sábado, 30 de janeiro de 2021

Domingo na Usina: Biografias: Fernão Lopes:

 


Fernão Lopes (fl. 1418–1459) foi escrivão e cronista oficial do reino de Portugal e o 4.° guarda-mor da Torre do Tombo.
De origem plebeia, pelos serviços prestados à Coroa, recebeu carta de nobreza. Herdou tradições clássicas, francesas e ibéricas, mas distinguiu-se dos seus predecessores, dando grande importância à análise crítica da História e à comprovação documental dos eventos, buscando relatar os factos como eles ocorreram, com verdade e objetividade, expurgando as opiniões parciais, os exageros retóricos e as lendas. Também, inovadoramente, mostrou o povo como um importante agente da História, minimizando o protagonismo, antes quase exclusivo dos reis e da aristocracia. Por isso, é considerado um renovador do género da crónica histórica, um dos precursores da historiografia científica e o fundador da historiografia portuguesa. Ao mesmo tempo, foi dono de uma considerável bagagem intelectual, de uma sensibilidade humanista e de um estilo literário invulgarmente ágil e envolvente, calcado na oralidade e no universo popular, sem descartar referências eruditas, características que fazem dele a figura mais importante da literatura portuguesa medieval. Das suas várias obras, restam apenas as crónicas de D. Pedro, de D. Fernando e de D. João I.[2][3][4][5]
Biografia
Supõe-se que tenha nascido entre os anos de 1380 e 1390, com uma provável origem familiar vilã e mesteiral. Existe a hipótese de ter nascido e, mais tarde, ter sido sepultado no Alandroal, no Alentejo, com base na inscrição de uma pedra tumular, que lhe poderá ter pertencido, e nas ligações históricas da vila com a Ordem de Avis.[1]
O registo mais antigo sobre a sua vida é um documento datado de 1418,[1] que informa ser Fernão Lopes escrivão do Infante D. Duarte e guarda-mor da Torre do Tombo, cargo de alta confiança em que era encarregado de guardar e conservar os arquivos de Estado. Em 1419, foi citado como "escrivão dos livros" de D. João I, e deve ter sido por esta altura que foi incumbido por D. Duarte de colocar os feitos dos reis portugueses na forma de crónica. Num alvará de 1422, aparece com a função de escrivão da puridade do Infante D. Fernando.[5][6][7]
Pouco depois de D. Duarte subir ao trono, em 1433, o rei concedeu-lhe uma tença vitalícia de 14 mil réis anuais, como recompensa pelos serviços que já prestara e pelos que ainda prestaria. D. Duarte concedeu-lhe também uma carta de nobreza e o título de vassalo d'el-rei.[6][7] Em 1437 aparece como tabelião-geral do Reino, mas diz Teresa Amado que provavelmente já desempenhava esta função há muitos anos.[7] Continuou como cronista oficial durante a regência do Infante D. Pedro e o governo de D. Afonso V.[5] Em 1443, é atestado a terminar a primeira parte da Crónica de D. João I, e, em 1448, D. Afonso nomeia Gomes Eanes de Zurara cronista oficial do Reino em seu lugar, mas ao que parece Lopes continuou a trabalhar com o seu sucessor durante algum tempo. Permanecia, porém, guarda-mor da Torre do Tombo, como prova uma tença outorgada pelo rei neste ano.[7]
Em 1454, em virtude da idade avançada, foi aposentado das funções de guarda-mor da Torre do Tombo, sendo substituído por Zurara.[5] A última informação conhecida sobre Fernão Lopes dá conta de que ainda vivia em 1459, quando contestou os direitos de um neto ilegítimo à sua herança.[4][7] A data de sua morte é incerta. Segundo informações no prefácio da Chronica de El-Rei D. Pedro I, escrito por Luciano Cordeiro, após deixar a função de guarda-mor, Fernão Lopes teria ainda vivido por mais cinco anos, falecendo próximo aos 80 anos de idade.[8]
Fernão Lopes foi casado com uma tia da mulher do sapateiro Diogo Afonso, deixando um filho, mestre Martinho, que foi "físico" (médico) do infante D. Fernando. Martinho teve um filho bastardo, Nuno Martins.[6]
Das crónicas que escreveu sobre a história de Portugal restam-nos apenas três identificadas com segurança: a Crónica de D. Pedro, a Crónica de D. Fernando e a Crónica de D. João I. A Crónica de 1419, um conjunto de narrativas sobre os sete primeiros reis de Portugal, é reconhecida também como obra sua pela maioria dos críticos. Bem mais controversa é a autoria da Crónica de D. Afonso IV, da Crónica de D. Afonso III ou de D. Sancho II e da Crónica do Conde D. Henrique. Já sua autoria da Crónica do Condestável, que foi postulada por algum tempo, hoje está inteiramente desacreditada.[6][7]
Depois de um longo período de obscuridade, a sua recuperação crítica iniciou-se no século XIX, sendo consagrado primeiramente por Alexandre Herculano (1810-1877), que o chamou de "pai da História portuguesa". Hoje esta posição está solidamente estabelecida, não pela cronologia, já que teve precursores, mas pelo vulto e pelo caráter nitidamente moderno de sua obra, bem como pelo seu alto valor literário.[9][10]
Contexto histórico
Primeira página de uma cópia manuscrita das Crónicas de Dom Pedro I, Dom Fernando e Dom João I.
