domingo, 9 de fevereiro de 2020

Domingo Na Usina: Biografias: Diná Silveira De Queiroz:





Foi o romance o campo por excelência da criatividade artística dessa escritora brasileira. Nesse gênero, alcançou, e plenamente realizou, o ideal de artista da palavra, cultivando um soberbo estilo na língua portuguesa, que soube, reconhecidamente, manejar com riqueza, profundidade, variedade, correção e limpidez. No sentido completo da palavra, DSQ foi uma grande escritora da língua portuguesa, estilista de escol, mantendo, em toda a sua vida, o compromisso de escrever bem. A língua portuguesa, sem dúvida, fica a dever a Dinah Silveira de Queiroz pelo empenho que pôs no seu cultivo cuidadoso, aprimorado e lapidado, sem concessões. […] Floradas na Serra é o romance que aborda, estuda e põe em contraste o mundo dos sãos e o mundo dos enfermos, a esperança e o desencanto, a vida e a morte. (Dário Moreira de Castro Alves)

Margarida La Rocque, o predileto de Dinah Silveira de Queiroz, escrito em lindo, soberbo português, em tom levemente arcaizante, numa beleza que esplende, em sua riqueza e perfeição estilística e gramatical, é o livro pelo qual ela será sempre lembrada e celebrada… “Mas o que, de fato, cria a intriga, o clima espectral do romance, o que lhe confere a condição de obra prima, é a linguagem através da qual se torce, retorce e contorce a pungente e insólita história que a personagem central relata a um interlocutor mudo, talvez o avesso de sua própria consciência, pois a confissão da heroína nada mais é do que um monólogo dialogal. (Renard Perez)

Dinah sempre explicou, em entrevistas diversas, que esse romance (A Muralha) deveria entender-se como o reflexo de um grande sofrimento por que ela atravessara, à época em que o concebeu e escreveu. Apontado por muitos representantes da crítica literária como precursor do realismo fantástico, o romance figura entre os dez mais, na nossa literatura(ao lado do O Ateneu, de Raul Pompéia, de Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa), traduzida e editada, que foi, em espanhol, italiano, francês, japonês e coreano… (Aguinaldo Silva)

Dinah Silveira de Queiroz (São Paulo 09.11.1911/Rio de Janeiro, 27.11.1982), filha do casal Alarico Silveira e Dinorá Ribeiro, contando, em sua ascendência genealógica, nomes ilustres, da intelectualidade brasileira – o pai (autor da monumental Enciclopédia Brasileira); os tios Valdomiro Silveira (um precursor do romance regionalista, grande pesquisador da fala cabocla, antecipador, em vários sentidos, de Guimarães Rosa) e Agenor Silveira (poeta e filólogo); os primos Miroel Silveira (contista e teatrólogo), Isa Leal (novelista), Cid Silveira (poeta), Breno Silveira (tradutor) e Ênio Silveira (editor); a irmã Helena Silveira ( renomada contista e romancista em São Paulo)… é romancista, contista e cronista de renome na Literatura Brasileira.

É ainda no seu tempo de criança, que vem a perder a mãe, tendo que ir morar com a tia-avó, Zelinda, em companhia da irmã Helena Silveira, com qual, também, conclui os estudos básicos no Colégio Des Oiseaux – onde as duas irmãs iniciam-se como escritoras.

Aos 19 anos, torna-se a esposa de Narcélio de Queiroz (advogado, posteriormente magistrado, autor de obras jurídicas e bibliófilo, como a filha Zelinda de Queiroz, Lee), pi de suas duas filhas Léa e Zelinda.

È em 1939, com o premiado, editado e bem sucedido romance Floradas na Serra (prêmio Alcântara Machado, pela Academia Paulista de Letras/1940), que a escritora faz sua estréia na literatura. Em 1954, é a vez de A Muralha (comemorativo dos 400 anos da cidade de São Paulo). Obras que, vale ressaltar, já transitaram para outros códigos linguísticos, incursionando pelo universo do rádio, das histórias em quadrinho, das artes cênicas (cinema e TV) transformadas em filmes, novelas, ou séries televisivas, como se pode verificar nos dados a seguir:

Floradas na Serra – versão cinematográfica (Estúdio Vera Cruz – 1953), sob a direção do italiano Luciano Salce, protagonizada por Cacilda Becker; versão televisiva na TV Cultura (São Paulo-1981), na série Telerromance, estrelada por Bete Mendes e Amaury Alvarez; outra versão televisiva pela TV Manchete (1990), com atuação de Carolina Ferraz, Marcos Winter, Myrian Rios e Tarcísio Filho.

