Foi o romance o campo por excelência da
criatividade artística dessa escritora brasileira. Nesse gênero, alcançou, e
plenamente realizou, o ideal de artista da palavra, cultivando um soberbo
estilo na língua portuguesa, que soube, reconhecidamente, manejar com riqueza,
profundidade, variedade, correção e limpidez. No sentido completo da palavra, DSQ
foi uma grande escritora da língua portuguesa, estilista de escol, mantendo, em
toda a sua vida, o compromisso de escrever bem. A língua portuguesa, sem
dúvida, fica a dever a Dinah Silveira de Queiroz pelo empenho que pôs no seu
cultivo cuidadoso, aprimorado e lapidado, sem concessões. […] Floradas na Serra
é o romance que aborda, estuda e põe em contraste o mundo dos sãos e o mundo
dos enfermos, a esperança e o desencanto, a vida e a morte. (Dário Moreira de
Castro Alves)
Margarida La Rocque, o predileto de Dinah Silveira
de Queiroz, escrito em lindo, soberbo português, em tom levemente arcaizante,
numa beleza que esplende, em sua riqueza e perfeição estilística e gramatical,
é o livro pelo qual ela será sempre lembrada e celebrada… “Mas o que, de fato,
cria a intriga, o clima espectral do romance, o que lhe confere a condição de
obra prima, é a linguagem através da qual se torce, retorce e contorce a
pungente e insólita história que a personagem central relata a um interlocutor
mudo, talvez o avesso de sua própria consciência, pois a confissão da heroína
nada mais é do que um monólogo dialogal. (Renard Perez)
Dinah sempre explicou, em entrevistas diversas, que
esse romance (A Muralha) deveria entender-se como o reflexo de um grande
sofrimento por que ela atravessara, à época em que o concebeu e escreveu.
Apontado por muitos representantes da crítica literária como precursor do
realismo fantástico, o romance figura entre os dez mais, na nossa literatura(ao
lado do O Ateneu, de Raul Pompéia, de Grande Sertão Veredas, de Guimarães
Rosa), traduzida e editada, que foi, em espanhol, italiano, francês, japonês e
coreano… (Aguinaldo Silva)
Dinah Silveira de Queiroz (São Paulo 09.11.1911/Rio
de Janeiro, 27.11.1982), filha do casal Alarico Silveira e Dinorá Ribeiro,
contando, em sua ascendência genealógica, nomes ilustres, da intelectualidade
brasileira – o pai (autor da monumental Enciclopédia Brasileira); os tios
Valdomiro Silveira (um precursor do romance regionalista, grande pesquisador da
fala cabocla, antecipador, em vários sentidos, de Guimarães Rosa) e Agenor
Silveira (poeta e filólogo); os primos Miroel Silveira (contista e teatrólogo),
Isa Leal (novelista), Cid Silveira (poeta), Breno Silveira (tradutor) e Ênio
Silveira (editor); a irmã Helena Silveira ( renomada contista e romancista em
São Paulo)… é romancista, contista e cronista de renome na Literatura
Brasileira.
É ainda no seu tempo de criança, que vem a perder a
mãe, tendo que ir morar com a tia-avó, Zelinda, em companhia da irmã Helena
Silveira, com qual, também, conclui os estudos básicos no Colégio Des Oiseaux –
onde as duas irmãs iniciam-se como escritoras.
Aos 19 anos, torna-se a esposa de Narcélio de
Queiroz (advogado, posteriormente magistrado, autor de obras jurídicas e
bibliófilo, como a filha Zelinda de Queiroz, Lee), pi de suas duas filhas Léa e
Zelinda.
È em 1939, com o premiado, editado e bem sucedido
romance Floradas na Serra (prêmio Alcântara Machado, pela Academia Paulista de
Letras/1940), que a escritora faz sua estréia na literatura. Em 1954, é a vez
de A Muralha (comemorativo dos 400 anos da cidade de São Paulo). Obras que,
vale ressaltar, já transitaram para outros códigos linguísticos, incursionando
pelo universo do rádio, das histórias em quadrinho, das artes cênicas (cinema e
TV) transformadas em filmes, novelas, ou séries televisivas, como se pode
verificar nos dados a seguir:
Floradas na Serra – versão cinematográfica (Estúdio
Vera Cruz – 1953), sob a direção do italiano Luciano Salce, protagonizada por
Cacilda Becker; versão televisiva na TV Cultura (São Paulo-1981), na série
Telerromance, estrelada por Bete Mendes e Amaury Alvarez; outra versão
televisiva pela TV Manchete (1990), com atuação de Carolina Ferraz, Marcos
Winter, Myrian Rios e Tarcísio Filho.