Fernão Lopes forma-se num contexto próximo a acontecimentos que se faziam recentes na memória dos portugueses, a saber, os mais significativos: a Crise de 1383-1385 e a Batalha de Aljubarrota (1385). O primeiro acontecimento foi um golpe sucessório “auxiliado pela população camponesa, comerciantes, alguns membros da nobreza e ordens religiosas, principalmente franciscanos”, que assegurou a ascensão do Mestre de Avis, D. João I, ao trono português.[4] D. João I sairia fortalecido como rei de Portugal com o reconhecimento da legitimidade da dinastia avisina através da assinatura do Tratado de Windsor (1386), entre Portugal e Inglaterra e do seu casamento com D. Filipa de Lencastre.
Ao rei eleito e popular, D. João I, sucedeu um rei mais aliado à aristocracia, D. Duarte. Cresceu o poder feudal dos filhos de D. João I, e com ele o predomínio da nobreza, que saíra gravemente abalada da crise da independência. Assistiu-se à guerra civil subsequente à morte de D. Duarte, à insurreição de Lisboa contra a rainha viúva D. Leonor de Aragão, e à eleição do Infante D. Pedro por esta cidade, e em seguida pelas cortes, para o cargo de Defensor e Regedor do Reino, em circunstâncias muito parecidas com as que tinham levado o Mestre de Avis ao mesmo cargo e seguidamente ao trono em 1383-1385.[11][12]
Sendo assim, Fernão Lopes entrara, certamente, em contacto com testemunhos dos acontecimentos, sendo estes eventos relatados na sua obra de 1443, Crónica de D. João I. Pode, dessa forma, consultar os protagonistas envolvidos na resistência contra Castela e na paz firmada no ano de 1411 com o mesmo reino, através do Tratado de Ayllón, ratificado em 1423. Diante desta conjuntura política e social conturbada Fernão Lopes foi designado, por D. Duarte, para escrever os feitos da dinastia de Avis.[11][12]
Obra
Antecedentes
O gênero da crónica histórica tem origens imemoriais. Na Idade Média, iniciando a formação de poderosos reinos na Europa, a realeza entendeu que suas virtudes e conquistas deviam ser consagradas e perenizadas, retomando a antiga tradição das crónicas oficiais, onde de costume pouco se distinguiam factos de mitos e assuntos de Estado de interesses privados da aristocracia, tornando a narrativa histórica claramente um projeto político, manipulando os factos para que se criasse a "verdade" mais conveniente para os detentores do poder. No século XIII o gênero estava em alta, especialmente na França, onde haviam entrado na moda as Grandes chroniques, que traçavam em linguagem retórica a origem dos reis franceses até a mítica Troia.[13][14][15] Conforme Teresa Amado, o que se esperava do cronista medieval se revela explicitamente na encomenda feita a Lopes por D. Duarte: a de "poer em caronica as estorias dos antigos reis que antigamente em Portugal forom e isso mesmo os grandes feitos e altos do mui virtuoso e de grandes virtudes meu senhor e padre". Pouco espaço restava, na tradição historiográfica que Lopes recebeu, para a "arraia miúda", a massa dos vilãos e camponeses, sempre dominados e explorados pela nobreza.[7]
Ao mesmo tempo, essas narrativas apresentavam um modelo de conduta ideal para os nobres, baseado na ética da cavalaria, do cristianismo e do amor cortês, procurando ser obras moralizantes e didáticas. A tradição oral, as mitologias dinásticas e a simples compilação de dados tinham enorme peso nessa literatura de encomenda, e a comprovação documental, bem como uma análise verdadeiramente crítica dos acontecimentos, eram aspectos muito negligenciados. Pensava-se a História de outra maneira naquela época. O modelo francês foi influente nas origens da literatura portuguesa em geral e especificamente na obra de Fernão Lopes, assim como o modelo espanhol, tipificado pelas crónicas alfonsinas e as de Pero Lopez de Ayala, embora Lopes, influenciado pelos clássicos e por um contexto específico, e optando pela objetividade, verificabilidade e economia, tenha feito avanços importantes em relação aos seus predecessores.[13][15][14] No resumo de António José Saraiva,
"Em Portugal chegava-se a um momento crítico. A guerra da independência, colocando face a face a velha aristocracia do sangue e os burgueses das grandes cidades, originou a derrocada dos antigos quadros sociais e deu acesso a uma nova aristocracia de interesses económicos e morais inteiramente novos. Fernão Lopes é o cronista da nova aristocracia, que ainda então se não constituíra em classe fechada, mas estava presa à revolução colectiva que lhe dera o acesso ao poder. Durante um momento parece que a nação ganha voz e consciência literária nas obras do cronista. Há entre ele e o 'povo' a quem se dirige um sincronismo muito claro. E aquela amaneirada poesia de sala, a linguagem cheia de jogos e subtilezas que se falava na corte de D. Dinis, ou os amores perfeitos dos cavaleiros andantes que entretêm a corte de D. Fernando, andam emigrados pelas cortes de Castela e Aragão. Na corte de D. Duarte, uma literatura grave, máscula e prosaica, acompanha as crónicas de Fernão Lopes. Também os costumes são outros: a gravidade conjugal sucede aos devaneios de D. Dinis e aos amores romanescos de D. Pedro e de D. Fernando".[16]
Como era um hábito tradicional entre os cronistas, Lopes muitas vezes não se preocupou em citar suas fontes claramente, mas entre as que mais largamente utilizou estavam a Crónica do Condestável, as obras de Pero Lopez de Ayala e a crónica em latim do Dr. Christophorus sobre o reinado de Dom João I.[7]
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