quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis:


NOIVADO

Vês, querida, o horizonte ardendo em chamas?
Além desses outeiros
Vai descambando o sol, e à terra envia

Os raios derradeiros;
A tarde, como noiva que enrubesce,

Traz no rosto um véu mole e transparente;
No fundo azul a estrela do poente
Já tímida aparece.

Como um bafo suavíssimo da noite,
Vem sussurrando o vento
As árvores agita e imprime às folhas
O beijo sonolento.

A flor ajeita o cálix: cedo espera
O orvalho, e entanto exala o doce aroma;
Do leito do oriente a noite assoma
Como uma sombra austera.

Vem tu, agora, ó filha de meus sonhos,
Vem, minha flor querida;

Vem contemplar o céu, página santa
Que amor a ler convida;
Da tua solidão rompe as cadeias;

Desce do teu sombrio e mudo asilo;
Encontrarás aqui o amor tranqüilo...
Que esperas? que receias?
Olha o templo de Deus, pomposo e grande;
Lá do horizonte oposto
A lua, como lâmpada, já surge

A alumiar teu rosto;
Os círios vão arder no altar sagrado,
Estrelinhas do céu que um anjo acende;

Olha como de bálsamos rescende
A c’roa do noivado.
Irão buscar-te em meio do caminho
As minhas esperanças;

E voltarão contigo, entrelaçadas
Nas tuas longas tranças;
No entanto eu preparei teu leito às* sombra
Do limoeiro em flor; colhi content

Folhas com que alastrei o solo ardente
De verde e mole alfombra.
Pelas ondas do tempo arrebatados,

Até à morte iremos,
Soltos ao longo do baixel da vida
Os esquecidos remos.
Calmos, entre o fragor da tempestade,

Gozaremos o bem que amor encerra;
Passaremos assim do sol da terra
Ao sol da eternidade.

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