sábado, 14 de maio de 2022

Contos do sábado na Usina: Machado de Assis: A mulher de Preto V:

 



Quando saíram, o deputado disse ao médico: 
- Meu amigo, você é desleal comigo... 
- Por quê? perguntou Estêvão meio sério e meio risonho, não compreendendo a observação do deputado. 
- Sim, continuou Menezes; você esconde-me um segredo... 
- Eu? 
- É verdade: e um segredo de amor. 
- Ah!... disse Estêvão; por que diz isso? 
- Reparei há pouco que, ao passo que os mais conversavam em política, você pensava em uma mulher, e mulher... lindíssima... 
Estêvão compreendeu que estava descoberto; não negou. 
- É verdade, pensava em uma mulher. 
- E eu serei o último a saber? 
- Mas saber o quê? Não há amor, não há nada. Encontrei uma mulher que me impressionou e ainda agora me preocupa; mas é bem possível que não passe disto. Aí está. É um capítulo interrompido; um romance que fica na primeira página. Eu lhe digo: há de me ser difícil amar. 
- Por quê? 
- Eu sei? custa-me a crer no amor. 
Menezes olhou fixamente para Estêvão, sorriu, abanou a cabeça e disse: 
- Olhe, deixe a descrença para os que já sofreram as decepções; o senhor está moço, não conhece ainda nada desse sentimento. Na sua idade ninguém é céptico... Demais, se a mulher é bonita, eu aposto que daqui a pouco há de dizer-me o contrário. 
- Pode ser... respondeu Estêvão. 
E ao mesmo tempo entrou a pensar nas palavras de Menezes, palavras que ele comparava ao episódio do teatro Lírico. 
Entretanto, Estêvão foi ao convite de Magdalena. Preparou-se e perfumou-se como se fosse falar a uma noiva. Que sairia daquele encontro? Viria de lá livre ou cativo? Já seria amado? Estêvão não deixou de pensá-lo; aquele convite parecia-lhe uma prova irrecusável. O médico entrando num tílburi começou a formar vários castelos no ar. 
Enfim chegou à casa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário