Voltam
os jornais a falar que é tenção do atual governo criar nesta cidade uma
universidade. Não se sabe bem por quê e a que ordem de necessidades vem atender
semelhante criação. Não é novo o propósito e de quando em quando, ele surge nas
folhas, sem que
nada o justifique. e sem que venha remediar o mal profundo do nosso chamado
ensino superior
Recordação
da Idade Média, a universidade só pode ser compreendida naquele tempo de
reduzida atividade técnica e científica, a ponto de, nos cursos de suas vetustas
instituições de ensino, entrar no estudo de música e creio mesmo a simples
aritmética.
Não
é possível, hoje, aqui no Brasil, que essa tradição universitária chegou tão
diluída, criar semelhante coisa que não obedece ao espírito do nosso tempo, que
quer nas profissões técnicas cada vez mais especialização.
O
intuito dos propugnadores dessa criação é dotar-nos com um aparelho decorativo,
suntuoso, naturalmente destinado a fornecer ao grande mundo festividades
brilhantes de colação de grau e sessões solenes.
Nada mais parece que seja o
intuito da ereção da nossa universidade.
De
todos os graus de nosso ensino, o pior é o superior; e toda a reforma radical
que se quisesse fazer nele, devia começar por suprimi-lo completamente.
O
ensino primário tem inúmeros defeitos, o secundário maiores, mas o superior,
sendo o menos útil e o mais aparatoso, tem o defeito essencial de criar
ignorantes com privilégios marcados em lei, o que não acontece com os dois
outros.
Esses
privilégios e a diminuição da livre concorrência que eles originam, fazem que
as escolas superiores fiquem cheias de uma porção de rapazes, alguns às vezes
mesmo inteligentes, que, não tendo nenhuma vocação para as profissões em que
simulam estar, só têm em vista fazer exame, passar nos anos, obter diplomas,
seja como for, a fim de conseguirem boas colocações no mandarinato nacional e
ficarem cercados do ingênuo respeito com que o povo tolo cerca o doutor.
Outros
que só se destinam a ter titulo de engenheiro que efetivamente quer ser
engenheiro e assim por diante, de forma que o sujeito se dedicasse de fato aos
estudos respectivos, não se consegue com um simples rótulo de universidade ou
outro qualquer.
Os
estudos propriamente de medicina, de engenharia, de advocacia, etc., deviam
ficar separados completamente das doutrinas gerais, ciências constituídas ou
não, indispensáveis para a educação espiritual de quem quer ter uma opinião e
exprimi-la sobre o mundo e sobre o homem.
A
esse ensino, o Estado devia subvencionar direta ou indiretamente; mas o outro,
o técnico, o de profissão especial, cada um fizesse por si, exigindo o Estado
para os seus funcionários técnicos que eles tivessem um estágio de aprendizagem
nas suas oficinas, estradas, hospitais, etc...
Sem
privilégio de espécie alguma, tendo cada um de mostrar as suas aptidões e
preparo na livre concorrência com os rivais, o nível do saber e da eficiência
dos nossos técnicos (palavra da moda) havia de subir muito.
A nossa superstição
doutoral admite abusões que, bem examinadas, são de fazer rir.
Por
exemplo, temos todos nós como coisa muito lógica que o diretor do Lloyd deve
ser engenheiro civil. Por quê? Dos Telégrafos, dos Correios - por quê também?
Aos
poucos, na Central do Brasil, os engenheiros foram avassalando os grandes
empregos da "gema".
Por quê?
Um
estudo nesse sentido exigiria um trabalho minucioso de exame de textos de leis
e regulamentos que está acima da minha paciência; mas era bom que alguém
tentasse fazê-lo, para mostrar que a doutomania não foi criada pelo povo, nem
pela avalanche de estudantes que enche as nossas escolas superiores; mas pelos
dirigentes, às vezes secundários, que a fim de satisfazer preconceitos e
imposições de amizade, foram pouco a pouco ampliando os direitos exclusivos do
doutor.
Ainda
mais. Um dos males, decorrentes dessa superstição doutoral, está na ruindade e
na estagnação mental do nosso professorado superior e secundário.
Já
não bastava a indústria do ensino para fazê-lo mandrião e rotineiro, veio ainda
por cima a época dos negócios e das concessões.
Explico-me:
Um moço que,
aos trinta anos, se faz substituto de uma nossa faculdade ou escola superior,
não quer ficar adstrito às funções de seu ensino. Pára no que aprendeu, não
segue o desenvolvimento da matéria que professa. Trata de arranjar outros empregos,
quando fica nisso, ou, se não - o que é pior - mete-se no mundo estridente das
especulações monetárias e industriais da finança internacional.
Ninguém
quer ser professor como são os da Europa, de vida modesta, escarafunchando os
seus estudos, seguindo o dos outros e com eles se comunicando ou discutindo.
Não; o
professor brasileiro quer
ser um homem de luxo e representação, para isso, isto é, para ter os meios de
custear isso, deixa às urtigas os seus estudos especiais e empresta o seu
prestígio aos brasseur d'affaires bem
ou mal-intencionados.
Para que
exemplificar? Tudo isto é muito sabido e basta que se fale em geral, para que a
indicação de um mal geral não venha a aparecer como despeito e ataque pessoal.
A universidade,
coisa sobremodo obsoleta, não vem curar o mal do nosso ensino que viu passar
todo um século de grandes descobertas e especulações mentais de toda a sorte,
sem trazer, por qualquer dos que o versavam, um quinhão por mínimo que fosse.
O caminho é outro; é a emulação.
Feiras e
mafuás, 13-3-1920
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