. Sobre isso valeu-lhe o seu mérito intrínseco; e o aplauso público coroou-lhe os louváveis esforços. 
As reflexões que me sugere o teatro lírico, as apreensões que nutro acerca dele, e que peço licença para não divulgar, levam-me naturalmente a considerações gerais a respeito do teatro. Tudo, porém, desaparece momentaneamente, diante de um caso triste: o ator João Caetano dos Santos acha-se gravemente enfermo. 
Deve ser indiscutível para todos o mérito superior daquele artista; e as nações que sabem fazer caso destas glórias, devem sentir-se comovidas sempre que a morte as inscreve no livro da posteridade. Por isso, ao boato falso do falecimento do criador de Cinna o público comoveu-se; e hoje é certo que só há um desejo unânime: a vida de João Caetano dos Santos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário