sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Contos do Sábado na Usina: Artur Azevedo: ROMANTISMO 1:

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— Então, Rodolfo, decididamente, não te casas com a viúva Santos? 
— Nem com ela, nem com outra qualquer. E peço-lhe, meu pai, que não insista sobre esse ponto, para poupar-lhe o desgosto de contrariá-lo. O casamento assusta-me; é a destruição de todos os sonhos, o aniquilamento de todas as ilusões. Deixe-me sonhar ainda. Tenho apenas vinte e cinco anos. 
— Tu o que tens é uma carregação de romantismo e preguiça, que me aborrece deveras. O teu prazer, meu mariola, é andar envolvido em aventuras de novela, desencaminhando senhoras casadas, procurando amores misteriosos e noturnos, paixões de horas mortas, de chapéu desabado e capa. Olha que um dia vem a casa abaixo! Don Juan, quando menos pensava, lá se foi para as profundas do inferno! 
— Entretanto, observou Rodolfo a sorrir, Don Juan também usava capa, e dizem que quem tem capa sempre escapa. 
— Ri-te! Ri-te! um dia hás de chorar! 
E o doutor Sepulveda pôs-se a medir com largos passos nervosos o assoalho do gabinete. De repente estacou, sentou-se, e, voltando-se para o filho: 
— Que diabo! disse, a viúva Santos é uma das senhoras mais lindas que conheço! Não se diga que te estou metendo à cara um estupor! 
— Fosse a própria Vênus! 
— É mais, muito mais, porque a Vênus não tinha duzentos contos de réis em prédios e apólices. 
— Ora, sou bastante rico, e o senhor, meu pai, não sabe o que há de fazer do dinheiro. A sua banca de advogado rende-lhe uma fortuna todos os anos e eu tenho a satisfação de lhe lembrar que sou filho único. 
— A minha banca, maluco, há muito tempo não rende o que rendia no tempo em que os cães andavam com linguiças no pescoço. O que te ficou por morte da tua mãe, e o que te posso dar, ou deixar, é pouco para a tua dispendiosa vida de rapaz romântico, anacrônico e serôdio. 
— Tenho ainda meu padrinho, o general. 
— Pois sim! Teu padrinho é muito bom, sim senhor, muita festa pra festa, meu afilhado pra cá, meu afilhado pra lá, mas olha que daquela mata não sai coelho. 
— É extraordinário o interesse que o senhor toma por essa viúva Santos! 
— Não é por ela, é por ti, pedaço de asno! Vocês foram feitos um para o outro, acredita, e o que mais lhe agrada nas tua pessoa é justamente esse feitio que tens, de Antony de edição barata. 
— Ela nunca me viu. 
— Nunca te viu, mas conhece-te. Pois se não lhe falo senão do meu Rodolfo! Levei-lhe a tua fotografia, aquela maior... do Pacheco... aquela em que estás tão bonito, que até me parece a tua mãe... 
— Que tolice! minha mãe com bigodes! 
— Os bigodes não, mas os olhos, a boca e o nariz parecem tirados de uma cara e pregados na outra. 
— Mas se o senhor lhe levou o meu retrato, por que não me trouxe o dela? 
— Disso me lembrei eu. Infelizmente nunca se fotografou. Se eu lhe apanhasse o retrato, oh! oh! mostrava-to, e estou certo que não resistirias. 
— O senhor mete-me medo! Para evitar uma asneira de minha parte, hei de fugir da viúva Santos como o diabo da cruz! 

— Disseste que me interesso por ela; e quando me interessasse? Não é filha de um bom camarada, o Teles, que morou comigo quando éramos estudantes, e se formou em Olinda no mesmo dia que eu? — Não imaginas o prazer que tive quando recebi uma carta de Rosalina - ela chama-se Rosalina - dizendo-me: “Venha ver-me; quero conhecer um dos melhores amigos de meu pobre pai.” 
— O pai é morto? 
— Há muitos anos. Morreu juiz municipal nas Alagoas. Deixou a mulher e os filhos na mais completa pobreza, mas os rapazes arranjaram-se no comércio, e lá estão em Pernambuco em companhia da mãe. A Rosalina, essa casou-se com um negociante aqui do Rio, o Santos, que a viu por acaso uma vez que teve de ir a Pernambuco tratar de negócios. 
O doutor Sepulveda aproximou a sua cadeira par mais perto do filho e comentou: 
— Alguém disse que a viúva é como a casa que está para alugar: há sempre lá dentro alguma coisa esquecida pelo antigo inquilino. Bem vejo, meu filho: o que te desgosta é esse Santos, esse marido, esse inquilino; pois não tens razão. O casamento de Rosalina foi obra dos irmãos - um casamento de conveniência. A pobre rapariga sacrificou-se à felicidade dos seus. O coração entrou ali como Pilatos no Credo. Oito dias depois de casados, os noivos vieram para o Rio de Janeiro. Seis meses depois morreu o marido, mas antes disso teve a boa idéia de chamar um tabelião e fazer testamento em favor dela. Ofereço-te um coração virgem, meu rapaz; aceita-o, e com isso darás muito prazer a teu pai e ao general, teu padrinho, que consultei a esse respeito, e é inteiramente da minha opinião. 
Rodolfo ergueu-se, espreguiçou-se longamente, e disse, com os braços estendidos, e a boca aberta num horroroso bocejo: 
— Ora, meu pai, não falemos mais nisso. E não falaram mais nisso. 
O doutor Sepulveda foi ter com o general, e contou-lhe a relutância do afilhado. 
— Mas hei de teimar, seu compadre, hei de teimar! 
— Não teime. Você não arranja nada. Aquele que está ali não se casa nem à mão de Deus Padre. 
— É o que havemos de ver, seu compadre, é o que havemos de ver”...

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