domingo, 22 de maio de 2022

Crônicas de Segunda na Usina: AURIDAN DANTAS: SAGA DE UM BERADEIRO - ASSOMBRAÇÃO DA PÍULA:



Quando fui trabalhar como dentista na cidade de São Tomé, logo na segunda semana me indicaram que ficaria hospedado no prédio da cooperativa. Tal prédio tinha um depósito no térreo, e no primeiro andar tinha vários ambientes, que passa- ram a ser usados como apartamentos pelos fornecedores de insumos para a cooperativa. Como passei o dia trabalhando, só fui chegar nesse prédio no final da tarde, e um funcionário da cooperativa me levou até o “apartamento” que eu ia ficar, e foi embora. Como não encontrei ninguém, deixei as minhas coisas, e sai para jantar. 
Num interior que se preza sempre tem um lugar cha- mado de “quatro bocas”. É o local onde se junta um bom número de pessoas e se fala de tudo, inclusive da vida alheia. Parei lá, mas não devia. Quando me perguntaram onde eu estava hospedado, falei que estava na cooperativa. E então, começaram as “estórias” sobre a dita cuja. Nesse prédio, ex- tremamente antigo, já havia morrido um monte de gente, e nenhum dos presentes nas quatro bocas tinha coragem de ir à noite para lá. Já comecei a ficar aperreado (mas pensei – “eu sou da cidade grande e não tenho medo”). Para não ficar muito mais aperreado, saí de lá e fui para o restaurante. Na mesa coletiva, também fui perguntado sobre onde estava hospedado 
– e pegue estória de assombração. Então, para criar coragem e 
ir dormir mais tranquilo, resolvi beber uma gela. Deu certo não, só tinha vodca. E o pior, era Natasha ou Popov, e sem gelo. Desceu assim mesmo. Mas só consegui beber uma dose (tem coisa pior não). 
Ao chegar com o velho fusca no portão da coopera- tiva, vi que tinha um vigia e que usava uma lanterna na mão. Ele aproximou-se e eu me apresentei. Ele já sabia que ia ter um novato para dormir lá, e abriu o portão. Então, eu pedi para ele me ajudar a abrir a porta da escada, pois estava com a lanterna. Sabe o que ele disse: Vou nada. O senhor deixa o farol do carro de frente para lá e abre. Não chego perto des- 
se prédio nem com a gota. Só tem assombração. Meu amigo, aquele cidadão era o vigia, e tinha aquele medo todo. 
Fui assim mesmo, me danei a rezar, e procurei dormir logo, na velha rede de guerra. Não consegui dormir quase nada. Porém, de madrugada, comecei a escutar um barulho estranho 
– vinha bem fraquinho, e na medida em que se aproximava da janela do apartamento, ia aumentando, e depois voltava a di- minuir. Fiquei todo coberto, e pegue reza. E ficou nessa pisada até amanhecer. Quando o sol clareou, o barulho sumiu. Quando fui sair do prédio para ir ao restaurante tomar café, também ia saindo um rapaz, que me perguntou se eu ia para o restauran- te, e pegou carona. No caminho, eu falei sobre o barulho e o medo que tive, e ele falou na maior gargalhada: era eu fazendo uma corrida ao redor do prédio. Foi então que entendi a porra do barulho baixinho, e depois aumentando, e depois sumindo. O chão era de brita. Quase que eu mandava o condenado ir a pé.


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