quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Poesia de Quinta na Usina: Fagundes Varela:

   


O MAR

Sacode as vagas de teu dorso imenso,

Oh! profundo oceano! Ergue-as altivas

Com seus frígios barretes! Em vão tentam

Lutar contigo temerárias frotas,

Traçar-te raias a vaidade humana!

Tu és eterno e vasto como o espaço,

Livre como a vontade onipotente.

 

Régio manto do globo! povo infindo

 

De soberbos Titães! gênio da força,


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Salve três vezes!... Das espáduas amplas

 

Derribas todo o jugo que te oprime,

Tragas gigantes de carvalho e cedro,

E a fronte erguendo majestosa e bela

Diademas de pérolas atiras

Às estrelas do céu, e ao mundo cospes

A férvida saliva em desafio!

 

Quantos impérios celebrados, fortes

 

Não floresceram de teu trono às bases

Sublime potestade! e onde estão eles?

O que é feito de Roma, Assíria e Grécia,

Cartago, a valorosa? As vagas tuas

Lambiam-lhes os muros, quer nos tempos

De paz e de bonança, quer na quadra

Em que chuvas de setas se cruzavam

À  face torva das hostis falanges!

Tudo esb’roou-se, se desfez em cinzas, Sumiu-se como os traços que o romeiro Deixa de Núbia na revolta areia!

 

Só tu, oh! mar, sem termos, imutável Como o quadrante lúgubre do tempo, Ruges, palpitas sem grilhões nem peias!

 

Nunca na face desse azul sombrio,

 

Onde tranqüilas, ao chorar das brisas,

Poesias do céu, flores do éter,

As estrelas se miram namoradas...

Nunca o fogo e a lava, a guerra e a morte,

A armada dos tiranos há deixado

Um vestígio sequer de seus destroços!

Tal como à tarde do primeiro dia

Que ao orbe clareou, hoje te ostentas

Na tua majestade horrenda e bela!

Espelho glorioso onde entre fogos

Se mostra onipotente, nas tormentas

A face do Senhor! Monstro sublime

Cujas garras de ferro o globo abraçam...

Até que um dia, quem o sabe? exausto

Lance o último alento! ah! no teu seio

Talvez tremendo espírito se agite,

Misto sombrio de paixões sem freios,

Cuja expressão vislumbra-te no rosto,

Ora hediondo de compressos músculos,

Ora suave como o louro infante

Sobre o seio materno, ora cruento

Gotejando suor, escuma e raiva!

 

Níobe eterna! de teu ventre túmido

 

Os monstros dos abismos rebentaram,

Em cujo dorso de argentadas conchas


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Os raios das estrelas resvalavam:

 

De teu lodo fecundo, inextinguível,

Brotaram continentes cujas grimpas

Iam bater na abóbada cerúlea;

Teus paços de coral e de esmeraldas

Encerravam princesas vaporosas,

Louras ondinas, encantados gênios,

Soberbas divindades! Entretanto

Viste tudo cair! riscada a Atlântida

Da face do universo, os brônzeos deuses

Desterrados pra sempre, e só restou-te

Uma voz gemedora que chorava:

- Já não vive o Deus Pã! oh! Pã é morto!

 

Oceano sem fundo! vagas túmidas

 

Abismo de mistério, ah! desde a infância

Preso na teia da atração divina

Eu vos busquei sedento! sobre as praias,

Curvas como os alfanjes dos eunucos,

Eu me perdia nos dourados dias

Da santa primavera, ouvindo os brados

Dos marinhos corcéis, molhando as plantas

Na gaze salitrosa que envolvia

A areia cintilante! após mais tarde

Sentava-me no cimo dos rochedos,

Suspirando de amor aos verdes olhos,

Aos moles braços que do salso leito

Erguiam-se tão meigos e adorados!...

 

Amo-te ainda, oh! mar! amo-te muito,

 

Mas não tranqüilo umedecendo a proa

Da gôndola lasciva, nem chorando

às carícias da lua! Amo-te horrível,

Arrogante e soberbo, repelindo

Os furacões que roçam-te nas crinas,

Quebrando a asa de fogo que das nuvens

Procura te domar, batendo a terra

Com teus flancos robustos, levantando

Triunfante e feroz no tredo espaço

A cabeça estrelada de ardentias!

 

Amo-te assim, oh! mar, porque minh’alma

 

Vê-te imenso e potente, desdenhoso

Rindo às quimeras da cobiça humana!

Amo-te assim! ditoso no teu seio

Zombo do mundo que meu ser esmaga,

Sou livre como as vagas que me cercam

E só a tempestade e a Deus respeito.

Salve, oceano onipotente e eterno!

Santo espelho de Deus, três vezes salve!


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