Em 1942, a obra é publicada na Argentina, pelo
Clube Social Del Libro, ALA, Buenos Aires, sob o título: Cuando La Sierra
Florece.
A Muralha – 1ª. adaptação: por Benjamin Cattan, em
1961, para a TV Tupi; 2ª. adaptação: por Ivani Ribeiro (superprodução), em
1968, para a TV Manchete – reunindo todo o elenco da emissora, à época; 3ª.
adaptação: pela TV Excelsior, do Rio de Janeiro, em 1969, contando mais de cem
capítulos e com a participação de todo um grande elenco de artistas do cinema e
da televisão brasileira; 4ª. adaptação: por Maria Adelaide Amaral, em 2000,
para a TV Globo.
Sobre essa obra, ainda vale ressaltar, a versão
folhetinesca, semanal (Revista O Cruzeiro/Rio de Janeiro), que precedeu a
primeira edição do romance (José Olympico-Editora/1954) e a versão da história
em quadrinhos, pela Editora Brasil-América, além das traduções e edições
processadas no Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos da América, Paquistão,
Bangladesh e Birmânia.
São esses dois romances (supra referidos) os mais
conhecidos, apreciados e reeditados de Dinah Silveira de Queirós – por sinal,
considerada uma das precursoras da ficção científica, no Brasil, incursionando,
também, pelo gênero fantástico.
Em 1954, a escritora recebe o Prêmio Machado de
Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. Em 1961,
fica viúva do seu primeiro casamento. Em 1962, é nomeada Adido Cultural da
Embaixada do Brasil em Madri-Espanha. Nesse ínterim, contrai novo matrimônio,
com o diplomata (cearense) Dário Moreira de Castro Alves. Com o novo marido,
parte para Moscou (União Soviética), quando e onde produz crônicas,
posteriormente, publicadas (1969) em livro, sob o título de Café da Manhã. Em
1964, regressa ao Brasil. Em 1966, parte novamente para a Europa, fixando-se na
Itália. Em 1982 (27 de novembro), vem a falecer, na Cidade Maravilhosa.
Dinah Silveira de Queirós é a segunda mulher a
tomar posse na Academia Brasileira de Letras, como a sétima ocupante da cadeira
de número sete, anteriormente ocupada pelo
acadêmico Pontes de Miranda,ali recebida em 7 de abril de 1981 – ano em
que dá a público Guida, Caríssima Guida, seu último romance.
Ei-la, em sua bibliografia, elencada com base na
data da primeira edição: Floradas na Serra (romance – 1939); A Sereia Verde
(contos – 1941); Margarida La Rocque (romance – 1949); As Aventuras do Homem
Vegetal (infantil – 1951); A Muralha (romance – 1954); O Oitavo Dia (teatro –
1956); As Noites do Morro do Encanto (contos – 1950 – laureado com o Prêmio
Afonso Arinos da ABL); Era Uma Vez Uma Princesa (biografia – 1960); Eles
Herdarão a Terra (conto – 1960); Os Invasores (romance – 1965); A Princesa dos
Escravos (biografia – 1966); Verão dos Infiéis (romance – 1968 – laureado, em
1969, com o Prêmio Prefeitura do Distrito Federal); Camba Malina (conto –
1969); Café da Manhã (crônicas – 1969); Eu Venho, Memorial do Cristo I (1974);
Eu, Jesus, Memorial do Cristo II (1977); Bahia de Espuma (infantil – 1979);
Guida, Caríssima Guida (romance – 1981).
Publicações em Parcerias: Antologia Brasileira de
Ficção-Científica (conto – 1960); História do Acontecerá (conto – 1961); O
Mistério MMM (romance – 1962); Quadrante I (crônicas – 1962); Quadrante II
(crônicas – 1963);
Comentário das consideradas obras mais importantes
da autora
Floradas na Serra (1939), editado em plena
efervescência da II Guerra Mundial, foi um grande sucesso editorial, em termos
de vendagem (esgotando-se em menos de um mês, possibilitando, assim, novas
tiragens) e de apreciação crítica. Obra em que a escritora traz à cena
literária o drama da tuberculose, vivido por pessoas acometidas desse mal (que
vitimara-lhe a própria mãe, o que marcou-a, profundamente, na infância), nos
sanatórios de Campos do Jordão. Como num resgate memorialista, a escritora compartilha, com o leitor, e numa atmosfera
sentimental, um dilema que, de certo modo, também foi seu… Floradas na Serra é
romance “que aborda, estuda e põe em contraste o mundo dos sãos e o mundo dos
enfermos, a esperança e o desencanto, a vida e a morte”.
