segunda-feira, 2 de maio de 2022

A Divina Comédia: Dante Alighieri:



De sangue negro o ramo já tingido,
“Por que me rompes?” — prosseguiu gemendo —
36 Assomos de piedade nunca hás tido?” —
“Fui homem, hoje o lenho, que estás vendo! 
Mais compassiva a tua mão seria
39 Se alma aqui fosse de um dragão tremendo”.
Como acha verde, quando se incendia 
Num extremo s'estorce, no outro estala, 
42 Chiando e a umidade fora envia:
Daquela arvora assim brotava a fala,
E o sangue; a minha mão já desprendera
45 O ramo, e, entanto, o horror no peito cala.
“Se de antes ele acreditar pudera”
Lhe torna o sábio Mestre “alma agravada,
48 O que eu nos versos meus lhe descrevera,
“Por te ferir sua mão não fora alçada.
Não crera eu mesmo, e tanto que o induzira
51 Ao feito, que me pesa e desagrada.
“Diz-lhe quem foste e as dúvidas lhe tira. 
O mal te compensando, a fama tua
54 Há de avivar no mundo, a que retira”. —
E o tronco: “Alívio tanto à dor, que atua, Causais, 
que de bom grado eu já explico: 
57 Ao triste dai que a mágoa exprima sua.
Fui quem do coração de Frederico 
As chaves tive e usei com tanto jeito,
60 Fechando e desfechando que era rico
“Da fé com que a mim só rendeu seu peito 
No glorioso cargo fui constante,
63 Força, alento exauri por seu proveito.
“A torpe meretriz, que, a todo instante 
Ao régio paço olhos venais volvendo,
66 Morte comum, das cortes mal flagrante,
“Contra mim ódio em todos acendendo, 
Por eles acendeu iras de Augusto,
69 Que honras ledas tornou-me em luto horrendo.
“Ressentindo-me então do mundo injusto, 
Por fugir seus desdéns, buscando a morte, 
72 Comigo iníquo fui eu, que era justo.
“Pelo tronco em que peno desta sorte, 
Que jamais infiel hei sido, juro,
75 Ao Rei meu, que houve a glória por seu norte,
“De vós o que voltar à luz adjuro
Que a memória me salve ao nome honrado,
78 Que vulnerou da inveja o golpe duro”. —
O vate inda esperou. — “Pois se há calado”.

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