Em 1942, a obra é publicada na Argentina, pelo Clube Social Del Libro, ALA, Buenos Aires, sob o título: Cuando La Sierra Florece.

A Muralha – 1ª. adaptação: por Benjamin Cattan, em 1961, para a TV Tupi; 2ª. adaptação: por Ivani Ribeiro (superprodução), em 1968, para a TV Manchete – reunindo todo o elenco da emissora, à época; 3ª. adaptação: pela TV Excelsior, do Rio de Janeiro, em 1969, contando mais de cem capítulos e com a participação de todo um grande elenco de artistas do cinema e da televisão brasileira; 4ª. adaptação: por Maria Adelaide Amaral, em 2000, para a TV Globo.

Sobre essa obra, ainda vale ressaltar, a versão folhetinesca, semanal (Revista O Cruzeiro/Rio de Janeiro), que precedeu a primeira edição do romance (José Olympico-Editora/1954) e a versão da história em quadrinhos, pela Editora Brasil-América, além das traduções e edições processadas no Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos da América, Paquistão, Bangladesh e Birmânia.

São esses dois romances (supra referidos) os mais conhecidos, apreciados e reeditados de Dinah Silveira de Queirós – por sinal, considerada uma das precursoras da ficção científica, no Brasil, incursionando, também, pelo gênero fantástico.

Em 1954, a escritora recebe o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. Em 1961, fica viúva do seu primeiro casamento. Em 1962, é nomeada Adido Cultural da Embaixada do Brasil em Madri-Espanha. Nesse ínterim, contrai novo matrimônio, com o diplomata (cearense) Dário Moreira de Castro Alves. Com o novo marido, parte para Moscou (União Soviética), quando e onde produz crônicas, posteriormente, publicadas (1969) em livro, sob o título de Café da Manhã. Em 1964, regressa ao Brasil. Em 1966, parte novamente para a Europa, fixando-se na Itália. Em 1982 (27 de novembro), vem a falecer, na Cidade Maravilhosa.

Dinah Silveira de Queirós é a segunda mulher a tomar posse na Academia Brasileira de Letras, como a sétima ocupante da cadeira de número sete, anteriormente ocupada pelo  acadêmico Pontes de Miranda,ali recebida em 7 de abril de 1981 – ano em que dá a público Guida, Caríssima Guida, seu último romance.

Ei-la, em sua bibliografia, elencada com base na data da primeira edição: Floradas na Serra (romance – 1939); A Sereia Verde (contos – 1941); Margarida La Rocque (romance – 1949); As Aventuras do Homem Vegetal (infantil – 1951); A Muralha (romance – 1954); O Oitavo Dia (teatro – 1956); As Noites do Morro do Encanto (contos – 1950 – laureado com o Prêmio Afonso Arinos da ABL); Era Uma Vez Uma Princesa (biografia – 1960); Eles Herdarão a Terra (conto – 1960); Os Invasores (romance – 1965); A Princesa dos Escravos (biografia – 1966); Verão dos Infiéis (romance – 1968 – laureado, em 1969, com o Prêmio Prefeitura do Distrito Federal); Camba Malina (conto – 1969); Café da Manhã (crônicas – 1969); Eu Venho, Memorial do Cristo I (1974); Eu, Jesus, Memorial do Cristo II (1977); Bahia de Espuma (infantil – 1979); Guida, Caríssima Guida (romance – 1981).

Publicações em Parcerias: Antologia Brasileira de Ficção-Científica (conto – 1960); História do Acontecerá (conto – 1961); O Mistério MMM (romance – 1962); Quadrante I (crônicas – 1962); Quadrante II (crônicas – 1963);

Comentário das consideradas obras mais importantes da autora

Floradas na Serra (1939), editado em plena efervescência da II Guerra Mundial, foi um grande sucesso editorial, em termos de vendagem (esgotando-se em menos de um mês, possibilitando, assim, novas tiragens) e de apreciação crítica. Obra em que a escritora traz à cena literária o drama da tuberculose, vivido por pessoas acometidas desse mal (que vitimara-lhe a própria mãe, o que marcou-a, profundamente, na infância), nos sanatórios de Campos do Jordão. Como num resgate memorialista, a escritora  compartilha, com o leitor, e numa atmosfera sentimental, um dilema que, de certo modo, também foi seu… Floradas na Serra é romance “que aborda, estuda e põe em contraste o mundo dos sãos e o mundo dos enfermos, a esperança e o desencanto, a vida e a morte”.