Margarida La Rocque – a ilha dos demônios (1950) –
inspirado em trecho da Cosmografia do Pe. André Thévet, configurando-se, pois,
num “abismo de distância”, quanto ao romance de estréia, é “uma obra estranha,
em que a escritora toma caminhos completamente inesperados”, afastando-se da
jovialidade romântica, de Floradas na Serra – como num grito de liberdade, no
dizer de Renard Perez. Trata-se de uma história que retroage, no tempo (meados
do sec. XVI, quando a Europa está empolgada com os descobrimentos, advindos da
expansão marítima, com os viajantes relatando, nas tavernas, episódios
extraordinários…) e no espaço (a autora importa, da França, a protagonista,
para confiná-la numa ilha perdida, juntamente com a ama e o amado), o enredo,
desenrolando-se esse conflito triangular, num clima de pesadelo, com Margarida
relatando, ao Padre (os dois sob as arcadas de um convento), sua pujante
hstória. “História de angústia e de aviltamento, a que pode chegar o ser
humano, movido pelo ciúme e pela solidão” expressa o crítico do Jornal O Globo,
opinando (no que se refere à técnica e ao estilo), que se trata de “uma bela
realização literária”, em que a escritora serve-se de dois recursos
linguísticos/estilísticos basilares: intensa pulsação poética e arcaização da
linguagem – articulada, esta, “com inexcedível maestria, […], criando, assim, o
claro-escuro, a movediça franja de luz e treva indispensável à operação de
fazer com que se fundissem, em um único e inconsútil mosaico ficcional, o real
e o irreal, o corriqueiro e o fantástico, o pagão e o cristão”.
A Muralha (1954) – romance histórico de grande
significado conteudístico, a refletir, no enredo narrativo, o panorama
sócio/histórico/cultural do final do século XVII para o início do século XVIII,
tempo em que começa a se formar, no contexto da nossa cultura de raiz colonial,
uma consciência nacional brasileira. “A Muralha é um romance típico, que
completa a permanente sondagem literária do mundo brasileiro. Dinah Silveira de
Queiroz, ficcionista experiente, não podia ignorar que, no romance histórico,
como no documentário, a contribuição imaginária apenas suplementa. O
instrumento primordial integra-se na percepção psicológica do(a) romancista, na
capacidade de examinar, para reconstituir, na facilidade em reanimar o episódio
histórico, sem esvaziá-lo do conteúdo humano e social. Completa-se a
perspectiva impulsionada por Walter Scott em um plano de exterioridade –
naquela perspectiva mais densa que Tolstoi converteu em análise de caracteres,
interiorizando os conflitos, a personagem histórica, ressurgindo, finalmente,
como a criatura viva, na grandeza das paixões, dos nervos, do sangue e da
carne. No romance, Dinah levanta o véu, lentamente, reconstituindo a paisagem e
os costumes do tempo, a família paulista da época, exposta em sua força de
tronco, as lutas dos homens na selva, a guerra pelo ouro, que a terra virgem não
ocultava. No centro, senhor da vida e da morte, o patriarca, que tem, em sua
vontade, a própria lei. As enérgicas mulheres, que vão gerar um povo. Índios e
escravos, na base, padres e judeus, os aventureiros, que transformam ossos em
alicerces de uma nação. No bojo dessa órbita de violência, desespero, heroísmo
e traição, corre, paralelamente, o drama, meramente romanesco, humano e
poderoso, a romancista separando, no fluxo da narrativa, a sua da história, da
história da terra. São dois movimentos episódicos inter-relacionados, é
verdade, que permanecem autônomos, cada qual transitando em sua órbita própria.
Assim, o objetivo de DSQ, de aproveitar material histórico brasileiro e
transformá-lo em manifestação artística, foi admiravelmente conseguido” – é a
leitura do novelista e crítico literário Adonias Filho. (texto de Dinacy
Corrêa).
Fonte de origem:
.http://blog.jornalpequeno.com.br/dinacycorrea/2012/07/dinah-silveira-de-queiroz/
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