Margarida La Rocque – a ilha dos demônios (1950) – inspirado em trecho da Cosmografia do Pe. André Thévet, configurando-se, pois, num “abismo de distância”, quanto ao romance de estréia, é “uma obra estranha, em que a escritora toma caminhos completamente inesperados”, afastando-se da jovialidade romântica, de Floradas na Serra – como num grito de liberdade, no dizer de Renard Perez. Trata-se de uma história que retroage, no tempo (meados do sec. XVI, quando a Europa está empolgada com os descobrimentos, advindos da expansão marítima, com os viajantes relatando, nas tavernas, episódios extraordinários…) e no espaço (a autora importa, da França, a protagonista, para confiná-la numa ilha perdida, juntamente com a ama e o amado), o enredo, desenrolando-se esse conflito triangular, num clima de pesadelo, com Margarida relatando, ao Padre (os dois sob as arcadas de um convento), sua pujante hstória. “História de angústia e de aviltamento, a que pode chegar o ser humano, movido pelo ciúme e pela solidão” expressa o crítico do Jornal O Globo, opinando (no que se refere à técnica e ao estilo), que se trata de “uma bela realização literária”, em que a escritora serve-se de dois recursos linguísticos/estilísticos basilares: intensa pulsação poética e arcaização da linguagem – articulada, esta, “com inexcedível maestria, […], criando, assim, o claro-escuro, a movediça franja de luz e treva indispensável à operação de fazer com que se fundissem, em um único e inconsútil mosaico ficcional, o real e o irreal, o corriqueiro e o fantástico, o pagão e o cristão”.


A Muralha (1954) – romance histórico de grande significado conteudístico, a refletir, no enredo narrativo, o panorama sócio/histórico/cultural do final do século XVII para o início do século XVIII, tempo em que começa a se formar, no contexto da nossa cultura de raiz colonial, uma consciência nacional brasileira. “A Muralha é um romance típico, que completa a permanente sondagem literária do mundo brasileiro. Dinah Silveira de Queiroz, ficcionista experiente, não podia ignorar que, no romance histórico, como no documentário, a contribuição imaginária apenas suplementa. O instrumento primordial integra-se na percepção psicológica do(a) romancista, na capacidade de examinar, para reconstituir, na facilidade em reanimar o episódio histórico, sem esvaziá-lo do conteúdo humano e social. Completa-se a perspectiva impulsionada por Walter Scott em um plano de exterioridade – naquela perspectiva mais densa que Tolstoi converteu em análise de caracteres, interiorizando os conflitos, a personagem histórica, ressurgindo, finalmente, como a criatura viva, na grandeza das paixões, dos nervos, do sangue e da carne. No romance, Dinah levanta o véu, lentamente, reconstituindo a paisagem e os costumes do tempo, a família paulista da época, exposta em sua força de tronco, as lutas dos homens na selva, a guerra pelo ouro, que a terra virgem não ocultava. No centro, senhor da vida e da morte, o patriarca, que tem, em sua vontade, a própria lei. As enérgicas mulheres, que vão gerar um povo. Índios e escravos, na base, padres e judeus, os aventureiros, que transformam ossos em alicerces de uma nação. No bojo dessa órbita de violência, desespero, heroísmo e traição, corre, paralelamente, o drama, meramente romanesco, humano e poderoso, a romancista separando, no fluxo da narrativa, a sua da história, da história da terra. São dois movimentos episódicos inter-relacionados, é verdade, que permanecem autônomos, cada qual transitando em sua órbita própria. Assim, o objetivo de DSQ, de aproveitar material histórico brasileiro e transformá-lo em manifestação artística, foi admiravelmente conseguido” – é a leitura do novelista e crítico literário Adonias Filho. (texto de Dinacy Corrêa).

Fonte de origem:
.http://blog.jornalpequeno.com.br/dinacycorrea/2012/07/dinah-silveira-de-queiroz/

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